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2.2 Dimensões de análise da indicação geográfica

2.2.4 Dimensão econômica

A ECT foi escolhida para abordar os conceitos da dimensão econômica das Indicações Geográficas por trazer, em suas definições, características das transações bastante peculiares ao objeto de estudo, tais como especificidade de ativos e oportunismo. Ressalta-se que, nesta seção, serão dados somente os principais delineamentos acerca dos fundamentos da ECT, procurando traçar paralelos com o objeto de pesquisa.

Ronald Coase, com seu artigo seminal “A Natureza da Firma”, de 1937, foi quem primeiro ressaltou a importância dos custos de transação. Nesse trabalho, Coase formula uma questão interessante: por que as firmas existem? Coase concebe a firma como um instrumento de controle, indo de encontro à teoria econômica ortodoxa (mainstream), que entendia a firma como uma função de produção. Nelson & Winter (2005) tecem fortes críticas à ortodoxia econômica, considerando a abordagem econômica neoclássica incapaz de explicar a complexidade dos fenômenos das relações de mercado.

O trabalho de Coase, posteriormente agraciado com um prêmio Nobel de Economia, provocou, em um grande número de pesquisadores, a preocupação de

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se pesquisar os custos que envolvem as transações entre as organizações, no que hoje é chamado de economia dos custos de transação. O foco passa a ser a organização e o ambiente institucional onde ela está inserida, contrastando, em parte, com o foco da economia neoclássica. Mais do que isso, em contraste com os métodos quantitativos de análise da economia neoclássica, a economia dos custos de transação converge o entendimento dos aspectos quantitativos e qualitativos das transações entre organizações, no intuito de entender e minimizar os custos de transação.

Williamson (1985, 1991, 1993), em diversos trabalhos de influente fundamentação teórica elaborados a partir da década de 1970, desenvolveu grande parte do arcabouço teórico do que chamamos de economia dos custos de transação. Na verdade, as proposições de Williamson contribuíram com as bases conceituais coasianas, no sentido de promover a refutação de suas proposições, permitindo a utilização da ECT em testes empíricos (Farina et al., 1997).

O foco de análise da ECT é na transação em seu nível microanalítico, que é definida por Williamson (1993) como sendo a transformação de um bem ao longo de interfaces tecnologicamente separáveis. Williamson (1985, 1991, 1993) procurou traçar dimensões destas transações, utilizando elementos objetivos e observáveis, sendo esta uma das maiores contribuições aos preceitos de Coase. O ponto de vista para se dimensionar as transações é a identificação das suas características, pois, quanto mais atributos e especificidades de ativos envolvidos nas transações, maior é a possibilidade de ocorrerem ações oportunistas (Farina et al., 1997). Estes elementos teóricos relacionados à economia dos custos de transação são sistematizados por Arbage (2004) em três grupos de elementos:

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racionalidade7 – os indivíduos são incapazes de tomar decisões ótimas, pois são incapazes de lidar com a complexidade de todas as variáveis apresentadas pelo ambiente. Em vez disso, tomam decisões apenas satisfatórias, o que se convencionou chamar racionalidade limitada (March et al., 1970). O conceito de racionalidade limitada aplicado à ECT é baseado no trabalho de Herbert Simon e é um dos pontos que mais afastam a ECT da ortodoxia econômica. A contribuição de Simon para a Nova Economia Institucional (NEI) se estende em questões de seleção das formas organizacionais e da análise estrutural discreta (Farina et al., 1997); (b) oportunismo – Williamson (1993) sustenta que o oportunismo é a busca pelo interesse próprio com dolo. Assim, os atores, em uma rede de relacionamentos, podem agir na busca de seu próprio interesse, em atitudes oportunísticas contra os demais integrantes da rede;

b) elementos relacionados com a transação em si: (a) frequência – numa relação que vise minimizar os custos de transação, quanto

