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CAPÍTULO 1 AGROINDÚSTRIA NO BRASIL EM UM CENÁRIO DE

1.2 Processos globais que afetaram a agroindústria

1.2.1 A reestruturação da economia capitalista a partir dos anos 1950: as transformações na

1.2.1.1 A nova divisão internacional do trabalho e a implantação de empresas

A partir de meados dos anos 1950, uma das principais formas de domínio exercido pelos Estados Unidos, em relação aos países subdesenvolvidos, foi através de investimentos estrangeiros diretos, por meio de empresas multinacionais, que passam a buscar novos espaços produtivos, muitos dos quais localizados em países de Terceiro Mundo. As vantagens locacionais existentes como mão de obra barata, matéria-prima disponível, incentivos fiscais, legislação ambiental pouco rígida, além de um mercado consumidor em potencial, serviram como fatores de atração para instalação de unidades produtivas em países de continentes como América Latina e Ásia.

A chamada crise de acumulação do capital conduz à inserção de empresas de origem norte-americana, - e, posteriormente, também europeia e japonesa - em países capitalistas que se encontravam à margem do desenvolvimento industrial alcançado pelas economias mais avançadas.

Assim, a tradicional divisão internacional do trabalho vigente desde a Revolução Industrial do século XVIII, que se caracterizava, de um lado, por países fornecedores de matérias-primas e, de outro, por países exportadores de produtos industrializados , cede lugar àquela que ficou conhecida como segunda ou nova divisão internacional do trabalho.

Desta forma, os países subdesenvolvidos, muitos em processo de industrialização, embora tenham permanecido na condição de fornecedores de produtos primários, passaram a receber filiais de empresas estrangeiras, com o compromisso de remeter os lucros auferidos aos países sedes das mesmas. Comumente chamadas de multinacionais, tais empresas representavam, muitas vezes, grandes grupos econômicos e/ou financeiros, e, em geral, eram provenientes de países desenvolvidos.

Sposito e Santos (2012, p. 24) reconhecem, em relação ao período a partir de meados do século XX, um processo de internacionalização do capital produtivo, através de grandes investimentos por parte de empresas estadunidenses em países europeus. Entretanto, esclarecem que não se trata de algo novo, pois “Os primeiros investimentos produtivos no exterior remontam aos finais do século XIX [...] Firmas estadunidenses, inglesas e de outros países europeus tinham, antes da Primeira Guerra Mundial, centenas de filiais fora de seus países.”. No entanto, na segunda metade do século XX, a ação de empresas multinacionais e transnacionais intensificou o processo de internacionalização do capital produtivo, alcançando, sobretudo, países subdesenvolvidos. Desta forma,

O avanço da multinacionalização a partir dos anos 1950 deveu-se, sobretudo, à ascensão rápida dos investimentos estadunidenses no exterior. É apenas no final da década de 1960 que se desenha o avanço de empresas europeias e japonesas. Países como Brasil, México e Argentina, entre outros, aproveitaram-se da concorrência oligopólica e do alargamento do contexto das multinacionais estadunidenses e europeias para atrair investimentos em condições vantajosas para seus processos de industrialização tardia. (SPOSITO; SANTOS, 2012, p. 25-26).

Dentre as causas comumente atribuídas para que empresas de países desenvolvidos viessem a se internacionalizar, as principais seriam a crise do sistema fordista, a busca por novos mercados, além da oferta de mão de obra e de matérias-primas, a baixo custo, dentre outros incentivos, nos países periféricos. Conforme os autores (p. 28),

Na segunda metade do século XX, durante os anos 1960 e 1970, devido à crise da superacumulação nos países desenvolvidos – a chamada crise do modelo de desenvolvimento fordista – as empresas direcionaram seus capitais ociosos (capital-dinheiro) aos países periféricos [...] cujos Estados estavam promovendo a industrialização.43

A industrialização em países subdesenvolvidos, a partir de 1950, teria sido alavancada, de um lado, através de investimentos estrangeiros diretos incididos, sobretudo, em economias latino-americanas e asiáticas, e, de outro, pela ação do Estado. Dicken (1988, p. 136), ao

43Dentre as abordagens sobre a internacionalização do capital analisadas por Sposito e Santos (2012), tem-se a de Paloix (1974), o qual se baseia no ciclo de capitais de Marx. Assim, a primeira fase de internacionalização do capital seria a do “capital mercadoria”, vigente até o século XIX. O ciclo do “capital dinheiro” corresponderia ao período do final do século XIX até princípio do XX, “[...] com a exportação de capitais para a periferia, sob a forma, principalmente, de investimentos e de empréstimos financeiros”. A partir dos anos 1950, “[...]a internacionalização prevalecente deixa de ser comercial e passa a ser produtiva [...]”, através da ação das empresas multinacionais. (SPOSITO; SANTOS, 2012, p. 27-28).

abordar a importância da “dimensão política” no desenvolvimento da economia mundial no pós-segunda guerra, afirma que,

Embora as companhias transnacionais tenham se tornado a mais importante força geradora das mudanças globais na atividade industrial, ela não são as únicas envolvidas. Na realidade, as decisões políticas é que teriam formado as principais características da economia pós-guerra, e estabeleceram as suas instituições comerciais e financeiras, o FMI, o Banco Mundial e o GATT44 [...] o crescimento econômico sem precedentes [...] e o redesenhamento do mapa econômico mundial tiveram uma dimensão política muito específica.

