2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICO-EMPÍRICA
2.3 A Inovação como Processo Socialmente Imerso
Considerando o caráter evolucionário das redes, sua dinâmica no sentido de
que constituem e são constituídas, gerando oportunidades e limites à ação
econômica – compreender como a posição e centralidade na rede, bem como as
assimetrias de poder e influência na rede, interferem sobre os processos inovativos
torna-se pertinente, na medida em que constitui o próprio objetivo de pesquisa deste
estudo.
Neste sentido alguns estudos contribuem para elucidar as relações entre
inovação organizacional e imersão social, apontando mecanismos de análise que
permitiram a compreensão do processo de inovação dentro de um contexto social e
político específico: HARGADON e SUTTON (1997); LIU, MADHAVAN e
SUDHARSHAN (2005); CHANG e HUANG (2007); HARDY, CURRIE e YE (2005).
Hargadon e Sutton (1997) argumentam que a perspectiva de redes trata os
atores de rede em grande medida como condutores de idéias e recursos inalterados
ao longo da rede, dando pouca atenção a se, como, ou por que essas idéias e
recursos são transformadas e combinadas em novas soluções para outros atores e
subgrupos, através dos processos de aquisição, disponibilização, troca e
recuperação de informações.
Considerando que o conhecimento não é distribuído de forma igualitária,
Hargadon e Sutton (1997) destacam a importância de trocas de informações e de
atores intermediários, como discutido por Burt (1992) nos conceitos de buraco
estrutural e broker. No entanto, destacam que os estudos de redes não têm
explicado o processo pelo qual a informação é transformada ou combinada. Assim,
destacam que a memória da organização (aquisição, retenção, e recuperação) e as
informações armazenadas podem sustentar decisões presentes, onde novas
combinações de informação obtidas podem estar relacionadas à posição estrutural.
Tomando como caso a IDEO, uma firma de design de produtos, os autores
investigam como a organização explora sua posição de intermediário na rede,
introduzindo soluções e produtos novos a partir da combinação de conhecimentos
existentes nas indústrias distintas onde atua.
Os autores concluem que a habilidade para gerar produtos inovativos na
IDEO está relacionada à posição na rede e ao comportamento dos designers em
explorar essa posição. Quando as idéias são soluções tecnológicas, brokers se
beneficiam por estarem bem conectados com indústrias diferentes e habilitar o fluxo
de soluções existentes. Mas essas informações estruturais não são suficientes para
explicar como o processo de inovação ocorre através de intermediação. É
necessário examinar as rotinas e relações para elaboração de novos produtos e
soluções.
Liu, Madhavan e Sudharshan (2005) buscam relacionar a difusão de inovação
à estrutura social, propondo a ligação entre parâmetros de difusão de inovação e
propriedades estruturais de rede. Considerando que a difusão de inovação ocorre
entre os membros de um sistema social, busca-se estabelecer coeficientes de
inovação e de imitação, em uma curva de difusão que integra as várias propriedades
da rede.
Os autores argumentam que cada agente individual de uma rede possui um
potencial inovador e um potencial de imitação, fundamentalmente relacionados à
estrutura da rede; que refletem o potencial de inovação e de imitação na rede como
um todo, que por sua vez pode ser aumentado alterando a estrutura da rede.
Seu modelo sugere que a inovação está associada positivamente com o ator
de destaque na rede, ou seja, atores altamente centrais têm mais probabilidades de
adotar inovações vantajosas precocemente, enquanto jogadores periféricos estão
mais propensos a adotar inovações arriscadas. Sendo assim, a inovação está
associada positivamente com a centralidade estrutural, já que atores centrais estão
mais susceptíveis a receber informações relacionadas com a inovação e,
consequentemente, mais propensos a adotar precocemente inovações. Neste
sentido, redes altamente centralizadas (com um pequeno número de grandes atores
centrais) deverão demonstrar uma maior taxa de difusão de inovação.
Chang e Huang (2007) desenvolvem um modelo que explica forças e
processos da inovação incremental, a partir da economia dos custos de transação,
teoria da troca social e teoria da imersão, avaliando como a inovação incremental
pode ser explicada por um grupo de determinantes, especialmente a centralidade na
rede.
