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CAPÍTULO 2 O BRASIL NA ORDEM ECONÔMICA GLOBALIZADA: A

2.1 Breves considerações sobre a economia brasileira a partir da segunda metade do século

2.1.1 O processo de industrialização e os fatores intervenientes: a ação do Estado e do

2.1.1.1 A industrialização da agricultura e a atividade agroindustrial

Paralelamente ao desenvolvimento industrial do país, no contexto dos anos 1960 e 1970, o espaço rural brasileiro sofre os efeitos da industrialização, através de dois eventos: a modernização e a industrialização da agricultura.

A modernização da agricultura brasileira teria se iniciado já por volta dos anos 1950, com a importação de máquinas e insumos. Kageyama e outros (1990, p. 113) definem tal fato como uma “[...] mudança na base técnica da produção agrícola. É um processo que ganha dimensão nacional no pós-guerra, com a introdução de máquinas na agricultura (tratores importados), de elementos químicos (fertilizantes, defensivos) [...].”.68

Segundo Delgado (2012, p. 16), até 1960 os insumos modernos foram pouco empregados na agricultura, além de, em quase sua totalidade, terem que ser importados. Assim, somente na década seguinte é que o Brasil teria passado a produzir bens de capital voltados para o setor agrícola. Conforme o autor (p. 16),

Por meio dos dados de tratorização e consumo de fertilizantes [...] verifica-se que foi somente na década de 1970 que houve uma intensificação do consumo industrial pela agricultura [...] a par de um movimento paralelo e integrado de implantação no país do subsetor industrial produtor de insumos e bens de capital para a agricultura.

68 A modernização agrícola ocorrida entre meados dos anos 1960 e 1980 – a chamada “modernização conservadora” – teria sido fortemente articulada por ações governamentais, como a implantação do Sistema Nacional de Crédito Rural, a partir de 1965, além de incentivos fiscais e de políticas de fomento produtivo e comercial. (DELGADO, 2012, p. 14).

O desenvolvimento da indústria de bens de capital teria resultado na chamada industrialização da agricultura,69 a qual se verifica após 1965, significando que esta atividade

[...] está conectada com outros ramos da produção; para produzir ela depende dos insumos que recebe de determinadas indústrias; e não produz mais apenas bens de consumo final, mas basicamente bens intermediários ou matérias- primas para outras indústrias de transformação [...]. (KAGEYAMA et al., 1990, p. 114).

Os referidos autores esclarecem que modernização e industrialização tratam-se de conceitos distintos, podendo ser diferenciados através de três transformações ou “mudanças qualitativas” ocorridas na agricultura, ao longo dos anos 1960, quais sejam:

- nas relações de trabalho, pois enquanto na modernização “havia espaço” para o pequeno produtor (o qual, mesmo adotando insumos modernos, mantinha a produção de forma artesanal e familiar), na agricultura industrializada “não há mais o trabalhador individual, há um conjunto de trabalhadores assalariados”, ou seja, o trabalho é coletivo;

- no processo produtivo, pois a modernização pós-segunda guerra é caracterizada pelo uso do trator como substituto da tração animal, entretanto, no decorrer da fase da industrialização da agricultura, a própria força de trabalho humana é substituída (sua destreza, habilidade), à medida em que a mecanização atinge todas as etapas da produção, “do plantio à colheita”, incluindo carregamento e transporte;

- na proveniência dos insumos, máquinas e equipamentos utilizados pelo setor agrícola, os quais durante a modernização eram adquiridos via importações, e, com a industrialização da agricultura, passaram a ser produzidos no próprio país, ou seja, através da chamada “internalização” da indústria de base. (KAGEYAMA et al., 1990, p. 115).

A respeito da interdependência estabelecida entre a agricultura e a “indústria produtora de insumos”, designada por Müller (1981, p. 23) como “indústria para a agricultura”, o citado autor afirma, em relação ao início dos anos 1970, que,

[...] praticamente metade da produção agrícola era de interesse imediato dos setores demandantes de matérias-primas e [...] praticamente metade das condições de produção na agricultura dependiam da indústria de máquinas e demais insumos industriais [...] a agricultura converteu-se em condição de acumulação da parcela da indústria de bens de capital. Em suma, a agricultura

69O conceito de “industrialização da agricultura” teria sido abordado por Karl Kautsky, ao analisar a penetração do modo de produção capitalista no campo russo, já em fins do século XIX. (ALVES; FERREIRA, 2009, p. 149).

não mais depende apenas do crescimento da indústria à jusante, das exportações e de outros setores, mas também da indústria produtora de insumos. (MÜLLER,1981, p. 42).

À medida em que o país substitui a importação de máquinas e equipamentos, os processos de modernização e de industrialização do campo brasileiro se intensificam. 70

Müller (1982, p. 24) menciona diversas empresas estrangeiras, que passaram a atuar, por volta dos anos 1970, como “indústrias para a agricultura”. Na maior parte pertencente aos ramos mecânico e química, destinavam-se à produção de tratores, máquinas e implementos agrícolas (tais como Massey-Ferguson, do Canadá, Valmet, da Finlândia, Fiat, da Itália e Ford, dos Estados Unidos), assim como à fabricação de fertilizantes e adubos (Ultrafértil, dos Estados Unidos, Fertilizantes Mitsui, de origem japonesa, Itaú Fertilizantes, da Alemanha, e a argentina Quimbrasil). Também na produção de rações o capital estrangeiro se fazia presente, através das empresas Central Soya, Ralston Purina, Anderson Clayton e Cargill (todas de origem estadunidense), além da produção de defensivos e produtos veterinários, por meio de três empresas alemãs (Basf, Bayer e Hoechst), duas estadunidenses (Abbott e Du Pont) e uma suíça (Ciba-Geigy).

