• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 2 – Organizações não Governamentais

2.3 A Infância e a Adolescência no Brasil, e as ONGs

A discussão acerca da infância e da adolescência pobre no Brasil atravessa séculos, mas de acordo com Vivarta (2003) a primeira lei de proteção à infância contra o trabalho infantil é de 1981. Apesar disso, até meados de 1980 o trabalho infantil foi tolerado pelo governo e pela sociedade. Foi a partir da Constituição de 1988 que as políticas públicas passaram a ser dirigidas a todas as crianças brasileiras, isto em observância com o princípio da prioridade absoluta, estabelecido no artigo 227 da Constituição.

Segundo alguns pesquisadores da questão que envolve a infância e a Adolescência, como Mager (2004), Silvestre (2004), e Menezes (2004) a década de 1990 foi marcada por inegáveis avanços para a infância e a adolescência brasileira. Por exemplo, a criação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e de instâncias por ele defendidas, como os Conselhos Tutelares, responsáveis por zelar pelo cumprimento dos direitos do público infanto-juvenil.

Apesar desses avanços, ainda são várias as questões que envolvem de forma sistemática a infância e a juventude brasileira que precisam ser encaradas com seriedade e com medidas efetivas e urgentes como: o trabalho infantil, violência, droga, sexualidade, entre outros.

O trabalho infantil é um fenômeno de implicação socioeconômica no Brasil, cuja dimensão é bastante preocupante, vem chamando a atenção da sociedade civil, do governo e de várias instituições privadas. A pesar de todo o Aparato Legal (Constituição de 1988; o ECA, 1990; os Conselhos de Direito e Tutelares, do Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil), 5,482 milhões de crianças e adolescentes entre 5 e 17 anos trabalham no Brasil. Desses, 296 mil têm entre 5 e 9 anos; 1,9 milhão, entre 10 e 14 anos; 862 mil, 15 anos; 2,3 milhões estão na faixa etária de 16 e 17 anos, segundo

os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) publicada em abril de 2003. De acordo com a pesquisa um milhão não estuda e 4,4 milhões cumprem jornada dupla: trabalho e escola. Praticamente a metade deles (48,6%) não é remunerada e 10% não vão a escola por motivos relacionados ao trabalho.

De acordo com Silva (2003) das regiões brasileiras, o nordeste é a área que tem o maior contingente de trabalhadores mirins. Esse fato, segundo a autora pode ser explicado pela desigualdade econômica, pelo desemprego dos adultos, enfim pela miséria que assola a região.

Tendo por base o estudo “Trabalho Infantil: Examinando o Problema, Avaliando Estratégias de Erradicação”, publicado em novembro de 2000 pelo Napp e Unicef, o trabalho infantil no Brasil deve ser analisado por meio de duas perspectivas complementares: Uma no que diz respeito `a oferta da mão de obra infantil, ou seja, por quais motivos as crianças começam a trabalhar desde cedo, os pesquisadores destacam quatro fatores que levam as crianças ao trabalho:

● A pobreza – existe um consenso a respeito do papel preponderante desse aspecto como determinante do trabalho infantil. O baixo nível de renda dos adultos é muitas vezes insuficiente para assegurar a sobrevivência da família, levando crianças e adolescentes a ingressar precocemente no mercado de trabalho, sobretudo em empregos não formais, com atividades pouco qualificadas e sem perspectivas profissionais;

● A ineficiência do sistema educacional brasileiro – Ainda que o exercício do trabalho prejudique a freqüência escolar, uma outra relação, em sentido contrário, também deve ser conhecida – os sistemas internos, ou seja, as políticas internas para manter as crianças e adolescentes nas escolas não são eficazes com relação a realidade de seu público atingido, isso contribui significadamente na repetência e evasão entre as crianças e adolescentes das classes populares, expulsando-as do mundo escolar e promovendo a sua inserção prematura no mercado de trabalho;