Os resultados do estudo mostram que a freqüência de trocas e a satisfação
com os resultados anteriores irão influenciar a intenção de um fornecedor específico
de estabelecer um vínculo com um fornecedor imerso. O estabelecimento de um
vínculo entre os parceiros imersos fornece uma base de confiança, reciprocidade e
compromisso, mecanismos que permitem uma ação conjunta entre os parceiros, que
facilitam a inovação incremental. Além disso, um fabricante pode empregar
diretamente a vantagem de sua posição para facilitar a inovação incremental.
Para Hardy, Currie e Ye (2005) a visão sub-socializada da empresa na teoria
neoclássica, relega a atores um comportamento racional a-histórico e a-cultural.
Neste sentido, conceitos de imersão contribuem para o estudo do comportamento
econômico, ao captar a grande variedade e complexidade das relações, em todos os
seus aspectos, sociais, políticos e econômicos.
Considerando a autonomia do poder local e as interações e negociação com
o Estado, os autores baseiam-se nos conceitos de imersão cultural e política para
analisar a imersão local de corporações transnacionais de economias em
transformação. Suas considerações apontam como fundamental a noção de imersão
política para uma compreensão de como as empresas atravessam fronteiras. Neste
sentido, a imersão política também revela oportunidades e limites ao processo
inovativo.
Após contemplar as abordagens de inovação organizacional e de imersão
social, bem como a maneira como se interferem mutuamente, os aspectos
estruturais e políticos utilizados para a análise da geração de inovação podem ser
apontados, numa síntese da fundamentação teórico-empírica que dá base à análise
dos resultados, realizada na direção do objetivo de pesquisa.
Dentre os aspectos estruturais de rede, que definem a imersão social
estrutural, são analisados a posição dos atores na rede e a centralidade na rede, por
permitirem identificar a localização dos atores com relação aos demais (POWELL e
SMITH-DOERR, 1994); e por estarem relacionados com as habilidades para gerar
inovação (HARGADON e SUTTON, 1997) e ao acesso a recursos e conhecimento
na rede (BURT, 1992). Sendo assim, sua análise permite identificar aspectos do
comportamento dos atores para a adoção de inovações (LIU, MADHAVAN e
SUDHARSHAN, 2005), a exemplo da freqüência de troca de informações entre eles
(CHANG e HUANG, 2007), além de estarem relacionados à influência e poder na
rede (POWELL e SMITH-DOERR, 1994).
Tomando por base os estudos referenciados, as medidas de posição e
centralidade na rede que orientarão a análise da imersão estrutural podem ser
visualizadas de maneira sintetizada na QUADRO 1:
QUADRO 1: Medidas de posição e centralidade na rede (imersão estrutural)
POSIÇÃO
Localização na rede com relação aos demais atores: central
ou periférica Burt (1992)
Visibilidade e atratividade na rede
Facilidade para acessar informação detalhada Mecanismos para a criação de novos laços imersos
Gulati e Gargiulo (1999)
A posição estrutural está relacionada a novas combinações
de informação Hargadon e Sutton (1997)
Cohesion
Coesão Laços fortes em grupos comuns Burt (1980, 1982, 1987) apud Nohria (1992) Equivalence
Equivalência Regras similares; Respeito; Opinião compartilhada
Prominence
Evidência Grau em que um ator é procurado Indução para interesses próprios
Range
Alcance Tamanho da rede (soma das relações) Acesso a recursos
Brokerage
Intermediação Conexão entre atores desorganizados Controle na rede
CENTRALIDADE
Extensão na qual um ator está ligado a muitos outros na rede e a extensão na qual estes outros estão ligados a muitos
outros em torno deles Powell e Smith-Doerr (1994) Gulati e Gargiulo (1999)
Degree (potencial de centralidade)
Quantos laços o ator possui na rede? Wasserman e Faust
(2007)
Closeness (potencial de acesso)
O ator está próximo ou distante dos demais?
