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3. O Fundo Monetário Internacional (FMI) e as Condicionalidades para a Concessão

3.3 O “Processo de Condicionalidades” à Concessão de Empréstimos

3.3.1 O Procedimento de Requisição de Empréstimos nos Stand-by Arrangements

Para que a assistência financeira seja desencadeada, o país-membro solicitante deve apresentar ao Conselho Executivo do Fundo uma requisição (Request for Assistance), pela qual informa a intenção de utilizar os recursos da Instituição. Tal procedimento é o único

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O Stand-by Arrangement (SBA) foi criado em 1952, concebido como uma linha de crédito de precaução, tendo sido aplicado pela primeira vez para a concessão de empréstimos à Bélgica e à Finlândia (SCHLITZER, 2000, p. 50).

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Article XXX, b: Stand-by arrangement means a decision of the Fund by which a member is assured that it will

be able to make purchases from the General Resources Account in accordance with the terms of the decision during a specified period and up to a specified amount (FMI, Article XXX, ‘b”, 1944).

meio possível do Fundo desempenhar sua função financeira assistencial, daí a assertiva de que o Fundo deve, necessariamente, ser provocado para conceder empréstimo a um membro.75

No Request for Assistance, as autoridades locais do Estado-membro solicitante, nomeadamente o Ministro da Fazenda e o Presidente do Banco Central (tal como ocorre no Brasil) descrevem as políticas que pretendem implementar a fim de que tenham acesso ao suporte financeiro da Instituição.

Requisitado o auxílio, o FMI designa uma equipe interna que fará uma visita ao Estado, chamada de “missão”, a fim de que sejam colhidas relevantes informações sobre a situação econômica local, bem como sejam realizadas as conversações necessárias entre a equipe do Fundo e as autoridades locais para que convirjam na estruturação de políticas adequadas a serem adotadas para a redução do déficit na balança de pagamentos (LUCAS, 1992, p. 107).

Sendo o encontro produtivo e tendo se chegado a um bom termo, as autoridades locais, auxiliadas pela missão, apresentam um documento chamado Carta de Intenções76 (Letter of Intent), sujeita à aprovação da Diretoria Executiva do FMI, no qual enumeram-se os compromissos políticos daquele governo a serem implementados durante o período do programa de ajustamento, que permitirá, a partir do cumprimento das metas dentro de um cronograma definido pelo próprio país, a realização de saques, em montantes pré- determinados e durante certo período. Anexo à Carta, segue um Memorando Técnico de Entendimento, composto de tabelas ilustrativas e definição de conceitos técnicos empregados na quantificação de algumas variáveis do programa econômico descrito na Carta. Já em Washington, a Diretoria Executiva prepara um relatório, supervisionado pelo Diretor-Gerente, que encerra uma análise dos problemas enfrentados pelo Estado-membro, seu programa

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Pertinente citar uma situação inusitada retratada por Blustein (2002, p. 66) ao tratar sobre a ingerência do FMI na crise asiática de 1997. A Tailândia não queria a ajuda do Fundo para fazer frente às suas dificuldades financeiras e econômicas. No entanto, o FMI se via frustrado ante sua incapacidade de intervir naquela situação que se agravava rapidamente. Foi assim que Stanley Fischer, então primeiro Vice-Diretor Administrativo da Instituição, reportou-se aos economistas do Departamento da Ásia e do Pacífico: “Preparem-se para viajar”. Os subordinados protestaram, espantados com a quebra de protocolo: “Mas ninguém solicitou nossa presença”. Ao que reafirmou Fischer: “Não importa. Viajem assim mesmo, e no tempo que leva para vocês fazerem as malas, vou persuadir aquela gente”.

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Sobre o documento chamado Carta de Intenções, Luiz Olavo Baptista (1994, p. 97) destaca: “O acordo preliminar ou carta de intenção pode nascer para obrigar as partes a negociarem seriamente, para balizar as etapas da negociação e para fixar o calendário das tratativas. Outras nasceram para fixar aspectos relevantes já negociados e que não deveriam mais ser discutidos, recordar pontos já acordados com vistas a uma futura contratação. Outras, ainda, retratam o exaurimento da fase negocial ou de tratativas, submetendo-a a uma condição suspensiva, qual seja a aprovação de um financiamento, ou outro evento.”

