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3.1 A institucionalização do Organismo: Carta das Nações Unidas

No documento As Nações Unidas e a Governança Global (páginas 50-53)

Assim, em São Francisco em 1945, nasce a Organização das Nações Unidas, onde a idealização liberal de Wilson (primeiramente), e de Roosevelt, iriam ser finalmente incutidas no seio deste Organismo, com a assinatura da Carta das Nações Unidas, onde para efetivar que os Estados Unidos, ao contrário da atuação na Sociedade das Nações, fosse um membro ativo e relevante no seio da Organização das Nações Unidas, a sua sede ficasse situada em

Nova Iorque e a sua atuação não fosse ofuscada ou denegrida pela decisão do Senado Americano, “(…) Washington also prepared an elaborate spying scheme in San Francisco to

guarantee its control over the conclave and to assure its favorable outcome. Although this latter stratagem was hardly a moral thing, both it and the authorship of the charter demonstrated how determined the U.S. government was to make a reality of its model for world security.” (Schlesinger, 2003:12)

Truman via na Carta das Nações Unidas, não apenas mais um tratado ou um acordo, mas como uma verdadeira Constituição, um instrumento vivo para o desenvolvimento do Sistema Internacional, que não tivesse um caráter intocável, mas que pudesse ser alterado, melhorado e expandido com o intuito de fortalecer a união dos Estados-Membros.27 O intuito

desta Carta seria a constitucionalização de uma Comunidade Internacional que iria ser guiada pelas diretrizes da Carta das Nações Unidas, e que mais do que nunca, compelia todos os Estados-Membros a seguir a direção deste mecanismo, onde prontamente no seu preâmbulo, demonstraram de maneira clara , os objetivos gerais que iriam pautar a atuação do Organismo.

“We the people of the United Nations determined:

- to save succeeding generations from the scourge of war, which twice in our lifetime has brought untold sorrow to mankind, and

- to reaffirm faith in fundamental human rights, in the dignity and worth of the human person, in the equal rights of men and women and of nations large and small, and

- to establish conditions under which justice and respect for the obligations arising from treaties and other sources of international law can be maintained, and

- to promote social progress and better standards of life in larger freedom. (Jolly; Emmerij;

Ghai e Lapeyre, 2004:5)

Através do parágrafo inicial da Carta das Nações Unidas, é perentoriamente identificável o caráter não só abrangente da sua atuação, na medida em que o peacekeeping, “(…) Como expressão genérica, a manutenção da paz visa a cessação de um conflito armado,

ou pelo menos a eliminação do factor violência da relação entre as partes, através da

27 (…) However, early on there was an awareness that just seeing the Charter as na agreement, treating

it like thousands of other international treaties, would not do justice to its outstanding importance in postwar international law. If the Charter was a treaty, then a very special one. Already in the final plenary session of the San Francisco Conference U.S. President Harry S. Truman compared the Charter with a constitution and stressed its character as a ‘living instrument’.” Vide a este respeito: Fassbender, Bardo (2009). The United Nations Charter as the Constitution of The International Community. Martinus Nijhoff Publishers. p. 2

definição, por exemplo, de acordos de cessar-fogo. É uma actividade empreendida por actores militares e civis de forma neutra e imparcial, com o consentimento das partes e recorrendo à força apenas em autodefesa” (Sousa, 2005:113), que sempre foi vislumbrado

como o objetivo essencial de alcance para a Segurança Internacional, estava agora intrinsecamente ligado a outras áreas de atuação que iriam ser igualmente importantes, como a área social, humanitária, económica e cultural. Ou seja, o objetivo fulcral de manutenção da paz e a segurança não ia, de forma alguma esvanecer, mas era necessário entender que para alcançar essa paz, todas as outras áreas de atuação teriam de ser desenvolvidas com igual preponderância, e é esta a ideia basilar absorvida no âmbito geral da Carta das Nações Unidas.

Mais que isso, a relutância dos Estados em relação à perda de influência no seio de um Organismo Internacional, também era uma inquietação global, no entanto foi percetível verificar que a Organização das Nações Unidas teria, sem dúvida, uma abordagem de abrangência universal, mas que não implicaria de forma alguma, assumir-se como uma “substituição” política dos Estados, mas sim como uma Organização Internacional Governamental, “(…) Estrutura institucional formal que transcende as fronteiras nacionais,

criada por acordo multilateral entre Estados. Traduz vontade política de cooperação e é dotada de organismos permanentes encarregados da concretização dos objectivos da organização. É estabelecida por tratado, embora seja possível a expansão das suas competências para fazer face a novas situações. Deste modo, embora os Estados retenham a autoridade em última instância, as organizações internacionais constituem um meio para actividades de cooperação e oferecem múltiplos canais de comunicação, que em diferentes níveis ultrapassam as estruturas diplomáticas tradicionais.” (Sousa, 2005:148). Assim, os

Estados continuariam a deter o controlo das suas ações num plano internacional, apenas teriam de respeitar as regras e leis impostas pelo Organismo, mas continuaria a caber aos Estados, na sua relação intergovernamental, a decisão sobre o futuro do Sistema Internacional.

Outra das disparidades facilmente identificáveis através deste documento, em relação ao trabalho da Sociedade das Nações, é a questão do desenvolvimento, que seria talvez a ação mais discutida no núcleo das Nações Unidas, isto é, mais do que a prevenção de conflitos, as Nações Unidas comprometiam-se, de forma vincada, a desenvolver todas as áreas de atuação da Organização. “(…) The Charter recognized the need for development action on

a global scale—to improve the standards of living of people universally and to promote full employment and conditions of economic and social progress in all parts of the world. The economic and social advances were also to be pursued with full respect for human rights and fundamental freedoms.” (Jolly; Emmerij; Ghai; Lapeyre, 2004:6). Esta afirmação forte de necessidade de desenvolvimento, surpreendeu a Comunidade Internacional, uma Comunidade onde a sua principal preocupação assentava na recuperação vagarosa de mais um conflito

massivo, e que assistia agora à assinatura de um documento “futurista” ou aparentemente inalcançável na linha temporal em que a conceção das Nações Unidas estava inserida.

Através da Carta das Nações Unidas, este Organismo é dotado de liberdade de atuação em todas as áreas das Relações Internacionais, garantindo personalidade jurídica para sancionar aqueles que inseridos no Organismo, infrinjam qualquer lei assumida em tratados ou convenções criadas pela Organização das Nações Unidas. Um importante passo que beneficiou a base jurídica das Nações Unidas, foi a permanência após o término da Sociedade das Nações, do Tribunal Permanente de Justiça Internacional, que passou a ser denominado como Tribunal Internacional de Justiça e que se tornou parte integrante da Carta das Nações Unidas. Nele foi definido que todos os Estados-Membros das Nações Unidas (51 membros na data da criação), estariam automaticamente inseridos no seio do Tribunal, apesar de também existir a possibilidade de aderência a Estados não inseridos nas Nações Unidas. O caráter regulador deste Organismo, que dotava desde a sua criação, de mecanismos capazes para atuar legitimamente no seio da Sociedade Internacional, atribuía-lhe uma dimensão que a Sociedade das Nações não detinha nos séculos anteriores, ou seja, a Organização das Nações Unidas encontrava-se assim preparada para agir de maneira efetiva e legítima sob qualquer ameaça ao Sistema Internacional.

3. 2 . A apreensão no futuro humanitário: Declaração Universal dos Direitos do

No documento As Nações Unidas e a Governança Global (páginas 50-53)