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3. CICLO DE POLÍTICA CONTEXTO DA PRODUÇÃO DE TEXTO: Discursos

3.3 Entrega simbólica dos materiais para as famílias

No início do ano de 2013, houve uma entrega simbólica do material apostilado às famílias, com discurso do Prefeito valorizando a aquisição, afirmando que todas as famílias do município teriam acesso a um material didático de excelente qualidade, da mesma forma que as escolas particulares ofereciam e que se sentia orgulhoso em propiciar àquelas famílias uma educação de qualidade para todos.

A diretora Dalia lembra de como ocorreu o evento e de que o material foi entregue pelas mãos do prefeito e da secretária de educação:

Foi em um espaço, o salão da Unimed, me lembro disso, e os pais foram lá com as crianças. Foi uma pompa mesmo. Uma cerimônia para entrega simbólica do material que as crianças estariam tendo um ganho, um marco a partir daquele momento, um investimento na educação das crianças do município, etc e tal. (Dalia, em entrevista à pesquisadora, 29 jan. 2018) Esse discurso remete-nos à prática de persuasão percebida no funcionamento da superestrutura ideológica da sociedade. “[...] A ação persuasiva é de fundamental importância na obtenção do apoio dos grupos sociais subalternos aos rumos traçados pela classe dirigente” (PARO, 2012a, p. 109).

Além disso, o discurso da qualidade por meio da utilização do SPE carrega “um argumento central e oportunista dos defensores desta estratégia que desresponsabiliza o Estado pela educação pública. Ele diz que assim como os ricos podem escolher as escolas nas quais querem matricular seus filhos, também os pobres devem poder fazê-lo” (FREITAS, 2012, p. 386).

19 Herbert Marcuse (1898-1979), filósofo e sociólogo alemão. Seu pensamento constitui em crítica à sociedade

industrial, fundado em elementos do marxismo e freudismo. Argumentava que a sociedade industrial avançada criava necessidades falsas para integrar o indivíduo ao sistema de produção e consumo. Para ele, comunicação de massas, modos de pensamento contemporâneo e publicidade reproduziriam o sistema existente e serviriam para eliminar críticas e oposição. O resultado seria um universo unidimensional de ideias e comportamento.

No caso estudado, inculca-se a ideia de que os materiais e serviços que serão utilizados na escola pública equiparam-se aos utilizados na escola particular.

Mas, como é obvio, é a escola pública aberta a todos que tem que ter qualidade e, portanto, é nela que devem ser feitos investimentos para sua melhoria. Transferir recursos para a iniciativa privada só piora as escolas públicas. Diga- se, de passagem, que muitas escolas privadas aparecem melhor nas estatísticas porque elas já recebem alunos mais qualificados no ponto de partida. (Ibid., p. 386)

A fala do Prefeito ilustra a explicação de Vitor Paro sobre a adoção de mecanismos persuasivos para que uma classe, pela mediação do Estado, detenha a supremacia na sociedade.

[...] diante da complexidade da sociedade capitalista moderna, a classe no poder precisa lançar mão também dos mecanismos persuasivos inerentes à sociedade civil. Somente assim ela pode conseguir um consentimento duradouro, advindo do consenso “espontâneo” e da “direção intelectual e moral” (GRAMSCI, 1981, p. 197-198) que ela imprime às grandes parcelas da população. Em outras palavras, somente por meio dos organismos da sociedade civil e de seus mecanismos persuasivos, uma classe deixa de ser meramente dominante e passa a exercer também a hegemonia na sociedade. Hegemonia que decorre precisamente do sistema de alianças que a classe dirigente consegue estabelecer em torno de seus propósitos de classe e da adesão a esses propósitos por parte da população em geral, que os toma como se fossem ao encontro de seus interesses coletivos e não dos interesses particulares da classe no poder.

Na realidade prática, a concretização da hegemonia de uma classe social deve incluir necessariamente a difusão da ideologia dessa classe determinada. (PARO, 2012a, p. 112)

Assim, “o que acontece é que cada ordem social cria nas massas que a compõem as estruturas de que ela necessita para atingir seus objetivos fundamentais”20 (REICH 1988, p. 40)21.

Ao anunciar que os materiais didáticos utilizados propiciarão a mesma qualidade de educação das escolas, a cuja classe dominante tem acesso, leva a uma identificação da classe

20 “As ideias da classe dominante são, em todas as épocas, as ideias dominantes, isto é, a classe que constitui a

força material dominante da sociedade constitui também a sua força ideológica dominante. A classe que detém os meios de produção material detém também, automaticamente, os meios de 'produção' ideológica, de modo que domina, de maneira geral, os pensamentos daqueles a quem faltam os meios de produção ideológica. As ideias dominantes não são mais do que a expressão idealista das condições materiais dominantes, isto é, as condições materiais dominantes convertidas em ideias; são, portanto, as condições que tornam dominante uma determinada classe e, portanto, as ideias da sua dominação" (MARX, [s.d.] apud REICH, 1998, p. 71).

21 Wilhelm Reich (1897-1957) foi médico psiquiatra e inicialmente psicanalista. Discípulo de Freud, mas devido

ao seu envolvimento político, com influência do marxismo, acabou sendo expulso da sociedade psicanalítica. Um de seus conceitos importantes é a clivagem da situação econômica com a situação ideológica do trabalhador, que teria origem na estrutura de caráter do homem médio, associada à sua sexualidade reprimida e fruto da sociedade patriarcal. Em seu livro “Psicologia de Massas do Fascismo” realiza uma genial síntese entre Marx e Freud, entre o marxismo e freudismo.

trabalhadora “com a burguesia, que tem uma posição superior na escala social [...] significa invejar o reacionário, imitá-lo e, quando chegar a ocasião, adotar seus hábitos de vida” (REICH, 1988, p. 71).

Nas entrevistas realizadas, todos os profissionais relataram que, de início, as famílias gostaram muito. A diretora Dalia disse que as mães falavam “nossa, meu filho vai ter a mesma educação que uma escola particular”. A supervisora Débora lembrou que os pais achavam que era chique, que era bacana, que era uma ascensão dentro da escola ter apostila. Na creche, a professora Mariana disse que os pais adoraram por ser um material bonito e parecido com o de escolas particulares.