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CONTEXTOS, PÚBLICO-ALVO E PROPÓSITOS DISTINTOS: OS

2. MORADIAS ESTUDANTIS

2.3. CONTEXTOS, PÚBLICO-ALVO E PROPÓSITOS DISTINTOS: OS

BRASIL

Nos Estados Unidos, fica evidente que as moradias estudantis sob responsabilidade institucional, desde sua origem e até os dias atuais, têm finalidades que extrapolam a função de simples habitação. Ao padrão inicial, o residential college, foram acrescidos outros tipos de arranjos residenciais para se adequarem às mudanças ocorridas no modelo de educação superior do país, ao crescimento e à diversificação da população estudantil.

No que concerne ao perfil de seus moradores, observa-se que boa parte dos diversos tipos de moradias norte-americanas está ocupada por estudantes calouros, os denominados

freshmen (BROOKS, 2010; SHUDDLE, 2011). Também é notória a predominância de

estudos sobre moradias cujo público alvo é o estudante que está iniciando os estudos (BERGER, 1997; PIKE, 1999; 2002; INKELAS et al, 2006; LANASA; OLSON; ALLERMAN, 2007; ENOCHS; ROLAND, 2006). Contudo, outros grupos de estudantes também utilizam esse tipo de moradia, a exemplo dos estudantes de segundo ano, intitulados sophomores; há, entre outros, aqueles que apresentam interesse por uma área de conhecimento específico e vão morar em ambientes temáticos (WHITT; NUSS, 1994). Há ainda situações, como a dos residential colleges, em que todos os estudantes moram no

campus durante todo o período de formação (SMITH, 1994). Mais recentemente, há

investimentos no sentido de atrair estudantes de primeira geração34 nas instituições que se localizam nos perímetros urbanos (OGUNTOYINBO, 2011).

Aqui no Brasil, conforme ilustrado nos exemplos trazidos no tópico antenrior, não há um eixo comum quanto à origem das moradias estudantis. Levantar a diversidade desses espaços exige um trabalho minucioso para organizar os diversos fragmentos de relatos sobre cada uma dessas moradias, tarefa que foge do escopo da presente proposta. Ainda assim, é possível verificar que alguns aspectos semelhantes estão, na atualidade, presentes na maioria delas. Um exemplo são os critérios predominantes para seleção das vagas e,

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consequentemente, de seu público alvo. Como se verá a seguir, o perfil socioeconômico dos estudantes retratados nos estudos levantados confirma essa semelhança.

Os estudantes residentes em moradias estudantis universitárias, aqui no Brasil, geralmente são enfatizados em estudos que, sobretudo discutem a assistência estudantil voltada para a educação superior. Geralmente é realizada a análise do perfil socioeconômico dos estudantes, além de avaliações sobre o tipo de assistência prestado pelas IES. Possivelmente, a ênfase nas condições sociais e econômicas dos estudantes da moradia estudantil nesses trabalhos se deve à sua estreita relação entre o perfil sócio econômico dos estudantes e as ações de assistência estudantil. Como o tipo de moradia estudantil, aqui em destaque, é voltado principalmente para “assistir” estudantes em condições socioeconômicas desfavoráveis, é de se esperar que produções nesse campo realcem a situação de vulnerabilidade desses sujeitos, de modo a reforçar a necessidade da assistência. Além do mais, para a seleção das vagas, utiliza-se, dentre outros, habitualmente, o critério socioeconômico, seguido não raras vezes do rendimento acadêmico dos estudantes.

Dessa forma, o perfil dos estudantes aparece nos estudos de duas maneiras, aqui denominadas de forma direta e de forma indireta. No primeiro caso, o perfil do estudante é o foco único e central do estudo. Exemplos de trabalhos para o primeiro grupo estão presentes em Rosa (2008); Araújo e Morgado (2007); Antunes, Tomazini e Sá (2001). No segundo caso, são estudos que trazem a caracterização geral dos sujeitos da pesquisa – os moradores - com ênfase nos dados socioeconômicos, relacionando, porém, tais informações com o tema principal. Os trabalhos de Sousa (2005), Araújo (2003), Laranjo (2003) e Rocha (2000), por exemplo, trazem perfis detalhados dos sujeitos da pesquisa e atrelam esse aspecto ao foco de suas discussões. A seguir, descrição sobre os moradores nos trabalhos citados.

