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CAPÍTULO 2 – A EVOLUÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS: DA ORIGEM DOS

2.2 DIREITOS FUNDAMENTAIS E A INFLUÊNCIA ORIGINÁRIA DO POSITIVISMO

2.2.3 A Relação Entre Direitos Fundamentais e o Positivismo Jurídico

O traço distintivo, historicamente adotado, para diferenciar direitos fundamentais dos direitos humanos, consoante, inclusive, já restou consignado nesta pesquisa, é justamente a positivação daqueles em textos constitucionais, em detrimento da previsibilidade destes em textos de acordos ou tratados internacionais. Há, assim, para os direitos fundamentais uma relação extremamente próxima, para não dizer até mesmo “umbilical” com o positivismo jurídico, que precisa ser examinada com maior cuidado.

As incertezas e a insegurança que antecederam o século XIX, notadamente na garantia de direitos humanos, mesmo que reconhecidos como fundamentais, gerada pela própria estrutura dos direitos naturais220, coordenado simultaneamente ao próprio florescimento do modelo positivista, todavia, requer

219 MURICY, op. cit., p.118. 220

Direitos naturais diziam-se por se entender que se tratava de direitos inerentes à natureza do

homem; direitos inatos que cabem ao homem só pelo fato de ser homem. (...) Sua historiciedade repele, por outro lado, a tese de que nascempura e simplesmente da vontade do Estado para situá-los no terreno político da soberania popular, que lhes confere o sentido apropriado na dialética do processo produtivo”. (SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 23ª ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p.176.)

do Direito uma nova “estrutura” para o acoplamento dos direitos humanos ao sistema jurídico.

Sobre essa questão posiciona-se o constitucionalista lusitano J. J. Gomes Canotilho, nos seguintes termos:

A positivação de direitos fundamentais significa a incorporação na ordem jurídica positiva dos direitos considerados “naturais” e “inalienáveis” do indivíduo. Não basta uma qualquer positivação. É necessário assinalar-lhes a dimensão de Fundamental Rights colocados no lugar cimeiro das fontes de direito: as normas constitucionais221.

Os direitos fundamentais, então, o são enquanto, e na medida que, estejam previstos em um rol inserido no texto constitucional de determinado Estado, pois somente assim podem, agora, gerar consequências jurídicas. Este momento reifica a “nova” nomenclatura, agora, inclusive, alçada á categoria de conceito jurídico: direitos fundamentais222.

Deve restar claro, porém, que esta não é uma mera discussão etimológica, conceitual ou teórica, pois significa, prima facie, a adoção de um “novo” modelo ideológico, qual seja: o burguês liberal223.

Vinculando os direitos fundamentais propriamente ditos a uma concepção do Estado de Direito liberal, sem levar em conta a possibilidade de fazer-se, como se fez, desses direitos primeiro uma abstração e, a seguir, uma concretização, independente da modalidade de Estado e ideologia, em ordem a torna-los compatíveis com o sentido de sua universalidade (...)224.

Deve-se notar que ao apregoar a independência ideológica o modelo positivista já determina a sua própria ideologia, que se adequa integralmente ao modelo liberal burguês. Importante registrar que este processo não é aleatório,

221 CANOTILHO, op. cit., p.377.

222 “Direitos fundamentais do homem constitui a expressão mais adequada a este estudo, porque,

além de referir-se a princípios que resumem a concepção do mundo e informam a ideologia política de cada ordenamento jurídico, é reservada para designar, no nível do direito positivo, aquelas prerrogativas e instituições que ele concretiza em garantias de uma convivência digna, livre e igual de todas as pessoas.” (SILVA, op. cit., p.178)

223 “Do ponto de vista institucional, O Estado liberal e (posteriormente) democrático, que se

instaurou progressivamente ao longo de todo o século passado, foi caracterizado por um processo de acolhimento e regulamentação das várias exigências provenientes da burguesia em ascensão, no sentido de conter e delimitar o poder tradicional. (...) A constitucionalização dos remédios contra o abuso do poder ocorreu através de dois institutos típicos: o da separação dos poderes e o da subordinação de todo poder estatal (e, no limite, também do poder dos próprios órgãos legislativos) ao direito (o chamado “constitucionalismo”).” (BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992, p.147/148)

224 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 14ª ed. São Paulo: Malheiros, 2004,

mas foi engendrado de forma articulada e meticulosa para cumprir os seus fins precípuos225.

Inobstante o fundamento político e ideológico que impôs a positivação dos direitos fundamentais/direitos humanos em textos constitucionais, notadamente a partir do constitucionalismo liberal burguês, existem análises especificamente jurídicas sobre como restou configurado o sistema jurídico, ou seja, qual a consequência normativa deste processo.

Ao ser consagrada como uma teoria do direito positivo, de um determinado sistema jurídico, uma teoria dos direitos fundamentais é, também, uma teoria dogmática226. Aponta Robert Alexy, neste diapasão de uma análise dogmática, que é possível distinguir três dimensões a serem consideradas: uma analítica, uma empírica e uma normativa227.

