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A INFLUÊNCIA DA MORADIA ESTUDANTIL NA FORMAÇÃO

3. ESTUDOS SOBRE A INFLUÊNCIA DA MORADIA ESTUDANTIL

3.3. A INFLUÊNCIA DA MORADIA ESTUDANTIL NA FORMAÇÃO

Viver em uma moradia estudantil é uma experiência que tem implicações na formação do estudante, segundo revelam diversos estudos, especialmente aqueles produzidos nos Estados Unidos. Ganhos significativos para os estudantes moradores ocorrem nas dimensões pessoal, acadêmica e social. Nota-se que os resultados são mais expressivos nos espaços propositadamente organizados para enriquecer a vivência acadêmica, a exemplo da implantação de programas específicos com vistas a contribuir com sua transição acadêmica e social, na continuidade dos estudos e na conclusão de curso, no envolvimento em atividades extracurriculares, ou, ainda, no aumento da interação entre os estudantes. Também se observa que determinadas características presentes nas moradias estudantis norte-americanas influenciam diferentemente os estudantes. Foi visto que, nos espaços cujas características arquitetônicas facilitam a interação entre os pares, cujo corpo docente e outros profissionais cuidam dos aspectos estudantis, os resultados são positivos à integração acadêmica, à abertura para a diversidade e ao aumento na aquisição de diversas habilidades. Além do mais, ambientes cuidadosamente estruturados são avaliados pelos

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estudantes como propiciadores de maior conforto, garantindo níveis elevados de satisfação para eles.

Entre alguns estudos trazidos nesta revisão, que ilustram as mudanças ocorridas nos estudantes, em função da experiência de viver em um ambiente residencial dentro do

campus, é possível citar: aumento do rendimento médio do estudante (YEUNG, 2009);

crescimento cognitivo geral (PASCARELLA; TERENZINI, 2005), sucesso acadêmico (WARE; MILLER, 1997); aumento na persistência (JACOBS; ARCHIE, 2008; PASCARELLA; TERENZINI, BLIMLING, 1994; YEUNG, 2009); adaptação geral e social no primeiro ano de college (INKELAS et al 2007; ENOCHS; ROLAND, 2006); aumento no senso de comunidade (JACOBS; ARCHIE, 2008; DEVLIN et al., 2008); abertura para a diversidade (PIKE, 2002); maior interação com os pares (LEVINE, 1994; PASCARELLA; TERENZINI; BLIMLING, 1994).

Já os estudos nacionais sobre moradias, ainda que não tratem designadamente do impacto da moradia estudantil sobre os estudantes moradores, revelam que essa experiência exerce influência sobre essa população de várias formas. Numa tentativa de resumir o material apresentado até então, é possível organizar essa produção de modo a evidenciar a relação entre a vivência na moradia estudantil e alterações na dimensão pessoal, acadêmica e social dos estudantes. Também é possível identificar a associação entre tal experiência e aspectos da saúde e do bem-estar dos estudantes.

A influência da moradia estudantil sobre a formação pessoal dos estudantes aparece da seguinte forma: construção da identidade (BERLATTO; SALLAS, 2008); convivência com a diversidade (LARANJO, 2003; LARANJO; SOARES, 2006); enfrentamento do preconceito e do estigma de ser morador (LARANJO, 2003; ROCHA, 2000; SOUSA, 2005; BERLATTO; SALLAS, 2008; LIMA, 2002).

A relação entre moradia estudantil e vida acadêmica dos estudantes se faz presente nos estudos que mostram a importância da moradia estudantil, em conjunto com outras ações de assistência, como garantia para a continuidade dos estudos e para a conclusão do curso (ROSA, 2008; ARAÚJO; MORGADO, 2007), sendo que estes dois últimos trazem também o envolvimento e a participação dos estudantes em atividades acadêmicas e crescimento profissional, respectivamente. O aumento da participação dos estudantes residentes em atividades acadêmicas está presente em Laranjo (2003) e Antunes, Tomazini

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e Sá (2001). Já a relação entre viver na moradia estudantil e desempenho acadêmico é notada no estudo de Araújo (2003). A atuação política dos estudantes aparece em Araújo e Morgado (2007), Sousa (2005), Martins (2002) e Souza (2009; 2006).