Rosa (2008) publicou um artigo que divulgava sua pesquisa sobre a origem social e as estratégias de ascensão dos estudantes universitários da Casa do Estudante pertencente à Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). O autor apresentou o resultado de entrevistas com cinco estudantes, que tinham como elemento em comum a aprovação no vestibular em cursos concorridos, a saber: medicina, ciências sociais e jurídicas, direito, engenharia elétrica e engenharia metalúrgica. Todos os entrevistados eram do sexo

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masculino e vinham de famílias com renda média de quatro salários mínimos. Na trajetória escolar, esses estudantes prestaram mais de um vestibular, sendo que três frequentaram, anteriormente, outros cursos menos concorridos. Os participantes da pesquisa relacionaram a escolha da UFRGS com o fato de esta ser uma instituição pública e gratuita e possuir uma política de assistência estudantil, garantia para a continuidade dos estudos. Destaca-se pelos dados trazidos, a dependência dos sujeitos da pesquisa, das ações de assistência estudantil institucional para a permanência na universidade e conclusão dos estudos.

Araújo e Morgado (2007) apresentaram no XIV Encontro Nacional da Associação

Brasileira de Psicologia Social (ABRAPSO) ocorrido em 2007, um trabalho que procurou

descrever o perfil pessoal, acadêmico e político de quatro estudantes residentes na CEU da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT) e participantes de demais ações do programa da assistência estudantil daquela universidade. No que tange ao perfil pessoal, as autoras descrevem:

[...] o perfil geral dos jovens entrevistados é muito parecido. Creem em Deus, mas dois deles não são adeptos à igreja. Não têm renda familiar favorável ao sustento deles, e se não fosse à assistência ao estudante administrada pela PROVIVAS35 nenhum faria seu curso na UFMT” (Ibidem, p.7).

No estudo de Antunes, Tomazini e Sá (2001), no XXIX Congresso Brasileiro de

Ensino de Engenharia (COBENGE), ocorrido em Porto Alegre em 2001, a moradia

estudantil é mostrada de forma indireta, pois o foco do trabalho foi o perfil dos estudantes com menor poder aquisitivo. O objetivo dos autores foi realizar, por meio de um questionário, um levantamento estatístico sobre a carência socioeconômica dos estudantes matriculados nos diversos cursos de graduação em engenharia da Universidade Estadual Paulista (UNESP), no campus da Faculdade de Engenharia de Guaratinguetá, nos anos de 2000 e 2001 e que solicitaram bolsa auxílio. Em 2000, o percentual foi de 9,5% e, em 2001, 9,8% dos universitários matriculados36. O instrumento indagava, entre outros aspectos, sobre estado civil, situação habitacional do estudante e de sua família, a composição e a

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Pró-Reitoria de Vivência Acadêmica e Social.

36 Os autores informaram que deste montante, em torno de 41,7% obtiveram a bolsa solicitada em

2000 e 44,8% a obtiveram em 2001. O rendimento do estudante também é levado em conta, somando-se ao critério socioeconômico.

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renda da família. Verificou-se que do total de estudantes que solicitaram bolsa-auxílio, os que viviam em moradia estudantil foram os que apresentaram maior percentual de solicitação nos dois anos examinados.

O perfil dos estudantes das moradias estudantis universitárias de Goiás está minuciosamente descrito na dissertação de Sousa (2005). A autora procurou apreender os significados e os sentidos das casas dos estudantes para seus moradores. Os espaços estudados foram: duas moradias de propriedade da Universidade Federal de Goiás (UFG), uma pertence à Universidade Católica de Goiás (UCG) e uma de propriedade da União Estadual dos Estudantes (UEE). Todas elas são mantidas com pagamentos de mensalidades de baixo custo, com arrecadações a partir da realização de eventos organizados por seus ocupantes, e, também, a partir do auxílio da UFG e UCG.

Os 114 participantes daquela investigação foram assim caracterizados: 58,8% eram do sexo masculino, 59,8% se declararam como não brancos37. A autora menciona que 58,8% dos participantes eram jovens, mas não especifica a faixa etária na qual esses estudantes se encontravam. Quanto à renda familiar, 37,7% vinham de família com proventos inferiores a um salário mínimo, 36,7% com renda entre um e um salário mínimo e meio. Quanto à origem dos estudantes, 54,4% declararam ser oriundos do Estado de Goiás e 43% de outros estados. Apenas um estudante era originário de outro país; dois estudantes não responderam quais eram suas origens (SOUSA, 2005).

O perfil dos estudantes residentes em moradias estudantis se faz presente ainda nas dissertações de Laranjo (2003), Araújo (2003) e Rocha (2000). No estudo de Laranjo (2003) estão descritas as características gerais dos estudantes de graduação residentes no CRUSP no ano de 1999 e, de forma detalhada, o perfil dos residentes participantes da pesquisa.

