• Nenhum resultado encontrado

3. CICLO DE POLÍTICA CONTEXTO DA PRODUÇÃO DE TEXTO: Discursos

3.4 Imagem da capa e quarta-capa do material didático

O primeiro contato dos pais com o material apostilado aconteceu na entrega simbólica às famílias realizada pela Secretaria Municipal de Educação e o prefeito. Ao relacionar a análise de dados das entrevistas e a interpretação da capa da apostila, recorremos ao texto do professor José Luiz Fiorin (2007,p. 14), “Semiótica e Retórica”, em que afirma que “hoje é preciso voltar à retórica e incorporá-la à semiótica”. O autor considera que o objetivo da retórica é estudar os procedimentos discursivos que propiciam ao enunciador produzir efeitos de sentido que motivam ao enunciatário acreditar naquilo que foi dito (FIORIN, 2007).

Ainda nessa perspectiva, Maria de Lourdes Ortiz Gandin Baldan, ao analisar a veridicção como um problema de verdade, a partir do referencial da teoria semiótica greimasiana, propõe que

O procedimento interpretativo implica, contudo, a apreensão dos sentidos não- verbais da significação, isto é, a compreensão das diferentes utilizações que as pessoas dão para o saber, extraído ou derivado dos discursos que elas manipulam de infinitas maneiras, convertendo-os em instrumentos úteis para os seus propósitos. É, aliás, em função dos propósitos que pretendem realizar em cada ato de fala, no interior da complexa rede de manobras manipulatórias, que os enunciados são programados pelo enunciador como significante de um saber ao modo do ser/não-ser ou ao modo do parecer/não-parecer.

Para que os usuários do discurso se compreendam em torno dos mesmos "efeitos de verdade", é preciso que se firme um prévio entendimento, implícito ou explícito, entre os dois polos da comunicação: o do enunciador e do enunciatário. Tal entendimento se constitui, na realidade, de autêntico "contrato veridictório", pressuposto epistêmico básico de todo e qualquer ato enunciativo.

A não ser que receba expressa indicação em contrário, a interpretação que o enunciatário dá ao discurso-enunciado se fundamenta na crença de que o enunciador lhe transmite um saber e que este saber é da ordem do ser, ou seja, é "verdadeiro". (BALDAN, 1988, p. 49)

Assim, a interpretação semiótica da capa da apostila realiza-se na perspectiva do “parecer do sentido” relacionando-a ao seu conteúdo. Para tanto, utilizamos o quadrado semiótico, a fim de relacionar os dois textos: capa e conteúdo, pois é entre eles que iremos situar a veridicção, a partir

da sua articulação fundamenta-se o ser do saber, a significação constituída pelo texto e que se deixa apreender sobremodalizada pela veridicção, projetada no quadrado semiótico para produzir diferentes modalidades veridictórias de textos (que dizem a verdade, a falsidade, a mentira, o segredo...) (Ibid., p. 51)

Figura 3 - Articulações Veridictórias sobre o quadrado semiótico

Fonte: Baldan (1988, p. 51)

A relação estabelecida entre dois pontos distintos da figura permite indicar as seguintes definições:

a) verdade - "aquilo que é e que parece ser isso que é" (produção do saber autêntico).

b) falsidade - "aquilo que nem é (o que é) nem parecer ser (isso que é)" (produção do não-saber).

c) mentira - "aquilo que parece ser (o que é) mas não é" (produção de simulação do saber - parecer saber).

d) segredo - "aquilo que é (o que é) mas não parece ser" (produção de dissimulação do saber - parecer não-saber). (BALDAN, 1988, p. 51)

Figura 4 - Capa da apostila do Sistema de Ensino Aprende Brasil no Município de São Lourenço

Fonte: Editora Positivo (2015).

A interpretação da imagem nos remete ao espaço de vivência, às memórias das pessoas da comunidade, ao patrimônio histórico e cultural do município. Qual associação pode ser feita entre a capa da apostila, a proposta de trabalho e o conteúdo abordado na apostila? Qual a intenção de se fazer uma capa personalizada que remete à identidade do município? Qual a sensação causada nos alunos, professores, famílias e gestão?

