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CAPÍTULO 2 – A EVOLUÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS: DA ORIGEM DOS

2.1 A ORIGEM E EVOLUÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS: 34.1 A “Pré-História”

2.1.3 Direitos Humanos na Idade Média

Após a quebra das trevas da Alta Idade Média90, em relação ao tema dos direitos humanos, promovida pelo pensamento de Santo Tomás de Aquino, que

86 VILEY, op. cit., p.119. 87 RAMÍREZ, op. cit., p.140. 88 Idem. Ibidem, p.142/143. 89 VILEY, op. cit., p.120.

90 O pensamento de Santo Tomás era um medium entre os averroístas, que apregoavam uma

filosofia pagã, dissociada da fé, e os denominados de agostinistas, em alusão ao pensamento de Santo Agostinho, defendida pelos clérigos, fundada na fé. (vide VILEY, op. cit., p.120 e segs.). Com relação ao pensamento deste último importa asseverar que: “El proyecto de hombre, en el humanismo augustiniano, se construye basado en el futuro, es decir, a partir del compromisso

inclusive teve várias de suas teses condenadas pela Igreja Católica após a sua morte, dá-se uma virada filosófica a partir das ideias de dois pensadores, ainda no início do século XIV: Duns Escoto e Guilherme de Ockham.

Originaram esses dois pensadores duas correntes filosóficas denomindas de escotismo (Duns Escoto) e o nominalismo (Guilherme de Ockham), que inauguraram, em certa medida, um “método moderno” de filosofar, responsáveis por estabelecer uma filosofia individualista91.

A visão de Duns Escoto substitui o mundo de São Tomás de Aquino, originado em Platão e Aristóteles – um mundo de generalidades, de gêneros, de espécies, de naturezas, de causas formais e finais – por um mundo de pessoas, de indivíduos. (...) é a fé que conduz Duns Escoto a essa conclusão, pois a Sagrada Escritura cristã é, com efeito, personalista. O homem de que fala o Evangelho não é apenas o gênero humano ou uma determinada espécie, determinada categoria social; ele não é somente uma parte do grupo social, como na pólis de Platão: Deus demonstra amor por cada um dos indivíduos, como um pai ama indistintamente cada um de seus filhos e filhas.92

Embora as teses centrais desenvolvidas por Duns Escoto se encontrem no Evangelho ele se opõe àquelas teses reificadas até aquele momento, até mesmo por Santo Tomás de Aquino, defendendo uma postura filosófica essencialmente individualista, em que o “ente pessoal é um universal concreto”93.

Com relação à conexão deste novo pensar filosófico, instituído por Escoto, com o direito não se acha aprofundado, vez que ele não se preocupava em fazer “grandes” incursões jurídicas no seu pensamento, limitando-se a discutir, em pequena medida, sobre direito de propriedade (por óbvio) e poder público.94

O mesmo não se pode dizer der Guilherme de Ockham, pois devido a circunstâncias pessoais foi conduzido a se preocupar com o tema, vez que “teve de defender contra o papado a tese franciscana (levada ao extremo no partido dos espirituais) de que os frades irmãos mendicantes estão fora do direito; que

humano con la salvación. Se trata de un humanismo en el que se acude a los conceptos de racionalidad y a los recursos dialógicos utilizados en la filosofía. Esa comprensión sobre la realidad humana busca diseñar un proyecto de hombre, en la clave critiana, cuya meta es la felicidad dada por Dios (un hombre es feliz siempre y cuando conozca a Dios). (RAMÍREZ, op. cit., p.135.)

91 Idem. Ibidem, p.121/122. 92 SANTOS, op. cit., 2009, p.74. 93 Idem. Ibidem, p.75.

lhes é permitido renunciar a serem detentores de direitos”95. De sorte que, entende, em síntese, ser o direito permissão e poder de agir.

Com relação, porém, a essência do seu pensamento96, que é designado de nominalista97, defende, em oposição ao pensamento grego clássico, fundado na ordem cósmica, que o texto bíblico se dirige às pessoas livres, indivíduos98, o que reduz a realidade a substâncias individuais.99

Os “universais” e as relações só têm existência em nossos discursos. São somente termos, signos, forjados pelos homens, e cujo sentido depende dos homens. Suas definições são convencionais. Temos liberdade para modifica-los, para transformar a bel-prazer o valor dessas palavras, para deixa-las mais operatórias, permitir-nos agir mais comodamente sobre o mundo real dos seres singulares.100

Guilherme de Ockham, assim, inaugura uma nova ontologia, de oposição ao modelo aristotélico, ao quebrar a ordem (cidade - pólis) que rege os indivíduos, para apregoar a abertura de portas da modernidade, operando num paradigma idealista , em que “vai-se trabalhar sobre a imagem miserável de um universo povoado somente de substâncias simples”101.

Pode-se sintetizar a ideia de Guilherme de Ockham na prevalência dos indivíduos (individualidades), e no desprezo do geral (universal), ou seja, ele sustenta filosoficamente uma base individualista, que irá, justamente, caracterizar

95 Idem. Ibidem, p.128.

96 “(...) no pensamento filosófico ockhamiano, as verdades da fé não são evidentes por si mesmas,

como os princípios da demonstração; não demonstráveis, como as conclusões da própria demonstração; não são prováveis, porque parecem falsas para aqueles que se servem da razão natural. Para ele, o âmbito das verdades reveladas é radicalmente subtraído ao reino do conhecimento racional. A filosofia não é serva da teologia, que não mais é considerada ciência, mas sim um complexo de proposições mantidas em vinculação não pela coerência racional, mas sim pela força da coesão da fé.” (SANTOS, op. cit., 2009, p.76.)

97 “Os princípios do nominalismo haviam germinado em alguns autores da Antiguidade e na Idade

Média já no século XI. Ele desabrochou nas obras de Guilherme de Ockham.” (VILEY, op. cit., p.122)

98 “(...) para o nominalismo só são reais os seres singulares designados por nomes próprios. Os

nomes comuns ou as relações são apenas instrumentos úteis para conotar – para notar em conjunto – uma pluralidade de seres individuais.” (LAFER, Celso. A reconstrução dos direitos humanos: Um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt. São Paulo: Companhia das Letras, 1988, p.120.)

99 VILEY, op. cit., p.122 e segs. 100 Idem. Ibidem, p.123.

a modernidade102. Por isso a afirmação de que Ockham teria “inaugurado” a modernidade103.

O impacto do pensamento de Guilherme de Ockham no direito é notado a partir da superação do direito natural e a origem da definição de direito subjetivo.

O direito natural, considerado em sua perspectiva metódica, como alternativa que tomava como ponto de partida para a descoberta das soluções jurídicas a observação da Natureza e da ordem que dela emana, foi alvo de Ockham na medida em que o nominalismo, ao contrário, pensava todas as coisas a partir do indivíduo: o indivíduo (não mais a relação entre vários indivíduos) torna-se o centro de interesse da ciência do direito; o esforço da ciência jurídica tenderá doravante a descrever as qualidades jurídicas do indivíduo, a extensão de suas faculdades, de seus direitos individuais.104

O direito subjetivo, enquanto direito individual, base da 1ª geração ou dimensão dos direitos humanos105, está posto desde o pensamento de Guilherme de Ockham, encontrando, portanto, sua origem mais remota. Registre-se, mais uma vez, a formatação de um modo de pensar fundado no individualismo e no subjetivismo, alicerce da denominada filosofia da consciência, combatida nessa dissertação como um dos males que atingiu o Direito, mais especificamente, a interpretação do direito.

2.1.4 Direitos Humanos e a Modernidade: Os Pensamentos de