• Nenhum resultado encontrado

4. UMA ETNOGRAFIA DE PRÁTICAS DE CONSUMO DE SMARTPHONES POR

4.1 Apresentação das participantes da pesquisa

4.2.1 Quanto mais memória, mais usos do smartphone

Confesso que saber sobre as configurações de um smartphone, seus aspectos técnicos, memória, processador, entre outros, nunca esteve nos meus planos. Sempre me interessei pelos usos e apropriações dos usuários, e não por entender as características técnicas dos aparelhos em si. Porém, o campo de pesquisa mostrou que esses aspectos dos smartphones estão inteiramente ligados com o tipo de apropriação realizado por cada usuário. Pude perceber isso, também, porque algumas participantes da pesquisa trocaram de smartphones durante o ano de campo, e o que as levava a comprar um aparelho novo sempre era a memória.

A memória interna de um smartphone é responsável por armazenar os arquivos do aparelho, como aplicativos, fotos, músicas, arquivos em geral. Já a memória RAM de um celular tem como tarefa abrir e rodar esses arquivos, aplicativos, navegador. As participantes da pesquisa não querem entender exatamente sobre os detalhes dessas configurações, mas elas querem saber por qual motivo o celular delas está travando, o porquê de elas não poderem baixar mais aplicativos, o porquê de não poderem tirar mais fotos e a razão do espaço do aparelho sempre acabar. As pesquisadas entenderam na prática que é essencial ter mais memória no celular se elas quiserem ter mais aplicativos, mais fotos, mais músicas, mais jogos.

No início da pesquisa Jenifer afirmava usar pouco o smartphone. Contava que só usava o Facebook e o WhatsApp e que fazia um uso moderado. Eu escutei ela contar, observei, analisei, e pensei “tudo bem”, ela usa apenas o Facebook e o

WhatsApp porque quer usar apenas essas duas mídias sociais. Porém percebi que estava enganada quando Jenifer comprou um celular novo. Com mais memória e mais velocidade no smartphone, a participante da pesquisa foi capaz de baixar outros aplicativos, gravar vídeos, “botar um monte de coisa” no celular, como ela diz. O consumo que elas fazem do aparelho está ligado com a qualidade das características do smartphone.

Eu tenho usado bastante agora o celular. É que tipo, eu tinha outro celular, tu lembra? Daí eu comprei um novo. O outro tinha bem menos memória e tal, era ruim, daí eu comprei um melhor e deu pra botar um monte de coisa. Daí eu comecei a usar mais. Alguns aplicativos eu já tinha, mas a maioria eu baixei depois (Jenifer, 25 anos).

É querer muito poder baixar um aplicativo sem ter que apagar outro para isso? Poder conversar no grupo da família sem que o celular trave e pare de funcionar por horas? Esses são alguns dos motivos pelos quais muitos usuários, principalmente de smartphones de entrada, não têm o Instagram instalado no smartphone, ou o Snapchat, ou o Messenger, ou outros aplicativos e mídias sociais. Quando se tem um smartphone com menos memória, é preciso ter prioridades. É preciso escolher qual aplicativo é mais importante; qual vale mais a pena manter no celular. Com base em minha observação, constatei que os aplicativos os quais as pesquisadas não “vivem sem” são o Facebook e o WhatsApp. Não é que elas não queiram ter o Instagram ou outros; algumas até relataram que já o tiveram instalado no celular por alguns dias, mas que para isso tiveram que excluir outras coisas. Mara foi uma das pesquisadas que chegou a fazer download e criar uma conta no Instagram em seu antigo smartphone, mas achou que não valia a pena mantê-lo. Quando o smartphone é “mais simples”, permanecem os arquivos indispensáveis, se elas não se apaixonam pelo aplicativo, ele é excluído, pois está ocupando o espaço de algo mais importante.

Adriana já teve três smartphones e todos ela mesma que comprou. Seu último aparelho, comprado em outubro de 2016, foi escolhido por causa de sua capacidade e de sua memória interna. Adriana não estava interessada na qualidade da câmera, na aparência do seu dispositivo ou em outras características do mesmo. A pesquisada apenas queria um celular que não travasse o tempo todo e no qual ela pudesse instalar mais aplicativos.

Porque antes, quando eu baixava o Instagram e o Face, no outro [celular], ficava muito lento. Lento, lento, lento, lento. Daí eu disse, ah o próximo que eu comprar vou comprar com mais memória. Daí eu dei pra minha mãe [meu celular antigo], porque eu queria que ela tivesse WhatsApp sabe, pra gente conversar. Minha mãe tá usando ele, ele tá bom. Troquei por causa de espaço mesmo (Adriana, 34 anos).

Entretanto, percebi que essas características técnicas do smartphone não mudam apenas as apropriações das pesquisadas, mudam também o sentimento que elas têm pelo dispositivo, seu humor e qualidade de vida. Por exemplo, atualmente Adriana relata sentir muito amor por seu smartphone. Mas não sentia o mesmo por seu antigo aparelho. A participante da pesquisa conta que a relação que tinha com seu outro celular era conflituosa e de ódio. Ela vivia estressada por causa do aparelho, sentia raiva e vontade de quebrá-lo; tudo por causa da sua pouca memória, que fazia com que ele ficasse lento.

O cara, que raiva daquele celular. Se eu desmaiasse, eu acordava e duas horas depois pra conseguir chamar o socorro, porque que caco né. Eu resolvi trocar porque eu já tava muito estressada. Se eu baixava o Instagram ou um joguinho, eu tinha que apagar outra coisa (Adriana, 34 anos).

A mãe de Adriana, para quem ela deu o antigo smartphone, não tem os mesmos problemas que a pesquisada tinha com o aparelho porque só utiliza o WhatsApp e vez que outra o Facebook, e o celular possui memória para suportar esses usos. Hoje em dia, com o smartphone novo, Adriana considera que a sua relação com o aparelho é “super intensa”. Ela menciona estar em um “relacionamento sério” com o celular.

A socióloga Amparo Lasen (2004) compreende que os usuários de telefones celulares tendem a manter um relacionamento emocional com seus aparelhos. Esse sentimento pode ser compreendido através da proximidade do aparelho em relação a nossos corpos, pois o carregamos conosco na maior parte do tempo, em nossos bolsos, em nossas mãos; e porque nos telefones celulares armazenamos conteúdos - como fotos, vídeos e mensagens - que carregam uma alta carga emocional (SILVA, 2012c). Lasen (2004) aponta, nesse sentido, para o consumo de celular como uma “tecnologia afetiva”. Da mesma forma, Silva (2012c) apresenta em seu estudo casos etnográficos que mostram a relação entre a visão antropológica do consumo como uma prática cultural proposta por Miller (1987) e as categorias que

compreendem o telefone celular como uma “tecnologia afetiva” (LASEN, 2004) e seu papel como mediador de “emoções eletrônicas” (FORTUNATI, 2009; VINCENT, 2009). Os casos apresentados pela autora em seu estudo são principalmente do telefone celular em relações de gênero e relações entre pais e filhos. Os participantes de sua pesquisa no Morro São Jorge relatam que o aparelho é capaz de provocar sentimentos harmoniosos, como o amor pelo aparelho, mas também pode gerar conflitos entre os casais – através de sentimentos como ciúmes, insegurança, raiva - e tensões entre pais e filhos – por ocasionar preocupação, medo e controle.