No que diz respeito à influência da moradia estudantil na vida social do morador, os estudos de Laranjo e Soares (2006) e Laranjo (2003) discutem os processos de socialização no espaço da moradia estudantil. A questão da privacidade é tratada por Mendes e Carvalho (2007) e Paiva e Mendes (2002), enfatizando-se, nesses dois trabalhos, as características arquitetônicas dos ambientes das moradias estudantis. Vilela Jr. (2003) faz uma aproximação entre características arquitetônicas e interação entre moradores. Já Berlatto e Sallas (2008) analisam, entre outros aspectos, como o perfil da clientela altera tanto as formas de ocupação da moradia como as interações sociais. A preocupação com as relações interpessoais no ambiente das moradias se faz presente em Matos (2004).

A saúde dos estudantes é tema de discussão nos seguintes estudos: Alves e Boog (2007) colocam o foco no comportamento alimentar dos estudantes no contexto da moradia estudantil; Zalaf (2007), Laranjo e Soares (2006) e Laranjo (2003) problematizam o consumo de drogas no ambiente de moradia e implicações na saúde mental dos estudantes; Miranda, Amorim e Stancato (2007) propõem um censo sobre a saúde de estudantes residentes; Lima e Stancato (2007) buscam analisar a qualidade de vida dos estudantes residentes. O desconforto propiciado pelas condições do ambiente físico está presente em Araújo (2003).

Diante da literatura apresentada sobre moradias estudantis, constata-se que esses espaços são palco de variadas experiências para os estudantes, as quais podem enriquecer a formação de sua população. Isso, no entanto, vai depender da qualidade dessas experiências. Os estudos norte-americanos que discutem o impacto das moradias estudantis sobre os estudantes mostram que esses locais, por fornecerem-lhes ricas experiências, contribuem sobremaneira para sua formação.

Os estudos brasileiros, por sua vez, revelaram que as moradias estudantis, ainda que sejam distinguidas positivamente pelos estudantes, retratam uma realidade que impõe aos seus moradores múltiplos desafios, levando-os, por vezes, a experimentarem diversas formas de sofrimento e a utilizarem variadas estratégias de enfrentamentos das dificuldades impostas por essa condição. Nesse sentido, é importante reafirmar o acesso à educação

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como um direito garantido a todos, conforme previsto na Carta Magna de 1988 e ratificado em documentos mais recentes. Somado a isso, verifica-se que perseguir o princípio da democratização do acesso à educação superior e garantir a permanência dos estudantes até à conclusão dos estudos, exigem ações que atentem para as mudanças decorrentes do perfil dessa população, com suas múltiplas demandas e necessidades.

No que se refere aos estudantes das IES, cujas condições econômicas são desfavoráveis, a assistência estudantil é uma das formas de assegurar-lhes a inclusão social. A moradia estudantil vinculada a uma instituição, por sua vez, além de fazer parte dessa assistência e garantir meios materiais para esse segmento da população estudantil, representa um sítio privilegiado para o desenvolvimento de ações que podem enriquecer a formação dos estudantes que ali vivem. Sendo assim, entende-se que é de responsabilidade institucional a adoção de medidas que potencializem tal experiência. Para isso, faz-se necessário o conhecimento detalhado de como funcionam esses espaços, que contribuições eles trazem para a formação geral do estudante, quais dificuldades são enfrentadas cotidianamente, quais estratégias os moradores utilizam para superá-las e que medidas institucionais devem ser tomadas no sentido de criar, nesses ambientes, condições compatíveis com as necessidades dos moradores na condição de estudantes em formação.

Acredita-se ainda que, ao trazer para o debate acadêmico, a realidade das moradias estudantis brasileiras e dos seus moradores, tenta-se contribuir para que a comunidade acadêmica e a população de uma maneira geral possam olhar para esses espaços e para os estudantes que ali vivem como parte importante do ambiente e comunidade acadêmica em geral, tendo como subsídio o conhecimento mais aprofundado sobre o tema. Compreende- se que a visão estigmatizada das moradias estudantis no Brasil, trazida nos estudos aqui analisados, é resultado de distorções históricas, sobretudo ao se levar em conta o modo como a assistência social, de forma generalizada, tem sido tratada em nosso país: ações pontuais voltadas para populações mais vulneráveis, sob uma lógica de concessão, ao invés daquela do direito. Pelo fato de a moradia estudantil no Brasil estar sob a influência dessa concepção, deixam-se de perceber outras funcionalidades importantes desses espaços, como ocorre nos Estados Unidos desde o surgimento das suas primeiras IES.

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