Conforme o autor (p. 24), a substituição de importações destinadas à agricultura deu-se, em um momento em que “[...] o mercado interno agrícola já se mostrava suficientemente amplo para a implantação de filiais estrangeiras [...] E, tal qual o ocorrido na década de 1950, o papel do Estado foi fundamental.”. Assim sendo, a ação estatal de estímulo para o setor agrícola teria ocorrido via concessões de financiamentos, incentivos creditícios e subsídios. Por outro lado, ainda segundo Mûller (1982, p. 25),

A instalação e sobretudo a expansão dos setores mecânicos e químicos voltados à agricultura, em parte pertencentes ao capital estrangeiro, deveu-se ao extraordinário crescimento das indústrias absorvedoras de matérias-primas do campo e às possibilidades de exportação de bens semi e completamente industrializados, o que implicou na demanda de volumes cada vez maiores à agropecuária.

70 Do ponto de vista socioespacial, ocorrem mudanças significativas, configurando-se, como já citado, uma crescente taxa de urbanização, cuja causa é atribuída, em grande medida, ao êxodo rural. Conforme Girardi (2008, s/p) “Como conseqüência do processo de industrialização e modernização da agricultura no Brasil [...] a população brasileira deixou de ser predominantemente rural no período 1960-1970.”. Assim, em 1970 a população urbana totalizava 52 milhões, apresentando crescimento contínuo, ao longo das décadas, chegando, em 2010 a 160 milhões, ao passo que a população rural decresce, sucessivamente, no mesmo período, de cerca de 41 milhões para 29 milhões. (BRASIL, 2016).

A respeito da industrialização do campo, bem como do desenvolvimento das indústrias processadoras de produtos agrícolas, é importante esclarecer que não somente o capital estrangeiro teria exercido importante papel, como também o capital nacional.

Os efeitos da industrialização da agricultura, portanto, incidem diretamente nas indústrias processadoras – as agroindústrias –, já que há um aumento na oferta de matérias- primas de origem agrícola. Neste sentido, também segundo Delgado (2012, p. 16),

[...] o processo de integração técnica agricultura-indústria foi ainda fortemente impulsionado pela modernização da indústria processadora de produtos rurais, a qual, em interação com o setor produtivo agrícola, a indústria de bens de capital e os serviços de apoio, constituem verdadeiros complexos ou ‘sistemas agroindustriais’ interligados.

Graziano da Silva (1993, p. 2) afirma que a formação dos complexos agroindustriais (CAIs) no Brasil, na década de 1970, ocorreu “[...] a partir da integração intersetorial entre três elementos básicos: as indústrias que produzem para a agricultura, a agricultura (moderna) propriamente dita e as agroindústrias processadoras [...].”

A consolidação da integração técnica e da financeira no setor agrícola, que caracterizam a formação de um CAI, resultou, nos dizeres de Graziano da Silva (1993, p. 3) “[...] numa verdadeira ‘orquestração de interesses’ agrários, industriais e financeiros.”.

Segundo Kageyama e outros (1990, p. 115), após 1975 ocorre a formação de vários complexos agroindustriais, “[...] ao mesmo tempo em que a atividade agrícola se especializa continuamente.”.

Conforme os autores em questão, a constituição de CAIs no Brasil só foi possível quando o processo de modernização agrícola torna-se independente da importação de insumos e máquinas, ou seja,

Assim como o complexo rural dependia das exportações para se expandir, a modernização, no seu início, dependia da capacidade para importar [...] A internalização da produção de insumos e máquinas para a agricultura rompe esse limite; a partir daí a modernização da agricultura caminha com seus próprios pés e os limites agora são colocados por ela mesma, isto é, pelo próprio capital inserido na atividade agrícola [...] houve também naquele momento condições internacionais excepcionais que viabilizaram a implantação dos CAIs, incluindo aí os casos da laranja, aves e soja. (KAGEYAMA et al., 1990, p. 125)

Para Delgado (2012, p. 17), os complexos agroindustriais seriam uma “[...] faceta moderna da agricultura brasileira” e integram-se “[...] às múltiplas correntes do comércio

internacional de produtos agrícolas e agroindustriais.”. Em princípio concentrados, sobretudo, em áreas do sudeste e sul brasileiro, acabaram se disseminando, na década de 1980, também pela região centro-oeste.

Neste contexto, a utilização de modernas técnicas e de insumos na agricultura (que permite um aumento na produção e produtividade), bem como a introdução de novos cultivos – como, por exemplo, a soja -, particularmente em espaços de tradição agropecuária, acabaram atraindo a implantação de empresas agroindustriais, nacionais e estrangeiras (portanto, multinacionais). Alguns municípios do Triângulo Mineiro constituem exemplos destes espaços, nos quais a estreita “relação agricultura-indústria” ensejou, nas décadas de 1970 e 1980, a formação de complexos agroindustriais. Ao especializaram-se produtivamente em determinados segmentos – como o de grãos, de carnes e de couros –, tais espaços formaram uma estrutura que lhes permitiu expandir muito sua produção, a partir dos anos 2000, a fim de atender à demanda internacional de commodities.

Para se compreender tal evento, será apresentada a evolução das exportações brasileiras a partir dos anos 1950, para em seguida analisar-se a inserção brasileira no mercado global de

commodities, bem como seus desdobramentos.