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4. O Brasil, o Fenômeno da Dependência e o Fundo Monetário Internacional:

4.3 A Ingerência do FMI sobre a Condução da Política Econômica Brasileira:

O Fundo Monetário Internacional constitui uma Organização Internacional criada para manter o equilíbrio do sistema monetário internacional. Seu surgimento, atrelado ao contexto da Segunda Guerra Mundial, foi decisivo para a conformação do chamado capitalismo financeiro ou mudialização do capital, como prefere Chesnais (1996, passim).

A base de seu funcionamento destina-se, ao final, à manutenção do equilíbrio econômico, financeiro e monetário, sinalizando para um claro privilégio de seus principais acionistas, além de constituir uma garantia para que credores internacionais, públicos e

privados, tenham confiança no recebimento de seus créditos e na remuneração positiva do seu capital investido, notadamente nos países emergentes.

Paul Blustein (2002, p. 78) destaca que o Fundo tem imenso poder de força para impingir a aceitação de suas recomendações – leia-se, condicionalidades – aos governos que solicitam seu auxílio. Nesse contexto, o FMI pode prorrogar ou sustar empréstimos, mas, além disso, a aprovação de um programa para determinado país equivale a um certificado que abre as portas para que o Banco Mundial, outros doadores estrangeiros, assim como investidores e emprestadores privados entrem com mais dinheiro. “A recusa do FMI de aprovar um programa leva um país a ser praticamente excluído das fontes de ajuda e moeda forte” (BLUSTEIN, 2002, p. 78).

O Brasil, desde a criação do Fundo e na qualidade de um de seus fundadores, sempre manteve diálogo estreito com a Organização, com esporádicas interrupções das conversações, tendo recorrido ao seu auxílio em diversas oportunidades, conforme retratado no início desta seção. A partir da intensa abertura comercial e financeira do Brasil ao exterior, notadamente a partir da década de 1990, aprofundada nos governos sucessivos de Fernando Henrique Cardoso, o país esteve alinhado aos postulados do FMI, bem como do próprio Consenso de Washington, cujas premissas são defendidas pela Organização Internacional e pelos ganhadores da rentabilidade dos investimentos do capital financeiro.

Desde 1998, quando o Brasil recorreu ao Fundo para tentar conter o efeito contágio das crises asiática e russa, e, finalmente, abandonou a âncora cambial, deixando o real flutuar, o governo federal têm se mantido firmemente aliado às recomendações da Organização. Foram oito anos de sucessivos acordos, adoção de reformas estruturais, medidas para a contenção da inflação mediante políticas recessivas que importaram na retração do consumo e dos investimentos produtivos, altas taxas de juros, redução dos gastos e investimentos públicos, geração de superávits primários para o pagamento dos juros da dívida e aumento da carga tributária.

A eleição do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com seu Programa de Governo apontando para uma possível “alternativa econômica para enfrentar o desafio histórico da exclusão social” (PT, 2002, p. 3), sinalizava uma possibilidade de mudança, que, obviamente, não ocorreu. “Como as diretrizes centrais da política econômica dos oito anos do governo anterior estão mantidas, a orientação continua sendo a mesma” (PEREIRA FILHO, 2004, p. 17).

Tomando como ponto de partida o próprio Programa de Governo já apresentado, pode-se afirmar que não houve diminuição da dependência externa, ninguém presenciou o propalado “espetáculo do crescimento” de 7% ao ano, a política externa não trouxe um novo modelo de desenvolvimento nacional, as altas taxas de juros continuam asfixiando as contas públicas e o setor empresarial produtivo e a carga tributária ainda permanece pesando sobre o bolso dos brasileiros. Isso sem se falar nos escândalos de corrupção, que envergonham o país no cenário internacional.

A cartilha ortodoxa do Fundo Monetário Internacional é hoje aplicada pelo governo federal independentemente de qualquer pacto com a Organização. O que outrora consistia no cumprimento de condicionalidades para com o Fundo, hoje faz parte da política econômica interna do governo. É de tal grandeza a influência que a instituição exerce sobre a condução das políticas domésticas, sempre preocupadas com a atração de capitais estrangeiros, que seus preceitos não deixam de ser observados.117

Nesses três primeiros anos do governo de Luiz Inácio Lula da Silva trabalhou-se para a geração de incríveis superávits primários, destinados ao atendimento dos interesses do capital, é dizer, convergidos para o pagamento dos juros da dívida e das amortizações. E para alcançar tal desiderato – atrair investimentos e aporte de capitais estrangeiros e fazer o equilíbrio da balança de pagamentos – a taxa básica de juros foi mantida extremamente elevada, o que exerce influência negativa sobre o consumo, o investimento produtivo e a dívida pública, que cresce sistematicamente (FILGUEIRAS, 2006, p. 1). A inflação, conseqüentemente, arrefeceu, mas o panorama impediu o crescimento do país, que apresentou uma média de 2,6% ao ano no interstício de 2003-2005118, comparável ao período de crises.

A condução da política econômica demonstra a persistência dos mesmos postulados do governo anterior, severamente criticados pelos atuais donos do poder: busca-se, antes de tudo, afastar os medos da fragilidade financeira e da vulnerabilidade externa, para depois voltar-se para os problemas internos da grande massa de 95% dos cidadãos brasileiros, duramente sacrificados para que o capital financeiro continue acumulando lucratividade. É dizer, o que importa para o governo federal é garantir a estabilidade externa, manter o mercado atrativo para os capitais estrangeiros e cuidar para que os investimentos estrangeiros

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George Soros (1998, p. 241) reconhece que o FMI serve aos credores internacionais, livrando-os de uma eventual inadimplência, o que os torna irresponsáveis perante os devedores, sendo essa uma das grandes fontes de instabilidade no sistema financeiro internacional, que trata credores e devedores de forma excessivamente assimétrica.