A criação de instituições como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial – idealizadas por interesses políticos e econômicos - constituiu a base para que o sistema capitalista pudesse avançar, nos países ocidentais, e, inclusive, em países ainda na condição de subdesenvolvimento. De outro lado, a função assumida pelos governos nacionais, de instaurar políticas voltadas para o desenvolvimento econômico, sobretudo “via industrialização” (particularmente em países do Terceiro Mundo), foi essencial para que o capital financeiro e o produtivo se internacionalizassem.

Neste contexto, a ação dos Estados Nacionais teria sido fundamental no processo de dispersão espacial das multinacionais em países subdesenvolvidos, os quais, ávidos por promover a industrialização, articulam políticas tanto industriais como de criação de infraestruturas necessárias a tal intento.45 Nesses países, denominados de Novos Países Industrializados (New Industrialized Countries), e conhecidos como NICS, as ações governamentais teriam exercido um papel extremamente relevante no processo de industrialização dos mesmos. (DICKEN, 1988, p. 165).

44O FMI e o Banco Mundial foram criados a partir de conferência realizada na cidade de Breton Woods, nos Estados Unidos, em 1944, na qual foi assinado o “Acordo Breton Woods’, com o objetivo de “[...] reconstruir o capitalismo mundial, a partir de um conjunto de regras que regulasse a política econômica internacional”. (BARRETO, 2009, s/p). Na ocasião, surgiu o Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD), só mais tarde intitulado Banco Mundial.Quanto ao GATT (Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio), este foi instituido em 1947, com o objetivo de regular o comércio entre nações do bloco capitalista, sendo, a partir de 1995, sucedido pela Organização Mundial do Comércio (OMC).

45Na América Latina, os princípios estabelecidos pela Comissão Econômica para o Desenvolvimento da América Latina e Caribe (CEPAL) foram fundamentais nas ações estatais, voltadas para promover a industrialização dos diversos países.

Contudo, os esforços em se buscar o desenvolvimento industrial de vários destes países, particularmente os latino-americanos – e, posteriormente, os asiáticos -, já se faziam presentes há décadas, ao adotarem a estratégia de substituição de importações.46

Bresser-Pereira (1977, p. 117) define a referida estratégia como “[...] um modelo de industrialização tardia que caracteriza os países latino-americanos, entre 1930 e 1960, aproximadamente.”.

Dicken (1988, p. 167) elenca as seguintes razões para a adoção deste modelo de industrialização:

- tratavam-se de países cujas indústrias encontravam-se em “estágio embrionário”, sem condições de competir com os produtos importados;

- objetivava-se, portanto, proteger a indústria nacional nascente, bem como desenvolver e diversificar a estrutura industrial dos respectivos países;

- possibilidade de redução da dependência tecnológica e do capital estrangeiro.

A referida estratégia, voltada, a princípio, para a indústria de bens de consumo não durável, acabou aumentando a dependência da importação de bens intermediários e de capital.

Por outro lado, as dificuldades de expansão do mercado consumidor interno, além dos custos com as importações, levaram muitos países, tal como o Brasil, a se voltarem para o mercado externo de produtos industrializados.

Assim sendo, a entrada do capital estrangeiro através de empresas multinacionais ocorre numa fase em que a estratégia de substituição de importações já dava sinais de esgotamento, motivando alguns países a ampliar as exportações de produtos industrializados.

Segundo Dicken (1988, p. 168-169), a adoção, por parte de diversos NICS, da estratégia de “industrialização voltada para exportação” teria sido viabilizada pelo crescimento e liberalização do comércio mundial, pelo avanço nos sistemas de transportes e de comunicações, além da entrada das companhias transnacionais no mercado internacional. Scott (2005, p. 5), alude à referida estratégia como uma “orientação oposta à substituição de importações”, permitindo assim, que alguns países alcançassem a condição de Novos Países Industrializados. Santos (2009, apud SPOSITO; SANTOS, 2012, p. 72) denomina esta nova divisão internacional do trabalho de “divisão internacional do trabalho da multinacionalização”, na qual países subdesenvolvidos industrializados recebem investimentos produtivos, tecnologia e empréstimos financeiros dos países desenvolvidos, e em troca fornecem, matérias-primas,

46Uma outra estratégia seria a de processamento de recursos naturais, porém, segundo o autor (p. 167), mesmo em países como o Brasil, onde “commodities primárias” eram um importante elemento na economia, a industrialização teria seguido uma via diferente.

lucros das multinacionais, produtos industriais, royalties, pagamentos da dívida externa, dentre outros. Todavia, ainda conforme o autor, paralelamente, teria permanecido a “divisão internacional do trabalho clássica”, formada pelos países subdesenvolvidos não industrializados, os quais continuariam como fontes de matérias-primas para os países desenvolvidos, recebendo destes, por sua vez, produtos industrializados, investimentos e empréstimos.

