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A influência do capital mediático na construção de carreiras políticas

1.3 As relações contemporâneas entre os campos político e dos media

1.3.1 A influência do capital mediático na construção de carreiras políticas

O acesso às melhores posições dentro do campo político se dá por meio das disputas eleitorais e das disputas na arena política. Os cargos do Executivo e do Legislativo estão mais bem localizados do que as funções de lideranças de partidos e de organizações civis. Esse acesso ao campo pelas eleições ou mesmo pela filiação a um partido, por si só, já localiza o agente político em uma posição específica, marcada por relações sociais hierarquizadas e por todos os conflitos que essa posição suscita. É a natureza de luta de forças de um campo social, e no campo político, em especial, essa característica de combate se acentua.

Ao ingressar no campo político, uma nova contenda, se estabelece: a batalha pelas melhores posições e cargos. Essas duas batalhas, a do acesso e a do posicionamento, são determinadas pelo grau de capital político de cada agente, que é constituído pelo reconhecimento social que os agentes detêm e adquirem dos pares e da população, e é o que permite que alguns indivíduos, mais do que outros, sejam aceitos como atores políticos – ou

50 seja, capazes de agir politicamente. Quem possui maior capital político, tem mais possibilidades de acessar o campo e de nele ocupar posições mais privilegiadas.

O capital político é formado por elementos dos capitais social, econômico e cultural. Ou seja, ascendem na carreira os políticos com boas relações com setores importantes da sociedade (social), que disponham de recursos e bens para financiar as suas campanhas e os seus mandatos (econômico), além das qualificações intelectuais, advinda da origem escolar e familiar (cultural). Bourdieu nunca sistematizou as diversas manifestações de capital político, mas é possível enxergar a seguinte divisão, tomando como base as suas próprias interpretações e as de Luís Felipe Miguel:

1) Capital delegado: reconhecimento social que o agente político recebe, mas que é proveniente do fato de ocupar um cargo institucional, seja ele um mandato parlamentar ou executivo, uma função de confiança num escalão governamental ou uma posição de poder na estrutura partidária. Incluem-se aqui, portanto, os detentores de cargos públicos em geral, os quais concentram um capital

como o do sacerdote, do professor e, mais geralmente, do funcionário, produto da transferência limitada e provisória (apesar de renovável, por vezes vitaliciamente) de um capital detido e controlado pela instituição e só por ela: é o partido que, por meio da ação de seus quadros e dos seus militantes, acumulou no decurso da história um capital simbólico de reconhecimento e de fidelidade. (BOURDIEU, 2007, p. 191).

2) Capital convertido: o agente político obtém notoriedade e popularidade a partir de áreas que ocupa fora do campo político. Os exemplos mais significativos são os artistas, os esportistas e os intelectuais que ingressam na vida parlamentar e utilizam os seus desempenhos naquelas áreas para conseguir sucesso nas urnas, mas que normalmente enfrentam dificuldades para transitar nas comissões legislativas e nas demais estruturas do poder político.

[...] o mesmo ocorre com economistas e engenheiros que são chamados para ocupar importantes funções decisórias no governo (conversão de capital técnico) ou empresários que ingressam na vida parlamentar após dispendiosas campanhas eleitorais (conversão de capital econômico). (MIGUEL, 2002, p. 169).

3) Capital heróico: um atributo próprio de alguns políticos, que têm a capacidade nata de mobilização e de constituir seguidores. Trata-se de um capital pessoal, “produto de uma acumulação lenta e contínua, a qual leva em geral toda uma vida, [...] a que se pode chamar

51 heróico e profético e no qual pensa Max Weber quando fala de ‘carisma’” (BOURDIEU, 2007, p. 191).

Ora, mas de onde vem esse reconhecimento social que alimenta essas manifestações de capital político? Vem da avaliação subjetiva dos pares e da população sobre os agentes políticos, a partir dos conhecimentos e experiências de mundo que adquiriram e com os quais têm contato. Desse processo, deriva a formação de uma opinião política. Como o campo dos media é responsável por grande parte dos assuntos e temas que os indivíduos entram em contato no mundo, é ocioso dizer que a opinião política e o reconhecimento social são fortemente influenciados pelos discursos construídos no interior deste campo.