● O sistema de valores e tradições da nossa sociedade – Os padrões culturais e comportamentais estabelecidos nas classes populares levam á construção de uma visão positiva em relação ao trabalho de crianças e adolescentes. O trabalho precoce é valorizado como um espaço de socialização, onde as crianças estariam protegidas do ócio, da permanência nas ruas e da marginalidade;

● O desejo de muitas crianças de trabalhar desde cedo – Do ponto de vista da criança e do adolescente, especialmente nos meios urbanos, a vontade de ganhar o próprio dinheiro é mais um motivo para ingressar no mercado de trabalho precocemente. Para eles, significa a independência em relação à família e a possibilidade sedutora de ter acesso a determinados bens de consumo.

A outra perspectiva consiste na demanda, isto é, por que o mercado procura e absorve as crianças como força de trabalho? Segundo a pesquisa dois elementos devem ser levados em conta:

● A estrutura e a dinâmica do mercado de trabalho – o mercado possui espaços apropriados para a inserção desse tipo de mão-de-obra, como por exemplo, o agrícola que contrata a família, não o trabalhador individual, nesse modelo a remuneração depende do volume de produção, assim o trabalho da criança compõe a força de trabalho familiar.

● O aparato jurídico-institucional encarregado de estabelecer e fazer cumprir as normas legais referentes ao trabalho infantil – A legislação é avançada, mas o país não dispõe de um sistema de fiscalização suficiente para assegurar o seu cumprimento.

Consequentemente retira-se das crianças o direito de estudar, de descansar, de lazer, saúde, enfim da qualidade de vida. Comprometendo e prejudicando o futuro dos trabalhadores adultos de amanhã, que chegarão desqualificados no mercado de trabalho. Com isso há uma perpetuação no

ciclo vicioso da pobreza e do emprego de mão-de-obra infantil nas atividades laborais.

O trabalho árduo e precoce não qualifica ninguém, pelo contrario quando a criança, ou adolescente substitui a educação pelo trabalho, necessariamente ela vai deixar de desenvolver habilidades e conhecimentos necessários para se tornar um cidadão. De acordo com Mager e Silvestre (2004) o trabalho precoce limita o acesso da população infanto-juvenil ao exercício pleno dos seus direitos de ser criança e estudar, de se encaminhar na vida de forma digna. Mais que isso, impede, como conseqüência política da falta de investimento nos jovens, que o país se desenvolva e que crie condições necessárias para integrar essa população ao mercado.

Outro problema grave no nosso país é a questão do abuso sexual praticado contra as crianças e adolescentes. Para Ferguson apud Lira (2004) o abuso sexual tem sido uma tendência geral das civilizações modernas, fazendo com que nas últimas três décadas tenham sido incrementadas as pesquisas sobre a prevalência, correlação e conseqüência deste tipo de abuso na infância.

Essas práticas geralmente são impostas às crianças e adolescentes, através de violência física e ameaças, ou em alguns casos induzindo-as e convencendo-as. Para muitos especialistas o abuso sexual desperta de maneira precoce e deturpada o desejo pelo sexo nas crianças e adolescentes deixando marcas para o resto da vida. Estas podem desenvolver comportamentos patológicos com aversão a parceiros do mesmo sexo do abusado e uma sexualidade descontrolada, entre outros.

Para Passeti (1995) o abuso sexual compreende uma série de situações como o voyeurismo, a manipulação da genitália, a pornografia, o exibicionismo, o assédio sexual, o estupro, o incesto e a prostituição infantil, dividindo-se em dois tipos básicos: abuso sexual com e sem contato físico.

Tendo por base o raciocínio de Niskier (2003) o abuso sexual traz à tona não apenas uma questão médica, mas também os múltiplos aspectos sociais, econômicos, conjunturais, culturais e históricos que envolvem essa problemática. O autor relata ainda que a questão do abuso sexual é muito complexa e requer um certo cuidado, isso porque 80% dos casos acontecem na própria residência das crianças ou adolescentes, sendo o abusador um dos pais ou pessoa de convivência próxima da vítima. E por ocorrer no ambiente familiar geralmente há um pacto de silêncio, com isso não é possível ter acesso aos números reais dos casos.