econômico e recomendações finais aos membros da Diretoria Executiva, que deliberam sobre a aprovação do pedido de assistência e o respectivo Stand-by Arrangement.77

O próprio Guia de Condicionalidades de 2002 (FMI, 2002a), objeto de estudo na seqüência dessa seção, dispõe, em seu item “Modalidades”, subitem 1078, que as intenções da autoridade do membro tomador serão descritas na Carta de Intenções ou no Memorando de Política Econômica e Financeira, que deve ser acompanhado de um Memorando Técnico de Entendimento. Esses documentos serão preparados pelas autoridades locais, com o auxílio do pessoal do Fundo e serão submetidos ao Diretor-Gerente para ser levado ao Conselho Executivo, devendo refletir os objetivos e estratégias das autoridades políticas. Em adição às condições especificadas nesses documentos, o tomador, em ocasiões especiais, poderá ter que revelar políticas confidenciais ao Fundo, em uma carta separada, endereçada ao Diretor- Gerente e revelada ao Conselho Executivo. As autoridades do tomador devem distinguir claramente entre as condições sobre as quais o suporte financeiro do FMI deve se basear (condicionalidades propriamente ditas) e outros elementos do programa (variáveis). Políticas detalhadas em relação a uma agenda mais extensa devem ser evitadas nos documentos do Programa como a Carta de Intenções ou o Memorando, a não ser que sejam consideradas necessárias pelas autoridades do país para expressar suas intenções políticas.

Em suma, os acordos Stand-by com o Fundo podem ser interpretados como compostos por duas partes: o empréstimo e as condições impostas pelo FMI para o retorno dos valores. Quando um governo estabelece um acordo com o Fundo, este disponibiliza um certo montante de moeda forte. O Estado pode acessar os valores dentro de determinado período de tempo, na medida em que cumpra as condições impostas pelo Organismo.

O programa Stand-by a que se vincula o Estado-membro tomador do empréstimo encerra várias condições, que devem ser minuciosamente cumpridas para que os recursos financeiros possam ser sacados. Tais condições devem surgir de um comprometimento de cooperação com o Fundo no estabelecimento de políticas específicas, destinadas a corrigir os problemas na balança de pagamentos, que ensejaram a ida à Organização Multilateral. Tratam-se das condicionalidades (SILVA, 2003, 76).

De acordo com o Departamento de Relações Externas do Fundo Monetário Internacional, “quando um país-membro obtém um empréstimo do FMI, as autoridades do

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Para uma análise mais detalhada da processualística de negociação dos Stand-by Aarrangements com o FMI, ver MAZZUOLI, 2005, p. 97 e ss.

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A estrutura do Guia de Condicionalidades é apresentada no item 3.3.4 a, que trata das características gerais do Guia.

país se comprometem a aplicar certas políticas econômicas e financeiras, requisito que se conhece pelo nome de ‘condicionalidade’” (FMI, 2005a).

A própria situação instável em que se encontra o país tomador dos recursos financeiros do Fundo justifica a razão de ser das condicionalidades, que permitem ao FMI verificar se o empréstimo está sendo utilizado eficazmente para resolver as dificuldades econômicas do tomador, de modo que o país possa reembolsá-lo oportunamente e que os demais países-membros possam dispor da assistência da Instituição se necessitarem. Também o país-membro tomador dos recursos sabe, de antemão, os requisitos a serem cumpridos para que o Fundo continue colocando à sua disposição os recursos financeiros acordados.

Silvério Baeta Zebral Filho (2003, p. 214) afirma que os capitais das Agências Multilaterais são relativamente escassos e decorrem de contribuições dos próprios países- membros, motivo pelo qual é de se considerar que o uso dos recursos pelos países tomadores deva ser responsável, parcimonioso, eficaz e eficiente para o desenvolvimento e a estabilização, o que torna aceitável a existência das condicionalidades. Poucos países em desenvolvimento têm níveis de governança, transparência e controle social público que permitam garantir o uso legal, eficaz e eficiente dos recursos e sua contribuição efetiva para os propósitos acordados de sustentabilidade do crescimento ou de ajustamento de curto prazo, objetivos primordiais do Fundo Monetário Internacional e também do Banco Mundial.

Nem sempre, no entanto, as políticas de empréstimos do FMI impuseram condições formais para a obtenção de recursos financeiros. Veja-se a evolução da imposição das condicionalidades.