Betweenness (potencial de controle)
Qual a importância do ator na rede em termos de comunicação e difusão de informações? Atores centrais adotam inovações vantajosas precocemente,
enquanto atores periféricos adotam inovações arriscadas Liu, Madhavan e Sudharshan (2005) Fonte: Elaborado a partir de Burt (1992); Nohria (1992); Powell e Smith-Doerr (1994);
Hargadon e Sutton (1997); Gulati e Gargiulo (1999); Liu, Madhavan e Sudharshan (2005); Wasserman e Faust (2007).
Para compreensão da imersão política, são analisadas as assimetrias de
poder entre atores econômicos na rede e suas relações com atores públicos. As
assimetrias de poder são identificadas pela capacidade de influência dos atores na
defesa de seus interesses na rede, tendo implicações sobre a troca de informações
e processos de aprendizado tecnológico. As relações políticas com atores de Estado
também são analisadas, visto que influenciam oportunidades de mercado, acesso a
recursos na rede e a realização de negócios (MICHELSON, 2007; ZHENG, 2008),
trazendo, assim, implicações sobre a geração de inovação, que, enquanto atividade
econômica, sofre a interferência do contexto social e político (JACOBSON, LENWAY
e RING, 1993). Como afirmam Hardy, Currie e Ye (2005) a compreensão das
relações políticas contribui para o entendimento de como as empresas atravessam
fronteiras.
As medidas de poder e influência na rede, utilizadas para a análise da
imersão política, podem ser visualizadas de maneira sintetizada no QUADRO 2:
QUADRO 2: Medidas de poder e influencia na rede (imersão política).
PODER
O poder está em na posição estrutural : relações e status Nadel (1957); Blau (1964);
Emerson (1972); Knoke (1990) apud Powell e Smith-Doerr (1994) A centralidade na rede constitui uma fonte de poder: degree,
closeness, betweenness – bases diferentes de poder
Nohria (1992)
Autoridade formal: ordens ou instruções
Influencia informal: alterar ações de outros atores
Dominação: restringir benefícios ou infligir punições – controle
Powell e Smith-Doerr (1994)
Intermediar contatos desorganizados (buracos estruturais)
confere autonomia e poder: benefícios de informação e controle Burt (1992)
Ligações sociais, políticas e econômicas entre grupos elitizados,
com a dominância de interesses continuados Mills, 1950 apud Powell e Smith-Doerr (1994)
Posição na estrutura política (conexões políticas)
Prestígio e status político: garantia de recursos escassos Zheng (2008)
Portfólio diversificado de laços diretos e indiretos, individuais e organizacionais com o Estado
Afiliações com universidades do setor público e institutos de pesquisa
Michelson (2007)
INFLUÊNCIA
Habilidade para alcançar intenções próprias através de atitudes e comportamentos de outros atores: transferência de informações de valor e recursos escassos
Knoke (1990) apud Powell e Smith-Doerr (1994) Os recursos que os atores mobilizam através de seu conjunto de
relações sociais determina sua influência Galaskiewicz (1979); Ratcliff et al. (1979);
Useem (1984) apud Powell e Smith-Doerr (1994) A evidência ou destaque em uma rede (prominence): influência
exercida em domínios políticos Laumann et al (1987); Knoke (1990) apud Powell
INFLUÊNCIA
A centralidade na rede tem uma forte correlação com a reputação
para influenciar Powell e Smith-Doerr (1994)
Instituições e decisões econômicas - luta de poder entre agentes
econômicos, Estado, grupos de interesses, classes sociais Hardy, Currie e Ye (2005)
Estruturas regulatórias, laços com autoridades políticas, regras políticas, instituições, políticas públicas, definição de formas legais, organização social do acesso a capital financeiro
Dacin, Ventresca e Beal (1999)
Intervenção do Governo, Ações do Estado
Ações estruturadas para limitar a intervenção do Governo Jacobson, Lenway e Ring (1993)
Estratégias de negociação e interação com o Estado, com instituições formais do Governo nacional e local, organizações empresariais, Agências de Desenvolvimento e Sindicatos
Hardy, Currie e Ye (2005)
Fonte: Elaborado a partir de Burt (1992); Dacin, Ventresca e Beal (1999); Hardy, Currie e Ye (2005); Jacobson, Lenway e Ring (1993); Zheng (2008); Michelson (2007); Nohria (1992); Powell e Smith-Doerr (1994).