No que diz respeito a todos os estudantes moradores do CRUSP no ano de 1999, Laranjo (2003) constatou que 26% se encontravam na faixa etária entre 17 e 21 anos, 37% entre 22 e 24 anos, 27% entre 25 e 28 anos, 8% entre 29 e 35 anos e 2% estavam acima de 35 anos. Quanto ao estado civil, 96% daquela população eram de estudantes solteiros e 95% não tinham filhos. A maior concentração de estudantes (46%) estava nos cursos da

37 Os identificados como não brancos foram os que se declararam negro, pardo, moreno, amarelo,

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Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas. Os demais estudantes estavam distribuídos em outras nove áreas. Verificou-se também que 42% dos moradores, naquele período, frequentavam o curso noturno, 28% estavam em período integral, 11% no turno matutino e 10% no vespertino. O período diurno foi mencionado para 9% da população. No que se refere ao nível de renda familiar, embora não fosse mencionada a faixa salarial das famílias dos estudantes, foi caracterizada a situação ocupacional dos pais, sendo que “a maioria dos pais trabalha como autônomo (27%) ou está aposentado (28%) e as mães majoritariamente exercem o trabalho doméstico e o cuidado da casa e da família (48%)” (LARANJO, 2003, p.43). A escolaridade predominante dos genitores desses estudantes – os pais com 43%, as mães com 37% − era o primeiro grau incompleto.

Araújo (2003) fez uma análise da assistência estudantil da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), a partir da percepção dos residentes nas moradias estudantis. A pesquisadora apresentou o perfil socioeconômico e o desempenho acadêmico38 dos participantes do estudo. Do total de 55 estudantes, 61,8% eram do sexo masculino. Quanto à procedência, 78,2% vieram do interior do estado de Alagoas e os demais, de outros estados brasileiros (21,8%). No que se refere à faixa etária, 47,3% se encontravam entre 21 e 25 anos, 40% entre 26 e 30 anos, 9,1% entre 18 e 20 anos, e 3,6% contavam com mais de 30 anos, na época da coleta de dados. Não foi contemplada, no estudo, a renda familiar dos estudantes. Ainda assim, a autora apresentou dados que os caracterizavam como estudantes de baixa renda: os antecedentes escolares e a necessidade econômica de desenvolver atividade remunerada durante o período de graduação.

Semelhante à proposta de Araújo, mas em contexto distinto, Rocha (2000) busca analisar a assistência estudantil da UFPE, também do ponto de vista dos sujeitos usuários daquela assistência, os moradores das CEU. Entre outros aspectos, o perfil dos estudantes moradores foi descrito detalhadamente. De um universo de 272 moradores no período pesquisado, sua amostra constou de 152 estudantes. A maioria dos estudantes era solteira, correspondendo a 97,3% da amostra e 66,4% eram do sexo masculino. No que diz respeito à faixa etária, 61,2% se encontravam entre 21 e 25 anos, 23% na faixa etária entre 26 e 30 anos e 11,2% estavam com idade entre 18 e 20 anos. Quanto à procedência dos estudantes,

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aproximadamente 61% vinham do estado de Pernambuco e 39% de outros estados. Ao caracterizar o perfil da família dos participantes do estudo, a autora revela que ela “é composta pelo pai agricultor e a mãe ‘dona de casa’, que moram numa residência com cerca de 3 a 4 pessoas, onde apenas uma dessas pessoas trabalha, sobrevivendo com uma renda de 2 a 3 salários mínimos” (ROCHA, 2000, p.111).

Nota-se que, no contexto norte-americano, preencher uma vaga da moradia depende do tipo de universidade ou college: nos residential colleges exige-se que todos os estudantes morem no campus. Em outros tipos de instituição, pode não haver exigência, ela pode ser por ano de graduação −especialmente o primeiro − ou por área de interesse. No caso brasileiro, tendo em vista que o principal critério para obtenção da vaga nas moradias estudantis é o socioeconômico, observam-se, nos estudos levantados, semelhanças nas descrições dos moradores, que se enquadram no perfil exigido para o atendimento em ações da assistência estudantil: são estudantes de baixa renda, oriundos de localidades distintas das IES, por isso dependem dessas ações.

Embora na realidade brasileira os estudos apresentem semelhanças no perfil socioeconômico dos estudantes moradores, as características arquitetônicas, o funcionamento das moradias, seus arranjos populacionais e outros não são similares. Tal diversidade remete à indagação sobre quais os tipos de experiência que esses ambientes proporcionam aos estudantes residentes e que implicações isso traz para sua formação. O capítulo a seguir é composto por duas grandes seções: na primeira serão mostrados alguns estudos que abordam a influência das moradias estudantis sobre seus moradores, notadamente no contexto norte-americano; na segunda seção serão apresentados resultados de alguns estudos que discutem aspectos das moradias estudantis e/ou de seus moradores na realidade nacional.

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3. ESTUDOS SOBRE A INFLUÊNCIA DA MORADIA ESTUDANTIL