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3. ETNOGRAFIA: UMA ABORDAGEM TEÓRICO-METODOLÓGICA

3.4 Observação participante e entrevistas

A observação participante e a realização de entrevistas são técnicas de pesquisa muito importantes em uma etnografia. Através de Silva (2006) e Clifford (1998) apontei anteriormente como a observação participante e as entrevistas podem ser desenvolvidas em uma pesquisa etnográfica, porém creio ser importante descrever como elas foram sendo apropriadas ao longo da pesquisa.

Como mencionado no início deste capítulo, a etnografia se caracteriza como uma pesquisa qualitativa, e Travancas (2011) lembra que ela pode até conter “questionários e dados estatísticos como informações complementares, mas o cerne do trabalho consiste em perceber o que Geertz (1997) chama do ‘ponto de vista dos nativos’” (TRAVANCAS, 2011, p.102). Aplicar apenas questionários, mesmo que abertos, limitaria as respostas das pesquisadas, não traria a possibilidade de novos temas, de conversação, de um real entendimento que é o que buscamos; por isso o mais importante é observar e escutar abertamente as participantes da pesquisa.

A entrevista em profundidade, conhecida por ser uma técnica que explora um assunto a partir da busca de informações, percepções e experiências dos pesquisados, tornou-se clássica em áreas como as ciências sociais, a sociologia, a comunicação, e outras, pelo seu uso para obtenção de informações (DUARTE, J., 2011, p. 62). Duarte (2011), que é um dos autores do livro Métodos e técnicas de pesquisa em Comunicação, escreve, em um capítulo específico sobre entrevista em profundidade, que uma das principais qualidades desta técnica é a flexibilidade. Esse tipo de entrevista, segundo o autor, permite que os pesquisados definam suas respostas e que o entrevistador ajuste as perguntas conforme o encaminhamento da entrevista. As perguntas realizadas em uma entrevista como essa permitem explorar um assunto ou aprofundá-lo, compreender uma história, analisá-la e identificar fenômenos de diferentes maneiras (DUARTE, J., 2011, P.63).

As entrevistas são úteis tanto para a compreensão de realidades, para entender, como no caso da minha pesquisa, sobre hábitos de consumo, quanto para conhecer questões do íntimo dos entrevistados (DUARTE, J., 2011). As características que ela possui fazem com que pareça uma pseudoconversa (DUARTE, J.,2011, p. 64) e isso facilita a sua aplicação. Destaco que uma de minhas pesquisadas, a Mariana, sempre perguntava quando nos encontrávamos “E aí, quando tu vai me entrevistar de novo?”. Participar de uma entrevista, de uma pesquisa, pode ser prazeroso e percebi que fez com que ela se sentisse importante, e de fato é.

Duarte (2011) aponta também que as entrevistas em profundidade são geralmente individuais, embora seja possível ocorrer com duas ou mais pessoas em conjunto (DUARTE, J., 2011, p. 64). No caso da presente pesquisa as entrevistas ocorreram individualmente, porém algumas perguntas realizadas durante nossos encontros, durante a observação participante, eram feitas geralmente com mais pessoas, colegas de trabalho ou familiares.

As entrevistas que realizei são caracterizadas como abertas - de acordo com a definição de Duarte (2011) - pois foram elaboradas a partir de um tema ou questão central e não possuíam um roteiro fixo, um itinerário a ser seguido. A entrevista aberta não possui uma sequência predeterminada de questões, bem como não tem um padrão de respostas; ela tem um ponto de partida, temas a serem discutidos, questões amplas, e isso faz com que ela flua livremente, sendo aprofundada em diferentes pontos de acordo com cada resposta (DUARTE, J., 2011, p. 65). Em

minhas entrevistas, iniciava com questões padrões, similares, para conhecer mais sobre a história pessoal de cada uma, sobre sua personalidade, família, trabalho. Às vezes pedia a elas que contassem sobre sua história de maneira livre, que falassem sobre suas vidas, para depois questionar sobre o consumo de smartphones e outros pontos referentes ao meu problema de pesquisa. Depois das perguntas iniciais, foram as temáticas que surgiram nas respostas de cada uma que guiaram o restante da entrevista. As perguntas não foram as mesmas para todas as mulheres pesquisadas. O assunto maternidade, por exemplo, não foi questionado a todas, e a questão da homossexualidade foi trabalhada apenas com uma de minhas pesquisadas. Os temas conversados e as perguntas realizadas nas entrevistas variaram muito de acordo com a história e com o que eu observava de cada uma, presencialmente e em suas mídias sociais.