maior a frequência das transações, mais rapidamente serão amortizados os investimentos realizados. A frequência das transações possibilita a construção de uma reputação em torno de uma marca (Farina et al., 1997); (b) especificidade

de ativos – a especificidade de um ativo transacionado é inversamente

proporcional à possibilidade de utilização alternativa do mesmo. O aumento da especificidade de ativos é proporcional ao aumento dos riscos e de problemas de adaptação, ocasionando maiores custos de transação. São identificados seis tipos de especificidade de ativos: humana, locacional, física e ativos dedicados, marca e temporal (Farina et al., 1997). As Indicações Geográficas são exemplo de especificidade locacional (Chaddad, 1996). A especificidade de ativos é a grande locomotiva que a ECT possui para seu conteúdo preditivo (Williamson, 1985);

7 Williamson distingue a racionalidade em três níveis: racionalidade limitada (derivada

do trabalho de Herbert Simon), maximização (ou racionalidade forte) e racionalidade orgânica (ou racionalidade fraca) (Farina et al., 1997). Este trabalho se concentra na racionalidade limitada.

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c) elemento de natureza adaptativa – incerteza – refere-se ao

desconhecimento de variáveis que podem influenciar o custo de transação, tais como o ambiente institucional e o padrão comportamental dos agentes (Zylbersztajn, 1995).

Williamson (1991) incluiu uma maior precisão aos argumentos de Coase, identificando os tipos de trocas que são mais bem conduzidos em uma firma e quais são pelo mercado. Assim, Williamson (1985, 1991, 1993) estabelece, em seus trabalhos, dentro do arcabouço teórico da ECT, o que é chamado de estruturas de governança: o mecanismo por meio do qual a firma gerencia uma transação econômica (Barney, 1999). As estruturas de governança têm como objetivo principal e precípuo a redução dos custos de transação, isto é, a melhor estrutura será aquela que menores custos de transação gerará ao empresário (Farina et al., 1997).

As estruturas de governança são:

(a) de mercado – estrutura na qual o ator se relaciona pontualmente e de forma anônima com os demais atores do mercado;

(b) hierárquica, na qual a empresa traz para dentro de seus limites os ativos que necessita, a altos custos. Quanto maior a especificidade dos ativos envolvidos, mais apropriada é a adoção de uma estrutura de governança que tenda à hierarquia (Farina et al., 1997);

(c) híbrida, que combina características das duas anteriormente citadas, e a relação entre os atores se dá por meio de um nexo de contratos que especifica o objeto da transação, sendo esta estrutura de governança a mais próxima dos conceitos de redes organizacionais.

Williamson (1991) também menciona a estrutura contratual que cada estrutura de governança adota para disciplinar suas transações. Os (a) contratos

clássicos, típicos da estrutura de mercado, são aqueles interpretados sob os

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partes é irrelevante, não há relação de interdependência e o fórum para a resolução de conflitos é o jurisdicional; (b) os contratos neoclássicos são aqueles nos quais as partes mantêm sua autonomia, ao mesmo tempo em que são bilateralmente dependentes. São passíveis de adaptação e mudanças quando necessário, conservando as bases originais do contrato, no sentido de que, de acordo com os conceitos de racionalidade limitada dos indivíduos, os contratos são tipicamente imperfeitos e devem ser ajustados ex-post, apesar de serem celebrados ex-ante; (c) os contratos relacionais são aqueles nos quais o acordo principal deixa de ser a base para a negociação. Os pontos de referência principal não são mais as bases do acordo original, mas a própria relação entre as partes. Suas características estão ligadas à sua flexibilidade e possibilidade de renegociação (Zylbersztajn, 1995).