Assim, tem-se um dos principais traços da relação entre esses dois campos: o campo dos media influencia na construção do capital político, pois ajuda a estruturar as opiniões políticas e, como conseqüência, a formação de um reconhecimento social em torno de determinado agente político. Não se trata de um poder exagerado de moldar e determinar as opiniões e o grau de reconhecimento social. Trata-se, antes, de uma expressiva presença e

influência nesse processo, o qual, obviamente, possui outras condicionantes, como as

explicitadas acima nas diferentes modalidades de capital político.

E o campo dos media faz isso na medida em que oferece aos agentes políticos um tipo de capital bastante particular: o que se chama aqui de capital mediático externo, que consiste no desempenho discursivo dos agentes de outros campos na esfera de visibilidade pública do campo dos media. Os agentes políticos, como se sabe, precisam ser lembrados (se dar a conhecer), mas também ser bem lembrados nessa esfera. Esse processo determina o grau de capital mediático externo do qual agente político irá dispor, e isso influi na adesão dos eleitores e no respeito dos pares, ou seja, no acúmulo de capital político.

É importante notar que há duas diferentes formas em que o capital mediático se manifesta: uma externa e outra interna. Primeiro, significa a qualidade da visibilidade dada a indivíduos que não pertencem ao campo dos media, como é o caso dos políticos. É o capital mediático externo. A segunda ocorre dentro das estruturas do campo dos media, e representa o já mencionado reconhecimento social da capacidade dos profissionais – jornalistas, apresentadores e comunicadores em geral – de ter acesso ao campo e de agir dentro dele, enquanto outros ficam de fora. É o capital mediático interno, que fundamenta as lutas entre os agentes dentro do campo dos media por posições mais privilegiadas.

52 Essa natureza bifronte do capital mediático, com as faces externa e interna, dá a ele a particular capacidade de influenciar nos capitais próprios de alguns outros campos, e do político em especial. É capaz de ceder capital para construir capitais, ao invés de apenas

concentrar internamente entre os seus membros para fins de ingresso, posicionamento e

reposicionamento dentro do campo. Nas sociedades atuais, marcadas pela presença marcante e maciça dos meios de comunicação, o capital mediático passa a representar um precioso objeto de luta.

Das três manifestações de capital político explicitadas acima, o capital mediático se configura como uma subespécie de capital convertido. Ou seja, o capital mediático pode, sim, ser convertido em capital político. O caso mais elucidativo são os artistas e celebridades que conseguem ingressar na vida pública utilizando-se da fama que possuem. Agnaldo Timóteo, Ronald Reagan, Cicciolina, Frank Aguiar etc. são exemplos bem diferentes, mas que converteram o capital mediático externo em capital político para serem eleitos. É verdade, porém, que as celebridades e os artistas tendem a ter dificuldades de transitar no campo.

Mas não são apenas esses casos extremos, de agentes oriundos do interior do campo dos media, que conseguem converter o capital mediático em político. Todos os agentes políticos, ou potencialmente políticos, precisam hoje levar em consideração a relevância que o capital mediático passou a adquirir na construção e na estruturação do capital político. O capital mediático, na medida em que intervém no capital político, afeta o processo de construção das carreiras políticas e o conseqüente posicionamento hierárquico dos agentes no interior do campo político.

É por conta dessa presença do capital mediático nos processos políticos que o campo político passou a contratar profissionais com experiência nos meios de comunicação, os consultores, assessores de imprensa e de comunicação, profissionais do marketing, de publicidade, da propaganda e das relações públicas, além de utilizar os serviços dos institutos de pesquisa de opinião. Em outras palavras, o campo político institui um setor específico, interno a suas estruturas institucionais, cuja principal função é construir ações e estratégias para acessar de modo eficaz o campo dos media e obter proveitos na esfera de visibilidade pública.

É também por conta da relevância do capital mediático externo que o campo político incorporou elementos plásticos exigidos pelo campo dos media – intensificados pela televisão –, que privilegiam os aspectos da forma sobre o conteúdo. Os profissionais do marketing político são os encarregados de ajustar os agentes políticos no modo como se

53 vestem, na forma como discursam em seus lugares de trabalho (no Parlamento, em eventos, ou nos palanques em épocas de eleição) e na maneira de conceder entrevistas, adotando as tradicionais frases de efeito com as quais rompem com a normalidade, sempre obedecendo ao tempo curto e aos critérios estéticos da televisão (GOMES, 2004, p. 243-244).