Lira (2004) destaca que é possível perceber quando uma criança ou adolescente é violentada sexualmente. Segundo a autora quando os mesmos vêm apresentando os seguintes transtornos: conduta agressiva, comportamento de irritabilidade, choro fácil sem motivo, comportamento regressivo, comportamento auto-destrutivo, desenho ou brincadeiras que sugerem violência, baixo nível de desempenho escolar, tentativa de suicídio, baixa auto estima entre outros.

A concentração e centralização do capital geram desigualdades sociais, aumenta a miséria e potencializa a violência, em todas as suas modalidades. Entretanto, é pelo fato de termos uma das maiores concentrações de rendas do mundo e, muitas crianças e jovens miseráveis, é que o Estado e a Sociedade Civil devem se articular de forma efetiva para trazer à tona avanços nas democracias política, social e econômica afim de mudar a qualidade de vida de milhões de miseráveis.

Não poderíamos deixar de mencionar as drogas que têm sido amplamente discutidas na atualidade, não apenas por causa da onda de criminalidade promovida pelo tráfico em muitos lugares do mundo, mas pelo efeito mais devastador dela: a interferência na vida de famílias inteiras, que se vêem, de repente, envolvidas com a questão da dependência química.

Para Buarque (2004) as crianças e adolescentes de rua estão mais vulneráveis ao uso de drogas, quando perdem o vínculo com a família e a

escola. Além disso, a maioria tem consciência dos danos causados pelas drogas. E, entre os que fazem uso, a metade já tentou parar de usar drogas. De acordo com o Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (CEBRID) as crianças e adolescentes costumam utilizar tabaco ou álcool antes de viver na rua. Quando saem de casa é mais frequentemente o consumo de maconha, cocaína, crack, merla, esmaltes, cola tiner e outros solventes.

Noto (2004) relata que nas últimas décadas inúmeros levantamentos sobre drogas com jovens foram realizados por diferentes instituições, isto tem contribuído significamente para a avaliação de realidades específicas e regionalizadas. A autora destaca que entre crianças e adolescentes em situação de rua, os estudos denunciam uma realidade diferenciada, na qual são observados índices muito elevados de consumo. Ainda de acordo com a autora vários são os motivos desses elevados índices, mas os principais são: a fragilidade dos vínculos familiares, a disponibilidade de drogas nas ruas, a cultura do grupo, bem como uma série de outros fatores psicossociais parecem favorecer o consumo de drogas entre os jovens.

O problema das drogas é uma questão social e, de fato atinge uma grande parcela de jovens. As drogas potencializam a violência, nas ruas nas escolas, e em casa. Portanto, essa situação só pode ser alterada com políticas sociais efetivas, capazes de evitar que as crianças e adolescentes entrem em contado com substâncias que coloquem em risco sua integridade física, mental e moral. Enfim, se as crianças e adolescentes de hoje tivessem acesso aos serviços e bens sociais garantido pela Constituição e materializado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), logicamente que as crianças não estariam sujeitos a essas situações.

As ONGs atualmente assumem o papel de parceiras do Estado nas políticas públicas de enfrentamento dos problemas mencionados acima. A maioria delas desenvolve trabalhos significativos para a sociedade, no entanto consideramos que o foco principal dessas organizações deveria estar voltado, também para pressionar os governos a assumirem as políticas sociais. Não podemos deixar que estas organizações tenham a missão de cuidar dos

pobres e o governo fique com a tarefa de dar respaldo aos bancos, aos lucros das multinacionais e pagamento de mensalões. Portanto, as ONGs devem buscar independência financeira, ter posicionamento firme frente ao Estado quando esse for omisso. Somente o Estado possui mecanismos fortes e estruturados para coordenar ações capazes de catalisar atores em torno de propostas reais e abrangentes, que não percam de vista a universalização das políticas, tendo como base a garantia de igualdade.