É desta maneira, segundo Duarte (2011), que a entrevista aberta funciona, “[...] a resposta a uma questão origina a pergunta seguinte e uma entrevista ajuda a direcionar a subsequente. A capacidade de aprofundar as questões a partir das respostas torna este tipo de entrevista muito rico em descobertas” (DUARTE, J., 2011, p. 65). Porém é preciso ter cuidado para que as características de flexibilidade e permissividade das entrevistas abertas não façam com que o pesquisador perca o foco. É preciso garantir fluência e naturalidade com a capacidade de administrar as perguntas e respostas para que o resultado seja produtivo (DUARTE, J., 2011).

Algumas das entrevistas que fiz foram realizadas no próprio ambiente de trabalho das pesquisadas; essas, percebi que às vezes perdiam o foco, pois surgiam problemas para resolver ou clientes para atender que interrompiam o andamento da mesma, porém minutos depois retomávamos do ponto que havíamos parado. Com algumas realizava as entrevistas no final de semana, em um ambiente ao ar livre, mais sossegado. Uma vez levei algumas fatias de um bolo que eu havia feito – de laranja com cobertura de chocolate - como forma de agradar, de tornar nossa relação mais íntima, para que a entrevistada se sentisse a vontade, acolhida e para que nossa entrevista fosse agradável em meio ao final de semana dela. Foram realizadas mais de uma entrevista com cada participante da pesquisa, pois muitas vezes era preciso complementar, aprofundar ou discutir novas questões que surgiam no campo.

Travancas (2011) ressalta ainda que em uma entrevista aberta em profundidade “a princípio, tudo o que está sendo dito interessa e é importante, em

maior ou menor grau” (TRAVANCAS, 2011, p.103), porque todas as informações enunciadas pelo pesquisado são essenciais para a compreensão dele próprio, do grupo ao qual ele pertence, para o entendimento de sua cultura, de sua realidade. O pesquisador deve ainda ter sensibilidade e tomar cuidado para não julgar o que é dito pelo participante da pesquisa, suas atitudes, suas escolhas (TRAVANCAS, 2011, p.103), seu modo de ver e viver, que certamente é singular e diferente do pertencente ao pesquisador. Uma atitude básica e significativa na realização das entrevistas é saber escutar. Travancas (2011) afirma que em algumas ocasiões, o próprio fato de um entrevistado não responder a uma questão, mudar de assunto ou fingir não entender, pode significar tanto quanto uma resposta, e pode ser trabalhado e explorado em um momento posterior.

Além das entrevistas em profundidade, trago também a importância de se realizar a observação participante em uma pesquisa etnográfica. O fato é que muitas vezes as entrevistas não dão conta de mostrar toda a realidade do pesquisado. Referindo-se a temática da presente pesquisa, que busca compreender como se dá o consumo de um objeto, de uma tecnologia, a observação é essencial; os usos e apropriações que precisam ser percebidos são dados que as respostas das entrevistas não mostram. É preciso ver as coisas de dentro, no ambiente em que ocorrem (SILVA, 2006; PERUZZO, 2011).

A observação participante, segundo Peruzzo (2011), exige a constante presença do pesquisador no ambiente investigado, para que ele possa ver os fenômenos como eles realmente ocorrem. Esse método de pesquisa se baseia na inserção do pesquisador no ambiente natural dos informantes, na participação das atividades dos grupos pesquisados, no acompanhamento frequente e interação com a situação investigada (PERUZZO, 2011). Apesar de a observação participante ser valorizada e utilizada em várias áreas do conhecimento, como na educação, na antropologia, na sociologia, na administração, na comunicação social, etc., é preciso ter o cuidado para que ela não se transforme em uma “participação observante” (TRAVANCAS, 2011). Esse caso, apontado por Travancas (2011), pode ocorrer quando o investigador quer se colocar como “porta-voz” dos participantes de sua pesquisa. Por estar muito empenhado em entender o grupo estudado ele pode esquecer o seu compromisso como pesquisador e acabar deixando de lado o entendimento de que os dados e as informações do campo é que devem falar (TRAVANCAS, 2011).

Outro ponto importante mencionado por Peruzzo (2011, p. 136) é que toda etnografia pressupõe a observação participante, mas nem toda observação participante se caracteriza como etnográfica. Entender o papel do pesquisador em uma observação participante é crucial. O termo observação participante significa, para Travancas (2011, p.103), que o pesquisador não se coloca ingenuamente em relação a sua presença no grupo; ele deve estar atento ao seu papel como observador, saber que também é observado pelos seus pesquisados e que o fato de estar presente no ambiente do outro pode alterar a rotina dele e o seu comportamento.