A dimensão analítica refere-se à dissecação sistemático-conceitual do direito vigente, desde os conceitos elementares, passando pelas construções propriamente jurídicas, até o exame das próprias estruturas do sistema jurídico228. A dimensão empírica, por sua vez, deve ser compreendida a partir de dois espectros: 1) em relação á cognição do direito positivo válido; 2) em relação á aplicação de premissas empíricas na argumentação jurídica. Merece registro, o fato da “dimensão empírica não se esgotar na descrição do direito nas leis, pois inclui também a descrição e prognóstico da práxis jurisprudencial”229.

O próprio Robert Alexy consigna que “a caracterização da segunda dimensão como “empírica” não significa que a cognição do direito positivo válido se esgote com a cognição de fatos observáveis ou que a estes possa ser reduzida”230.

225 “(...) a democracia moderna, reinventada quase ao mesmo tempo na América do Norte e na

França, foi a fórmula política encontrada pela burguesia para extinguir os antigos privilégios dos dois principais estamentos do ancien régime – o clero e a nobreza – e tornar o governo responsável perante a classe burguesa. (...) As instituições da democracia liberal – limitação vertical de poderes, com os direitos individuais, e limitação horizontal, com a separação das funções legislativa, executiva e judiciária – adaptaram-se perfeitamente ao espírito de origem do movimento democrático.” (COMPARATO, op. cit., 2004, p.50/51)

226 ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2008, p.32. 227 Idem. Ibidem, p.33.

228 Idem. Ibidem, p.33/34. 229 Idem. Ibidem, p.34. 230 Idem. Ibidem, p.35.

Por último, a dimensão normativa refere-se à elucidação e à crítica da práxis jurídica, sobretudo da práxis jurisprudencial. O ponto central nessa dimensão é “a partir do direito positivo válido, determinar qual a decisão correta em um caso concreto”231.

A dogmática jurídica é, em grande medida, uma tentativa de se dar uma resposta racionalmente fundamentada a questões axiológicas que foram deixadas em aberto pelo material normativo previamente determinado. Isso faz com que a dogmática jurídica seja confrontada com o problema da possibilidade de fundamentação racional dos juízos de valor.232

Transparece no discurso de Robert Alexy um problema que o positivismo jurídico não está, a priori, pronto para enfrentar, no momento que se faz referência a juízos de valor, por negá-los como categoria jurídica, consoante se discutiu no tópico anterior desta dissertação.

Começa, assim, a transparecer motivos para assegurar a ineficácia do positivismo jurídico. Do ponto de vista ideológico a necessidade transcender o modelo liberal burguês, ou minimamente enfrentá-lo. Do ponto de vista dogmático, pelo fato de, imprescindivelmente, ter que lidar com categorias e institutos que o positivismo nega, como o de juízos de valor233. E, o maior de

todos, a necessária reaproximação entre o direito e a moral234, principalmente para compreender os núcleos de valores inscritos nas constituições no segundo pós-guerra.

Diante desta “falência múltipla” do positivismo jurídico como modelo teórico a fundamentar e efetivar os direitos fundamentais, torna-se imperioso a

231 Idem. Ibidem, p.36. 232 Idem. Ibidem, p. 36.

233 “(...) noções meramente normativas do texto constitucional não dão conta de sua natureza

eminentemente política e fenomenológica. Em outras palavras, o saber dogmático que identifica a Constituição como norma fundamental não reconhece o fundamento de validade objetiva de uma ordem jurídica, em qualquer uma das muitas normas de justiça. Consequentemente, a validade objetiva não surge da correspondência à norma de justiça, mas da conformidade, em última instância, á norma hipotética e fundamental da ordem jurídica.” (LEAL, Rogério Gesta. Perspectivas Hermenêuticas dos Direitos Humanos e Fundamentais no Brasil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000, p.125)

234 “Considerando que toda Constituição há de ser compreendida como unidade e como sistema

que privilegia determinados valores sociais, pode-se afirmar que a Carta de 1988 elege o valor da dignidade humana como valor essencial, que lhe dá unidade de sentido. Isto é, o valor da dignidade humana informa a ordem constitucional de 1988, imprimindo-lhe uma feição particular. Sob o prisma histórico, a primazia jurídica do valor da dignidade humana é resposta à profunda crise sofrida pelo positivismo jurídico, associada á derrota do fascismo na Itália e do nazismo na Alemanha.” (PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 12ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p.80)

busca de alternativas, de outros modelos que consigam enfrentar os problemas apontados, notadamente promovendo a (re)valoração do direito, com o seu reencontro com a moral, porém sem violar o modelo ideológico vigente na contemporaneidade.

CAPÍTULO 3 –

EM BUSCA DA “FUNDAMENTALIDADE”: A