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não desistam do Brasil; depois, se possível for, o FMI concordar e os investidores internacionais sinalizarem positivamente, cuidar-se-á dos problemas econômicos e sociais internos brasileiros, numa clara evidência de que se espera que a agonia da miséria e da exclusão social de milhões de brasileiros119 poderão ser resolvidos depois que o Brasil se inserir “competitivamente” no cenário econômico internacional. Ocorre que a tentativa de resolução dos problemas de “fora” para “dentro” já se esgotou há muito tempo. Não se pode mais privilegiar o cenário externo como meio de se atingir benefícios sociais e econômicos internos, já que esse modelo não está funcionando, como a realidade demonstra.

A avalanche de capital internacional e investimentos estrangeiros para o Brasil, numa tentativa de solução do problema do financiamento externo omite o fato de que esse capital costuma transferir problemas para o futuro, em maiores proporções (CARCANHOLO, 2005, p. 65). A própria assistência financeira prestada pelo Fundo e as condicionalidades exigidas – sem se falar em seus postulados que continuam sendo adotados, independentemente de qualquer pacto, tal como ora ocorre no Brasil – para solução de problemas “temporários” na balança de pagamentos, não têm permitido que o país supere o círculo vicioso em que está inserido, em notório privilégio dos interesses de uma pequena camada de investidores, em sua grande maioria estrangeiros, em detrimento de toda a sociedade nacional.

A inegável ingerência que o Fundo exerce em relação às economias nacionais é evidenciada por Danilo Rothberg (2005, p. 31), para quem a subordinação do Terceiro Mundo às medidas de política-econômica sugeridas pelo Primeiro Mundo é preservada por meio da mediação realizada pelo FMI, sujeito aos interesses do próprio movimento transnacional do capital. O autor afirma que quando o FMI “socorre” governos em débito, promove a transferência de ativos de tesouros públicos para bancos privados credores, o que, em última análise, significa que é o dinheiro do contribuinte que é destinado a compensar os maus investimentos realizados por operadores cientes das possíveis conseqüências de suas apostas. Nessa perspectiva, a ação do Fundo serviria como fator de produção contínua de novas crises, contribuindo não para sanear o mercado financeiro, mas para institucionalizar a desordem e o risco sistêmico (ROTHBERG, 2005, p. 54).

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“A desigualdade social faz conviver no Brasil uma parte extremamente moderna e sofisticada com outra, muito mais numerosa, despreparada e pobre. Qualquer política para diminuir as desigualdades sociais que não preveja a geração de empregos para este contingente dessasistido, só estará contribuindo para aumentar o fosso existente entre estes dois Brasis” (HIPPOLITO, 2005, p. 45).

A análise de Danilo Rothberg é interessante e certamente encontra muitos opositores. Entretanto, não se pode negar que as políticas econômicas e(x)ternas que têm sido adotadas pelos sucessivos governos brasileiros na intensificação da abertura econômica, do comércio e na quase total ausência de controle sobre os movimentos de capitais, especialmente os especulativos ou de curto prazo, beneficia não os brasileiros ou a economia interna, mas o capital financeiro. Tal política não tem contribuído minimamente para a redistribuição da riqueza e a superação da miséria crônica da grande população. Muito pelo contrário.

Aliás, referentemente às políticas sociais do governo de Luiz Inácio Lula da Silva, Ivo Lesbaupin (2003, p. 13) evidenciava já em 2003 que o Programa Fome Zero não permite a superação da pobreza – sendo mero paliativo – tampouco melhora de distribuição de renda, isso sem se falar nas irregularidades levantadas nos anos de 2004 e 2005 no tocante à concessão dos auxílios, que contemplaram famílias que notoriamente não necessitavam de tais recursos. O autor argumenta que “a grande política social do governo Lula é somente essa: garantir às famílias mais carentes uma renda de sobrevivência. Em vez de desenvolvimento que permita a superação da pobreza e da miséria, políticas compensatórias:

fome zero, em vez de desemprego zero” (LESBAUPIN, 2003, p. 14). De fato, são o trabalho e

a educação que permitiriam a inclusão social crescente dos que hoje ocupam posições totalmente desprivilegiadas e a criação de um quadro virtuoso de crescimento. Reinaldo Gonçalves (2003, p. 48), ainda nos primeiros meses do governo do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, também argumentava que a estabilização financeira e monetária estava à frente da necessidade de se criarem empregos para a população, numa clara evidência de que se esperava, como ainda se acredita, que a solução dos problemas que angustiam a sociedade brasileira será resolvido de fora para dentro, é dizer, tal e qual defende a cartilha de Washington e o Fundo Monetário Internacional, que a endossa: direitos sociais são mera decorrência da liberalização econômica.

Isso só faz reforçar o fato de que a dependência produz e se reproduz, interna e externamente, num círculo vicioso pernicioso dos direitos sociais dos cidadãos, mas totalmente favorável ao lucro dos investidores. E é esse cenário em que o Fundo atua, aprofundando seu “consenso” e garantindo que a situação mundial continue exatamente como está, é dizer, assimétrica, desigual, aprofundando cada vez mais o fosso que separa ricos de pobres, desenvolvidos de subdesenvolvidos (ou em desenvolvimento, para utilizar a nomenclatura atual), Primeiro e Terceiro Mundos, pondo em xeque o poder de intervenção

dos Estados sobre o mercado, que dita as regras do sistema capitalista, com seu horizonte de lucratividade imediata.