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A influência do Banco Mundial na execução de políticas públicas brasileiras

2. CICLO DA POLÍTICA CONTEXTO DA INFLUÊNCIA: Privatização da educação

2.2 A influência do Banco Mundial na execução de políticas públicas brasileiras

O Banco Mundial (BIRD) tem atuado de maneira sistêmica e abrangente na educação brasileira. O início de sua atuação situa-se nos anos de 1970 (FONSECA, 2001; KRUPPA, 2001a). Desde então, vem exercendo influência na definição de concepções e formas de atendimento de todos os níveis educacionais. A ênfase do BIRD para os governos é a atuação prioritária nos anos iniciais da educação básica.

A preferência pelo ensino primário vem ainda reforçada no documento político do Banco, de 1995, onde se percebe uma outra evidência empírica: estudos do tipo custo-benefício atribuem ao nível primário maior taxa de retorno econômico, tendo como referência a renda dos indivíduos.10 Ainda na ótica do Banco, o retorno econômico constitui o principal indicador da qualidade da educação. (FONSECA, 2008, p. 59)

Para os demais níveis e modalidades o banco recomenda estratégias que desresponsabilizam o Estado pela oferta da educação. Para a educação infantil propõe parcerias com ONGs; já em relação aos níveis subsequentes, recomenda a seletividade de acesso e a transferência gradativa dos serviços ao setor privado (KRUPPA, 2001b).

A partir dos anos 1970, o BIRD obtém significativa importância no âmbito da formulação das políticas públicas brasileiras. Nesse período, o Banco produziu documentos que explicitaram princípios, diretrizes e prioridades para a concessão de créditos aos países pobres e em desenvolvimento, tendo como estratégia o modelo neoliberal de desenvolvimento. Nessa perspectiva, a pesquisadora Marília Fonseca (2008) apresenta duas estratégias recomendadas pelo BIRD para a realização de reformas educacionais nos diferentes níveis de ensino:

A primeira, que o Banco denomina cost recovery (recuperação de custos), implica diminuir os encargos financeiros do Estado na área da educação, em consonância com as políticas de ajuste. Para tanto, recomendam-se medidas voltadas para a privatização dos níveis mais elevados de ensino, especialmente o superior. A prioridade dos recursos públicos deverá voltar-se para o ensino primário, garantindo-se, dentro deste limite inicial a universalização do acesso à educação. A segunda estratégia direciona a prioridade dos empréstimos para uma cesta de insumos educacionais que se mostraram determinantes para o desempenho escolar dos alunos em países de baixa e média renda, segundo estudos internos do Banco. Assim, bibliotecas, material instrucional e livros- texto são privilegiados em detrimento de fatores humanos, como formação, experiência e salário do professor. No âmbito docente, o que ainda conta é um certo nível de conhecimento, entendido como capacidade verbal e escrita dos

10 Essa taxa seria inversamente proporcional ao nível de desenvolvimento dos países: assim, o retorno individual

da educação primária seria maior nos países de renda baixa e média, do que em níveis educacionais subsequentes. Esta interpretação fundamenta-se em estudos realizados por teóricos do Capital Humano, referidos pelo Banco desde os anos 1960.

mestres. Por esta razão, os projetos do Banco deverão privilegiar a distribuição de livros e de outros pacotes instrucionais, assim como o treinamento dos professores para sua adequada utilização. (Ibid., p. 56)

Nessa perspectiva, a aquisição de insumos educacionais tornou-se prioridade para a oferta de educação básica em detrimento da formação inicial e continuada dos professores. As propostas baseiam-se, ainda, na padronização dos currículos e na organização de um potente sistema de avaliação (KRUPPA, 2001b). A padronização dos currículos tem conduzido a um estreitamento curricular com vistas ao treinamento para a realização das avaliações externas. Por sua vez, as avaliações indicam, necessariamente, que a escola vai mal e aponta os culpados: gestão da escola e professores. Estes precisam ser responsabilizados e a escola, consequentemente, reformada. Constitui-se, assim, o cenário ideal para a proposição e implantação de reformas educacionais, baseadas na lógica do mercado, por meio da inculcação da ideia de que o privado é melhor que o público.

Outro aspecto importante nas orientações do BIRD situa-se em torno do processo de descentralização. A política de descentralização tem promovido a reorganização da administração pública com relação aos serviços tradicionalmente mantidos sob o controle central do aparelho estatal, redistribuindo funções para diferentes esferas do poder, valorizando as instâncias regionais e locais.

As considerações de Romualdo Portela de Oliveira (2008) remetem-nos ao engodo referente à relação existente entre descentralização, municipalização e democratização:

O argumento da descentralização baseia-se em uma ambiguidade. Pode-se ter um processo de municipalização em que o poder não seja descentralizado, mudando-se apenas a esfera administrativa responsável pela gestão do ensino. A julgar pela prática política vigente na maioria das administrações municipais no Brasil, esta deve ser a tendência predominante.

Teoricamente, este raciocínio provém de uma confusão bastante comum, que consiste na sinonimização de “descentralização” com “municipalização” (cf. Bordignon, 1993). Pode-se ter uma sem a outra e vice-versa. Por exemplo, mantida a responsabilidade estadual por um dado sistema de ensino, pode-se implementar um amplo processo de descentralização na tomada de decisões e, inversamente, ter-se um processo de municipalização sem qualquer característica descentralizadora, pelo menos para a base do sistema, se a gestão municipal for centralizadora e autoritária. “Descentralização” pode ser entendida tanto como o processo de transferência de encargos quanto de poder. Dessa forma, a municipalização é, certamente, a transferência de encargos de uma esfera à outra, mas isso não significa, necessariamente, um processo de “democratização”, sentido com o qual é positivamente percebido pelo senso comum. (OLIVEIRA, 2008, p. 177)

que assistimos hoje, na educação de boa parte dos municípios, principalmente os que se encontram localizados no interior, são sistemas educacionais frágeis, à mercê do grupo político vigente, inclinando-se ao mercado para oferecer os serviços educacionais, cuja responsabilidade é do Estado.