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A Influência do Catolicismo na Constituição dos Direitos Humanos

CAPÍTULO 2 – A EVOLUÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS: DA ORIGEM DOS

2.1 A ORIGEM E EVOLUÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS: 34.1 A “Pré-História”

2.1.2 A Influência do Catolicismo na Constituição dos Direitos Humanos

É pacífica, nos trabalhos que se dedicam ao tema dos direitos humanos, a forte influência da igreja católica apostólica romana na formatação desta categoria jurídica71. É também de conhecimento geral que não apenas essa vertente teológica tenha tido essa influência, todavia, como este não é o recorte principal da pesquisa, limitar-se-á a analisar essa perspectiva72.

Nessa tradição, Deus apresenta-se como o modelo de pessoa para todos os seres-humanos73, fundamentado na Santíssima Trindade (três pessoas com uma só substância: pai – filho – espírito santo), quebrando a tese da unidade divina74. A moral humana, portanto, somente é encontrada em Deus, vez que esse passa a ser o seu paradigma.

A proposta do humanismo cristão, então, sustentada pelo catolicismo, se funda na máxima de que o direito se funde a uma espécie de moral, que por sua

direito. (...) O restante da população romana era formada por subalternos excluídos da cidadania. Pouco a pouco, foram adquirindo um nome próprio, “povo” (populus). (...) Para além da dicotomia entre patrícios e plebeus havia mais dois grupos: os clientes e os escravos. Os clientes, aqueles que obedecem a um patrício, mantinham relação de fidelidade ao patrono, a quem deviam serviços e apoios diversos e de quem recebiam terra e proteção.” (FUNARI, op. cit., p.50/51.)

70 Idem. Ibidem, p.74.

71 “Costuma-se indicar a doutrina antiga do cristianismo como antecedente básico dos direitos

humanos. Isto se deve ao fato de que os homens, por serem criados à imagem e semelhança de Deus, possuem alto valor interno e liberdadeprópria inerente à sua natureza, encerrando uma ideia de que eles têm direitos que devem ser respeitados por todos e pela sociedade política. Deste modo, exatamente porque o homem é criado à imagem e semelhança de Deus, o cristianismo antigo pronunciava uma mensagem de libertação do homem, na sua afirmação da dignidade da pessoa humana que pertence a todos os homens sem distinção, o que sugere uma igualdade fundamental de natureza entre eles.” (CUNHA JÚNIOR, Dirley. Controle judicial das omissões do Poder Público. São Paulo: Saraiva, 2004, p.172.)

72 “O lugar-comum de que os direitos humanos são um produto do cristianismo, ou do judaico-

cristianismo, é onipresente na literatura cristã, tanto protestante como católica; comporta uma parte de verdade. A noção moderna dos direitos humanos tem raízes teológicas. A Revelação judaico-cristã exalta mais a dignidadedo homem que os filósofos gregos.” (VILEY, op. cit. p.107.)

73 “Para dizer a verdade, já havíamos encontrado no Tratado das leis de Cícero a afirmação de

que os homens são a semelhança de Deus (Homini cum Deo similitudo, De leg., I, 8); os filósofos haviam reconhecido a superioridade do homem, provido do logos, sobre as coisas. A da Gênese não o é menos.” (Idem. Ibidem, p.108.)

vez tem embasamento metafísico75. Reivindica, nesta perspectiva, que se busque a marca divina inscrita na natureza do ser-humano, por intermédio de processos metafísicos76.

(...) a mensagem evangélica postulava, no plano divino, uma igualdade de todos os seres humanos, apesar de suas múltiplas diferenças individuais e grupais. Competia, portanto, aos teólogos aprofundar a ideia de uma natureza comum a todos os homens, o que acabou sendo feito a partir dos conceitos desenvolvidos pela filosofia grega.77

A defesa da liberdade já restava clara como ideal do ser-humano, agora exsurge com força a ideia de igualdade78, todos devem ser tratados como iguais, pela mensagem católica, além do amor como valor universal79, professado por Jesus Cristo, impondo a fraternidade como consequência lógica. Valores esses, universais, que devem ser opostos contra tudo e contra todos que se opuserem a eles.

Merece registro o fato dos Padres não estarem preocupados com a formatação de um pensamento jurídico, como pode se pensar a priori. O que se discute enquanto delimitação axiológica, na definição de um padrão moral cristão, não está necessariamente conectada com a elaboração específica de uma dogmática jurídica. Ela influenciará a posteriori o Direito, isso é fato80.

A situação mudou na Alta Idade Média. Então o direito desaparecera com a cultura profana da Antiguidade. Já não havia atividade jurisprudencial. Pautavam-se pelo “costume” – heranças recebidas do passado – para fundamentar os direitos (os jura) dos particulares. Entretanto germinava, sobre bases novas, uma ordem social de outro

75 “Para enfatizar a importância da consciência quanto à existência de uma destinação metafísica

do exigir jurídico, podemos obter um argumento a mais, parafraseando as palavras com que Nosso Senhor Jesus Cristo questionou os homens de todos os tempos: “Que adianta ao homem

conquistar o mundo inteiro, se todavia vier a perder a sua vida”.” (COSTA, Elcias Ferreira da. A

essência trinitária do Direito. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1996, p.16.)