Tal quadro engendra novas configurações socioterritoriais nos países periféricos capitalistas, muitos dos quais passam da condição de uma economia agrário-exportadora para urbano-industrial.

A partir do início dos anos 1990, com o arrefecimento do sistema socialista, configura- se uma nova ordem econômica mundial, na qual o capitalismo se globaliza, intensificando as relações comerciais entre os países. Neste sentido, Scott (2005, p. 237) alude a algumas alianças e blocos econômicos formados no último decênio do século XX, especificamente,

[...] à emergência de alianças econômicas multinacionais como União Europeia, Nafta, Apec, Mercosul, e outros, dentro das quais os países [...] obtêm um melhor acesso a recursos e aos mercados, em troca de sólidas garantias contratuais e institucionais de cooperação.

Por outro lado, com a globalização econômica, os investimentos estrangeiros diretos também acentuaram-se, tanto através da instalação de filiais de multinacionais, como de fusões ou compras de empresas. A origem destes investimentos, entretanto, não estaria somente em países desenvolvidos, mas também naqueles situados na periferia capitalista.

Segundo Sposito e Santos (2012, p. 27), “Paralelamente ao avanço das multinacionais dos países desenvolvidos, algumas empresas dos países periféricos ascenderam à condição de multinacionais com investimentos em países vizinhos [...]”. Conforme os autores (p. 39), nos anos 1960-70 já teria havido um “crescimento e/ou primeira onda” de investimentos externos por parte de multinacionais de origem terceiro mundista, tais como latino-americanas e asiáticas47. Desde então, as multinacionais oriundas de países periféricos têm avançado, tanto

em direção a países desenvolvidos, como subdesenvolvidos (industrializados e não industrializado), fato que se acentua com a globalização da economia, modificando, pois, a

47Conforme Kosacoff (1999, apud SPOSITO E SANTOS, 2012, p. 37), em fins do século XIX já havia empresas de países periféricos que realizavam investimentos fora de seu país de origem, caso por exemplo, de firmas situadas na Argentina.

divisão internacional do trabalho48. Embora os países ricos também continuem a investir nos

países periféricos, constata-se que, atualmente, os lucros das multinacionais são remetidos tanto a países desenvolvidos como subdesenvolvidos, já que estes também possuem empresas atuando em escala mundial.49

Assim, com base em Santos (2009, apud SPOSITO; SANTOS, 2012 p. 77), na figura 1 observa-se quatro diferentes situações na atual “divisão internacional do trabalho mundializada”: países subdesenvolvidos industrializados com investimentos diretos em países desenvolvidos, em países de igual nível de desenvolvimento, assim como em países não industrializados. Além disso, verifica-se que os países subdesenvolvidos não industrializados permanecem, unicamente, como fornecedores de matérias-primas aos países desenvolvidos.

Por outro lado, os países subdesenvolvidos industrializados - apesar dos investimentos diretos que vêm realizando, e das exportações de produtos industriais-, permanecem na condição de exportadores de matérias-primas, tanto para países centrais como para aqueles também subdesenvolvidos. Neste sentido, as exportações de commodities agrícolas, realizadas pelo Brasil – questão que consiste num dos principais focos analíticos deste trabalho -, exemplificam bem tal situação.

Portanto, é, sobretudo, a esta forma da participação brasileira na divisão internacional do trabalho - como exportadora de produtos primários, e também de semimanufaturados – que nos reportamos na análise ora em curso. Para tanto, há que se compreender o cenário de globalização econômica em que tal evento se processa, o qual será caracterizado a seguir.

48 Neste contexto, a relação de dependência centro-periferia precisa ser relativizada, já que os investimentos partem, muitas vezes, de empresas situadas em países subdesenvolvidos.

49Como exemplo, pode-se citar a Brasilfooods e o grupo JBS, ambos de origem brasileira, os quais possuem unidades em outros países, podendo,pois, ser consideradas empresas multinacionais, as quais serão abordadas neste trabalho.

Figura 1 Divisão internacional do trabalho da mundialização

Fonte: SPOSITO; SANTOS (2012, p. 77).