A empresa apresenta uma “customização” do material para adaptá-lo a alguns valores locais, atitude em que transparece a intenção de dotar o material de uma identidade própria, como destaca a professora Márcia,

A apostila com a capa da cidade, eu achei que os conteúdos fossem ser de acordo com a cidade, com a realidade dos alunos. Mas vieram atividades que tinha que mexer muito com o computador. E a escola não tinha como a criança mexer com o computador, pois não tinha a quantidade certa de computadores para os alunos, tem criança que não tem computador em casa, não tem internet, então ficou muito fora da realidade das crianças. E falou muito de pessoas do

Sul [região do Brasil], só falava de pessoas do Sul e as crianças ficaram muito perdidas. (Márcia, em entrevista à pesquisadora, 30 jun. 2018)

A decepção no relato da professora Márcia vai ao encontro de uma interpretação veridictória, por meio do quadrado semiótico, que apresenta na relação entre capa e conteúdo uma mentira. Podemos chegar a essa definição porque aquilo parece ser e está apresentado na capa por meio da apresentação da realidade local é negado no conteúdo que se distancia da realidade apresentada. Apesar de totalmente padronizado e produzido para ser utilizado em qualquer escola pública do país, que adquira os serviços do Sistema Aprende Brasil do Grupo Positivo, apresenta-se como um material que retrata a realidade local com os pontos turísticos do município de São Lourenço, bem como o da primeira escola do município que tem o prédio tombado como patrimônio histórico.

Outra definição veridictória que podemos observar é o segredo: “aquilo que é (o que é) mas não parece ser”, por meio da produção de dissimulação do saber. A apostila traz um conteúdo que é padronizado pelo Sistema de Ensino Aprende Brasil, mas não parece ser, ao apresentar na capa o brasão do município com o nome Prefeitura Municipal de São Lourenço – MG, no canto esquerdo superior, remetendo à produção de um material identitário do município. Evidencia-se, ainda, outro segredo relacionado à autoria, que não aparece o nome do autor na capa dos livros. Somente na apresentação da ficha catalográfica é que é apresentado o nome do único autor que produziu o material para o Sistema de Ensino.

Além da capa não apresentar algo referente ao conteúdo trabalhado, o próprio conteúdo apresentado, como relatou a professora, distanciava-se da realidade dos alunos, pois não atendia ao contexto e às condições objetivas da vida deles e da própria escola, que, como relatou a professora, não dispunha de computadores em quantidade adequada para que fossem realizadas várias atividades propostas na apostila.

Os textos da capa trazem a marca do sistema, a identificação do município e o nome do site, Aprende São Lourenço (www.aprendesaolourenco.com.br), que é uma extensão do nome do site do sistema de ensino Aprende Brasil (www.sistemaaprendebrasil.com.br), invocando para uma relação simbiótica entre o público e o privado. Atende, ainda, aos objetivos de propaganda tanto da empresa quanto do governo municipal.

A quarta capa da apostila apresenta a letra do Hino Nacional Brasileiro, do Hino a São Lourenço, a marca da Editora Positivo e do Sistema Aprende Brasil. As letras dos hinos estão sobrepostas a uma foto em marca d´água do município e suas montanhas ao fundo.

Figura 5 - Quarta capa da apostila do Sistema de Ensino Aprende Brasil no Município de São Lourenço

Fonte: Editora Positivo (2015)

Observa-se um aspecto tradicional e conservador na utilização do hino nacional na quarta-capa de cadernos e livros, formato em que eram e fornecidos livros didáticos e cadernos brochura no período do regime militar nas escolas públicas. Há também a foto ao fundo e o hino da cidade, o que nos remete à sensação de que este é um material de valor do “meu município”, com o reforço das marcas, pois tanto na capa como na quarta capa reforçam as cores verde e tons de azul, utilizadas na logomarca do Sistema de Ensino Aprende Brasil, destinado às escolas públicas.