O que a Economia dos Custos de Transação traz em seus fundamentos teóricos é a maneira de enxergar uma coordenação vertical de agentes de uma cadeia produtiva como forma de diminuir os custos de transação (Chaddad, 1996). Na verdade, esta coordenação é, basicamente, o conjunto de estruturas de governança que interligam os segmentos componentes de uma cadeia produtiva (Farina et al., 1997). Assim, a coordenação vertical traz vantagens que os agentes da cadeia possivelmente não teriam se tivessem se relacionando sozinhos com o mercado.

O aporte teórico da ECT traz conceitos que são úteis para a análise e a discussão da realidade das Indicações Geográficas. Assim, o processo de reconhecimento de uma IG é um típico caso de custo de transação ex-ante, pois se tratam de custos relacionados com o desenho de uma série de contratos entre cafeicultores, associação de cafeicultores e o Estado que, em última instância, legitima o processo, em termos jurídicos. Já a proteção da IG é um custo de transação ex-post para combater ações oportunísticas de uso indevido da marca coletiva, bem como ajustar os mecanismos de controle impostos aos produtores

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associados (Chaddad, 1996).

Além disso, o processo de valorização da origem por meio de criação de IGs é um meio de diminuir a assimetria de informações entre os agentes que formam a cadeia produtiva, sendo a associação de produtores rurais o elo fundamental para prover os elos a jusante das informações de qualidade do produto com IG reconhecida. O sistema é perfeitamente rastreável (Souza et al., 2000). A assimetria de informação pode ser minimizada, mas não pode ser excluída do processo, o que causa a possibilidade de ações oportunísticas (Saes et al., 1999; Medaets, 2005).

A assimetria de informação ao longo dos elos de uma cadeia na qual predominam transações com commodities diminui as vantagens competitivas do produto diferenciado. É uma clássica falha de mercado e os intermediários que, geralmente, possuem melhor informação acabam internalizando os ganhos decorrentes de qualidade (Zylbersztajn & Farina, 1998). A padronização e a certificação de origem podem servir como instrumentos de coordenação e melhoria do desempenho das cadeias produtivas (Medaets, 2005).

A confiança entre os elos da cadeia é imprescindível. As trocas comerciais são facilitadas devido ao aumento da confiança dos elos da cadeia na marca coletiva e nos agentes públicos e privados que sustentam o processo, reduzindo custos de transação, ou seja, os custos de informação acerca da qualidade do bem em consideração (Alcoforado, 2002; Barra et al., 2006).

Na ausência de especificidades de ativo, o mercado spot é a estrutura de governança mais comum que permeia todo o SAG do café. Passando do segmento produtor para a indústria e até o consumidor final, o preço de mercado é o balizador das principais transações observadas. A indicação geográfica sustenta a especificidade de ativos e os setores a montante devem garanti-la por meio de coordenação entre os agentes do SAG e com mecanismos de controle (Zylbersztajn & Farina, 1998; Saes et al., 1999). Neste caso, as estruturas de

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governança híbridas baseadas na coordenação vertical de seus agentes e balizadas por contratos são mais adequadas, devido à alta especificidade (locacional) do ativo transacionado (Farina et al., 1997).

O aumento da especificidade dos ativos causa uma maior possibilidade da atuação de “caronas”, em função da externalidade positiva criada. Os caronas atuam por meio de ações oportunísticas, sendo um típico custo de transação relacionado às indicações geográficas (Chaddad, 1996). “Os produtores podem se defrontar com o problema do moral hazard, que é uma forma ex-post de oportunismo” (Saes et al., 1999, p. 222).

Por fim, a coordenação entre os agentes se faz verticalmente, em relação aos demais elos da cadeia, e horizontalmente entre os produtores, por meio da sua AIP. Em um ponto de vista ampliado, pode-se dizer que se trata de uma coordenação horizontal, em que os elementos envolvidos estimulam iniciativas para fomentar relações horizontais de cooperação, associadas a direitos de propriedade coletivos (Souza, 2006). As entidades representativas da coletividade também devem procurar construir alianças verticais, para promover o produto e torná-lo reconhecido por atores fora dos limites da região.