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3. ETNOGRAFIA: UMA ABORDAGEM TEÓRICO-METODOLÓGICA

3.3 A inserção no campo

A chegada do pesquisador no campo para realizar uma pesquisa é um momento decisivo e delicado (SILVA, 2006). Minha entrada em campo se deu em diferentes níveis e acredito que não tenha acorrido de uma maneira tradicional. Primeiramente porque escolhi pesquisar mulheres de diferentes bairros da cidade de Santa Maria – cidade na qual nasci e cresci. Em setembro de 2015 foi minha primeira tentativa de entrada no campo. Realizei visitas exploratórias, batendo de porta em porta em casas de um bairro popular da cidade de Santa Maria. Porém o

resultado dessas visitas não foi satisfatório, não encontrei as mulheres que estava procurando. Minha segunda entrada em campo iniciou em janeiro de 2016, cheguei até minhas pesquisadas através dos seus trabalhos e por indicação, por esse motivo acabei conhecendo-as em lugares distintos e em meses diferentes da pesquisa. Outro fato que preciso compartilhar sobre minha inserção no campo é que a primeira mulher com a qual entrei em contato ainda em 2015 e dei início à pesquisa, por volta do mês de fevereiro de 2016 não mostrou mais interesse em fazer parte do trabalho. Foram três encontros que marcamos e ela não compareceu, deixou de responder minhas mensagens, atender minhas ligações e nesse momento senti que deveria ter sensibilidade, compreender que ela não queria mais participar da pesquisa e deixá- la livre para não fazer mais parte. Essa experiência realmente marcou o início do meu campo de forma negativa, pois muitas das leituras para a parte teórica e analítica do trabalho eram justamente em função das falas e conteúdos postados nas mídias sociais dessa primeira mulher que fazia parte da pesquisa. Porém percebi, lendo relatos de outras pesquisas e antropólogos, como Miller et al. (2016), que as vezes chegamos ao local de pesquisa ou até nossos informantes com determinados interesses pessoais que talvez eles não correspondam, e que na verdade o papel do antropólogo é seguir as preocupações das pessoas estudadas por mais que as vezes não seja aquilo que desejávamos encontrar ou que não estava de acordo com nosso plano inicial de pesquisa. Afinal “são os nossos informantes que decidem o foco de nossa pesquisa durante a etnografia” (MILLER ET AL., 2016, p.17, tradução nossa27).

Passando por essa fase, iniciei uma nova busca por mulheres que pudessem fazer parte da pesquisa através dos seus trabalhos. Além da indicação de conhecidos, busquei em salões de beleza, serviços terceirizados, pequenas empresas de serviços em geral, e acabei encontrando minhas participantes. Por cada uma estar em um ambiente diferente, em um trabalho distinto, em diferentes bairros, por pertencerem a diferentes gerações, por terem diferentes personalidades e por algumas me conhecerem antes e outras não, a fase inicial com cada uma teve suas singularidades.

Como no ano de 2013, para meu trabalho final de conclusão de curso, eu já havia realizado uma etnografia com a duração de sete meses, com adolescentes em

27 “It is our informants who decide the focus of our research during ethnography” (MILLER ET AL.,

uma escola pública da cidade, confesso que pensei que a entrada em campo nessa segunda pesquisa seria mais fácil. Porém tive a certeza de que cada campo é único e possui seus diferentes obstáculos, e que o momento em que a pesquisadora se encontra influencia tanto quanto o momento que seus pesquisados estão vivendo. Ao pesquisar adolescentes e seus smartphones na escola muitas vezes me deparava com o problema do pouco diálogo, com respostas monossilábicas, mesmo passados meses de campo e com a confiança adquirida. Não eram todos os jovens que queriam ou gostavam de desenvolver uma conversa mais profunda com uma pesquisadora. Nessa pesquisa a observação participante foi fundamental. Mas esse fato fez com que eu pensasse que ao pesquisar mulheres adultas encontraria menos obstáculos. Claramente estava enganada, a dificuldade de nossos encontros se dava, muitas vezes, justamente porque as pesquisadas, como mulheres adultas, estavam muito ocupadas com o trabalho, cansadas de seus afazeres, ocupadas com a família, com suas responsabilidades, também porque parte delas, além de trabalhar em turno integral, cuida da casa e dos filhos.

Outro constrangimento que senti por parte das mulheres foi em relação a minha idade. Duas relataram me achar muito nova para – com 24 anos (no início da pesquisa) - estar no mestrado e ser pesquisadora. Algumas de minhas pesquisadas não possuem o ensino médio completo e são mais velhas que eu; essa realidade se mostrou um pouco inconveniente em algumas situações.

É importante salientar que minha inserção no campo não se deu somente no campo “físico”, presencial, em seus ambientes de trabalho e casas. Como explanado no item anterior deste capítulo, no momento em que conheci as participantes da pesquisa, passei a me inserir também em suas mídias sociais, considerando o ambiente online, que faz parte do cotidiano das pesquisadas, um lugar importante no meu campo de pesquisa.

O gênero do pesquisador também influencia na realização da pesquisa de campo e na própria relação pesquisador – pesquisado, como compreende Grossi (1992). Acredito que, em muitos momentos da pesquisa, as mulheres só contaram suas histórias – do modo como contaram – porque se identificaram com a mulher que estava ouvindo. O laço de confiança entre mim e as participantes da pesquisa foi facilitado pelo fato de eu ser mulher. Me surpreendi, muitas vezes, com a naturalidade e a facilidade com a qual elas me contavam questões relacionadas ao universo feminino, questões amorosas e fofocas. Até segredos de relacionamentos e

conflitos de casais, os quais não imaginava escutar, eram cochichados para mim, com franqueza, enquanto nem as amigas e colegas de trabalho das participantes da pesquisa poderiam saber.

Outra circunstância inesperada advinda da pesquisa de campo foi perceber como as mulheres se sentiam a vontade falando sobre seus smartphones. Falar sobre seu consumo de celular parecia ser um assunto o qual elas tinham prazer em contar, em conversar sobre. Mesmo não as conhecendo antes, parecia que no primeiro encontro a conversa já fluía, elas já contavam sobre muitas situações, justamente por ser algo que elas queriam falar, contar, compartilhar. Foram muitas as histórias escutadas envolvendo o objeto de pesquisa. Conversar horas seguidas sobre o consumo de smartphones era algo prazeroso para minhas pesquisadas e para mim, pois além de ser de meu interesse de pesquisa, era importante para elas que eu as escutasse. O telefone celular deixou de ser apenas mais uma tecnologia que as pessoas usam e desligam; ele é significativo na vida das pessoas, é parte da rotina, está nos assuntos diários, no trabalho, no ônibus, em casa, ele integra a vida cotidiana.