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A iniciativa probatória do juiz no processo civil

Todo processo demanda um certo tempo, que dependerá da causa posta sub judice, porquanto existem causas cuja complexidade e necessidade de instrução probatória prescindem de um longo curso até seu julgamento e prolação da sentença, conforme leciona Humberto Theodoro Júnior:

Os processos judiciais não se formam visando à proclamação de teses acadêmicas de direito. Só existem para tutela de interesses concretos nascidos da vida e das relações jurídicas nela criadas e desenvolvidas. São, pois, os direitos subjetivos a matéria-prima com que laboram os tribunais e estes direitos, por sua vez, nascem de fatos (ex facto iusoritur). Daí que cumpre aos magistrados conhecer sempre os fatos que se colocam à base de qualquer litígio. E as provas são, no processo, o meio de se chegar à cognição do suporte fático das pretensões litigiosas.

Barbosa Moreira, com sua peculiar clareza, afirma que “sem temor de erro que o destino da maioria das causas depende essencialmente da convicção do órgão judicial acerca dos fatos de que se originou o litígio”, o que ressalta, segundo ele, a importância da atividade de instrução como momento processual em regra decisiva para a sorte do pleito35.

33 THEODORO JUNIOR, Humberto. O processo justo: o juiz e seus poderes instrutórios na busca da verdade real. Disponível em: http://www.amlj.com.br/artigos/118-o-processo-justo-o-juiz-e-seus-poderes-instrutorios-na- busca-da-verdade-real Acesso em: 15 set.2009.

34Ibidem. p.8.

35 BARBOSA MOREIRA, José Carlos. A garantia do contraditório na atividade de instrução civil. In: WAMBIER, Luiz Rodrigues; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (organizadores). Atividade Probatória. Doutrinas essenciais do Processo Civil. São Paulo: RT, 2011. p. 1111.

Instruir na linguagem forense significa “exprimir a soma de atos e diligências que, na forma das regras legais estabelecidas devem ou podem ser praticados, no curso do processo, para que se esclareçam as questões ou fatos, que constituem o objeto da demanda ou do litígio36.” Tudo o que se faça no processo com a intenção de provar e esclarecer, é instrução.

Portanto, tratando-se de litígios que demandem instrução probatória – o que significa dizer a maioria dos processos que tramitam hoje no Judiciário, tornou-se lugar comum atribuir ao juiz o comando irrestrito da iniciativa das provas necessárias ao conhecimento dos fatos constitutivos do quadro litigioso a solucionar.

Tal atividade, contudo, deve ser realizada de forma a assegurar às partes, o pleno gozo das garantias que o ordenamento lhes deve proporcionar, por meio de uma atuação eficiente na defesa de seus interesses de forma a colaborar no trabalho de esclarecimento dos fatos e na formação do material probatório a cuja luz tratará o juiz de reconstruí-los37.

O presente estudo pretende refletir sobre essa tendência que envolve a instrução probatória e os poderes instrutórios do juiz - e volta a suscitar discussões em outros ordenamentos- para reestudar a questão em cotejo com o caráter dispositivo do processo civil brasileiro.

É certo que se, como afirma Barbosa Moreira, a tradição confiava às partes, de preferência, a sorte do processo, as legislações modernas acentuam o papel preponderante do juiz na direção do processo.

Desse modo, continua em regra, como é da tradição, o dever das partes pôr em movimento, por iniciativa sua, a máquina judiciária, contudo, uma vez instaurado, o feito se desenvolve, para usar a dicção do art. 262, por impulso oficial38.

Na legislação brasileira várias são as manifestações legislativas que conferem ao juiz poderes para atuar ex officio, dentre outras, cita-se: a possibilidade de determinar a reunião de ações propostas em separado, quando entre elas haja conexão ou continência, de sobrestar o andamento do feito, até que se pronuncie o juízo penal, de declarar a própria incompetência quando absoluta etc.

36CASTRO, Daniel Penteado. Contribuições ao estudo dos poderes instrutórios do juiz no processo civil. Fundamentos, interpretação e dinâmica. 2010. Dissertação (Mestrado em Direito, sob a orientação do Professor Doutor Antonio Carlos Marcato) - Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010.p.139. 37BARBOSA MOREIRA, José Carlos. A garantia do contraditório na atividade de instrução civil. In: WAMBIER, Luiz Rodrigues; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (organizadores). Atividade Probatória. Doutrinas essenciais do Processo Civil. São Paulo: RT, 2011.p. 1111.

38 BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Os poderes do juiz na direção e na instrução do processo. Temas de Direito Processual (quarta série). São Paulo: Editora Saraiva, 1989. p.46-47.

Em matéria de instrução, prevalece, igualmente nas leis contemporâneas a tendência a confiar papel ativo ao juiz deferindo-lhe ampla iniciativa na verificação dos fatos relevantes para a solução do litigio, tal como submetido a sua cognição, isto é, nos limites do pedido e da causa de pedir39.

Ressalta, Barbosa Moreira que, o uso das faculdades instrutórias legais não é incompatível com a preservação da imparcialidade do juiz e, essa afirmativa, corroborada por parcela majoritária da doutrina processualista, entende que ao determinar a realização de uma prova, o juiz não pode saber a quem aproveitará o resultado e, portanto adivinhar-lhe o êxito que tanto poderá sorrir a este litigante como àquele.

Para essa corrente, menos fundada ainda, se mostra a ideia de que a apuração oficial da verdade dos fatos constitua no âmbito judicial expressão de autoritarismo político, suscetível de comprimir, insuportavelmente, ou até de aniquilar a autonomia da vontade.

Desse modo, o incremento dos poderes oficiais na instrução do processo está longe de constituir peculiaridade de ordenamentos processuais modelados sob diretrizes políticas autoritárias, já que a ampla iniciativa judicial pode conviver com o autoritarismo e com o liberalismo político.

O tema é polêmico, mas, o fato é que a maior atribuição de poderes exercitáveis de ofício na instrução do feito, de modo algum, dispensa o órgão judicial de respeitar, na realização de quaisquer diligências, a garantia do contraditório indispensável à salvaguarda do direito de defesa, e, menos ainda, exonera o juiz do dever de motivar a sentença, mediante a análise dos elementos probatórios colhidos e a justificação do valor atribuído a cada qual, já que, pela observância dessas imposições legais, e não no cerceamento da iniciativa do juiz, é que será possível aferir e controlar qualquer tendência à parcialidade, o que será visto em tópico específico deste trabalho.

Desse modo, partindo da premissa de que as iniciativas probatórias do juiz tem como objetivo trazer elementos e provas, necessários à formação do seu convencimento ante a insuficiência de elementos carreados aos autos pelas partes, tem-se que a dimensão desses poderes se estendem além da fase instrutória para todo ato de cognição do juiz40.

BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Os poderes do juiz na direção e na instrução do processo. Temas de Direito Processual (quarta série). São Paulo: Editora Saraiva, 1989. p.48.

40CASTRO, Daniel Penteado. Contribuições ao estudo dos poderes instrutórios do juiz no processo civil. Fundamentos, interpretação e dinâmica. 2010. Dissertação (Mestrado em Direito, sob a orientação do Professor Doutor Antonio Carlos Marcato) - Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010.p. 140.

Os limites à esses poderes estão nos princípios que informam o processo e no que tange à instrução probatória no princípio dispositivo que orienta o nosso processo.

Por isso, como leciona Bedaque, parece correto afirmar que a necessidade de produção da prova deve ser aferida pelos elementos dos autos e para concluir pela realização de determinada diligência instrutória, o julgador leva em conta, exclusivamente, dados obtidos no processo41.