76 “Dios es creador, ser personal y realidad externa al mundo que crea; y el ser humano es una

realidad que se funda en su Creador, imagen y semejanza suya; pero ese principio fundacional no está dentro de la natureza, sino que es ajeno a ella. Um discurso sobre los derechos humanos solo se podría reconocer desde el amor de Dios, fuente de uma ley natural que es ley divina revelada.” (RAMÍREZ, Martín Agudelo. El problema de la fundamentación filosófica de los derechos humanos. Bogotá: Editorial Temis, 2010, p.133.)

77 COMPARATO, op. cit., 2004, p.18.

78 “Mas essa igualdade universal dos filhos de Deus só valia, efetivamente, no plano sobrenatural,

pois o cristianismo continuou admitindo, durante muitos séculos, a legitimidade da escravidão, a inferioridade natural da mulher em relação ao homem, bem como a dos povos americanos, africanos e asiáticos colonizados, em relação aos colonizadores europeus.” (Idem. Ibidem, p.18.)

79 “O amor como fundamento do direito autêntico; a existência de uma sociedade de todos os

homens, unida pelo princípio da fraternidade universal (...).” (COMPARATO, op. cit., 2006, p.114.)

gênero. Como não sobrevivia na Alta Idade Média outro ensinamento senão o clerical, sobretudo monástico, outros estudos senão os sacros, ele terá como fonte a Torá bíblica, a lei do Evangelho, os preceitos de moralidade dos Padres da Igreja. Grande número das instituições que nasceram naquela época são de proveniência bíblica (...).81

Apenas com o Renascimento, e a reorganização de uma vida urbana, é que se sentiu a necessidade de uma (re)estruturação do direito. Com relação ao Direito, já nesse período, após a recuperação do direito romano, especialmente pelo trabalho dos Glosadores, “em nome do Evangelho, vão-lhe opor um programa de reconstrução da ciência jurídica, prenunciadora dos “direitos humanos””82.

Destaca-se como representativo nesse processo, no intuito de esclarecê- lo, o pensamento de Santo Tomás de Aquino83.

Tomás de Aquino absorve a definição boeciana de pessoa, que decorre da identificação entre prósopon (pessoa) com hypóstasis (substância), de sorte que “a pessoa já não é uma exterioridade, como a máscara de teatro, mas a própria substância do homem (...), ou seja, a forma (ou fôrma) que molda a matéria e que dá ao ser de determinado ente individual as características de permanência e invariabilidade”84.

Daí exsurge a ideia de pessoa humana, não como um pleonasmo, mas como a fusão da substância com a matéria (pessoa), dando-lhe uma nova essência que justifica o porquê da necessidade de serem todos tratados como iguais, independente de suas diferenças de ordem biológica ou cultural, individuais ou coletivas. E é justamente “essa igualdade de essência da pessoa que forma o núcleo do conceito universal de direitos humanos”85.

Santo Tomás, todavia, reconhece que essa doutrina vem dos filósofos (gregos e romanos) e dos jurisconsultos (romanos), e que, portanto, não é uma

81 Idem. Ibidem, p.110. 82 Idem. Ibidem, p.111.

83 “Nunca a cultura dos teólogos atingiu um ápice igual ao do tempo de Santo Tomás (...). Mas

Santo Tomás é mal conhecido, porque os padres têm acesso à sua obra pelas caricaturas que lhe impuseram as faculdades católicas e os seminários. E nossos leitores provavelmente não leram a

Suma.” (Idem. Ibidem, p.111.) 84 COMPARATO, op.cit., p.19. 85 Idem. Ibidem, p.20.

criação originária cristã, donde ele acaba por, em verdade, restaurar a doutrina romana do direito, além de demonstrar que ela não se opõe a fé cristã86.

Para Santo Tomás o homem é o ser que participa de modo mais perfeito que as demais criaturas, que não possuem racionalidade, são instintivas, frente à sabedoria Divina. Assim, por intermédio dessa racionalidade, ele percebe os direitos que são conferidos por um direito natural, participando, como consequência, das leis eternas.87

A lei natural (direito natural), fundada em princípios, busca a perfeição, que no caso é a busca da felicidade, do bem, do próprio ser-humano, que é tudo aquilo que o homem se sente inclinado a buscar, ou seja, o homem passa a ser, pela fusão de matéria e essência, a medida das coisas no mundo. Tudo aquilo que acarreta no mal do ser-humano, passa a ser considerado como contrário ao direito natural.88

A teologia de Santo Tomás – a corrente do pensamento que ele representa – foi eficaz. É de acreditar que ela penetrou em largos setores da elite, entre os clérigos e entre os leigos, juristas incluídos, que a cultura profana moderna deve-lhe grande parte de seus sucessos, o direito da Europa, seu renascimento. Mas está longe de ser a única.89

Torna-se imperioso, assim, analisar as principais ideias desenvolvidas na Idade Média, com o intuito de complementar essa evolução.