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O desafio da distribuição equitativa de bens públicos globais nas Nações Unidas

No documento As Nações Unidas e a Governança Global (páginas 79-82)

Como foi dissecado no primeiro capítulo, a gestão dos bens públicos globais, exige uma compreensão efetiva da complexidade dessa matéria. As Nações Unidas, sendo a entidade central, em comunhão com os Estados, num plano de Governança Global, seria a principal responsável, na supervisão da alocação desses bens, e na relação entre o cariz público e privado dos mesmos, procurando progressivamente equilibrar o mercado económico, esvanecendo a matriz anárquica e inconstante de uma economia liberal. As áreas de atuação das Nações Unidas, constituem bens globais como a Paz, a Segurança e os Direitos Humanos, e a própria Carta das Nações Unidas, devido ao seu cariz universal, também pode ser observada como um bem público global, “Our core argument revolves around the

proposition that the United Nations (UN) Charter itself was conceived as a global public good and that the UN’s contribution for the production of global public goods has evolved historically.” (Carbonnier, 2012:31). O caráter “futurista” da Carta das Nações Unidas, como

já foi referido, atribui-lhe então, a distinção de bem público global, que neste caso, vislumbrado como uma “ferramenta” de desenvolvimento, possibilitou a expansão de outros bens globais, isto é, a Carta das Nações Unidas criou frameworks para a propagação desses bens. Com isto, a relação dos bens públicos globais, no processo de desenvolvimento das Nações Unidas é evidente, devido ao projeto abrangente da Organização, e através da multilateralidade das suas ações. Esta proliferação dos bens públicos globais, não foi acompanhada por uma abordagem dinâmica e efetiva das Nações Unidas, que como vimos anteriormente, pautou-se pela inconsistência, isto é, o problema não se encontrava no número de subórgãos e agências, que constituíam as Nações Unidas, mas na reconfiguração da sua atuação para alcançar uma redistribuição positiva desses bens.

Os mecanismos estavam presentes, mas carecia de uma estratégia para os envolver multilateralmente de forma sólida e constante. “(…) What makes global public goods

different from other economic issues, however, is that there is no workable mechanism for resolving these issues efficiently and effectively.” (Samuelson, 2005:2). Com isto, a

importância da Governança Global, como estrutura responsável por organizar e regular as relações entre os atores internacionais, para a promoção e equilíbrio desses bens. Torna-se perceptível, que abordar os bens globais sem envolver o espetro da Governança, é claramente um erro, porque os bens globais, tal como todos os atores internacionais, têm de estar envolvidos na Governança Global.

Nesta linha de pensamento, é importante analisar as dificuldades de distribuição e efetivação dos bens públicos globais, através de dois problemas estruturais no projeto multilateral das Nações Unidas. A problemática da inconsistente interdependência estatal no seio da Organização, isto é, a carência de uma transferência voluntária da soberania e legitimidade do Estado, para o espetro multilateral e abrangente da Nações Unidas, e a ausência de uma ligação robusta entre as inúmeras agências, subórgãos e fundos de desenvolvimento do Organismo, em prol de um “bloco comum” de abordagem à distribuição efetiva dos bens públicos globais.

A ineficaz transposição do poder estatal para uma esfera global, assumiu-se no percurso das Nações Unidas, como um entrave a uma abordagem dinâmica de “ataque” aos problemas de distribuição e desenvolvimento dos bens públicos globais. O Estado enquanto entidade soberana, apresentou sempre dificuldades em diluir a sua soberania, em prol de uma relação de interdependência mais funcional, restringindo a atuação da Nações Unidas, no processo de desenvolvimento das diversas áreas de foco do Sistema Internacional, incluindo a disfunção dos bens globais.

Com a progressiva expansão de Estados independentes, derivado do processo de descolonização, a gestão sustentável desses bens, tornou-se mais complexa pelo aumento de atores estatais, que procuravam criar dinâmicas de desenvolvimento no seu âmbito territorial. Daí a importância, da já referida democratização total dos Estados, numa estrutura de Governança Global, para que a gestão de bens globais, não fosse limitada pelos “choques” ideológicos políticos, isto é, a inclusão de princípios democráticos e diplomáticos no Estado, favorecia um processo negocial intergovernamental sobre os bens públicos mais eficaz e transparente, transportando gradualmente as economias internas, para uma realidade global, mais preparada conjuntamente para lidar com a distribuição dos bens públicos globais, reduzindo progressivamente as externalidades e as falhas do mercado.

Esta problemática sistémica, de desconfiança entre Estados, afeta assim, a conceção de uma “boa” governança, e paralelamente a regulação do mercado financeiro e o equilíbrio dos bens globais. As Nações Unidas apresentavam-se assim até à década de 90, como um mecanismo que necessitava de aprimoração, para garantir a progressiva independência da regulatória desses bens, ou seja, num cenário de “boa” governança global, a regulação e distribuição de bens globais, teria de gradualmente ser autossustentável, reduzindo a dependência do seu controlo por parte dos atores internacionais. Nas palavras de Carbonnier (2012: 32) “(…) The first is that global public goods increasingly will need to be produced by

creating shared values and will depend less on enlightened leadership.”

É notório que esta dinâmica, não parece concretizável no panorama internacional em que estamos inseridos, pelo menos enquanto os diversos atores, não se sentirem inseridos e confiantes numa estrutura global de Governança, onde a transparência negocial na discussão sobre bens públicos globais seja uma realidade. As Nações Unidas, durante décadas, falharam nesse propósito, pois a inclusão e participação das várias agências do Organismo em relações

de interdependência, exigiam uma relação mais próxima entre os diferentes órgãos e agências, que os compelisse a alicerçar o seu trajeto num rumo comum, e não diluir a sua influência nas diversas áreas, isto é, as Nações Unidas, não foram capazes de criar uma estratégia única de aproximação a um objetivo comum, de equílibrio operante dos bens globais, mas pelo contrário, foi “refém” do caráter abrangente e global dos diversos bens públicos, desfragmentando-se paulatinamente, originando a disfuncionalidade na distribuição e utilização desses bens. Podemos encontrar um exemplo desta disfunção, no “adormecimento” do desenvolvimento da área dos direitos humanos, como um bem global, até à década de 90.

Devido à carência de uma participação num projeto global e comum, o desenvolvimento e proteção das diversas áreas de abrangência das Nações Unidas, não sucedeu de maneira efetiva, constante, e sobretudo integral, que vislumbrasse as diversas áreas de atuação como “blocos firmes” para a paz e segurança dos Sistema Internacional, e que por isso, desregulou progressivamente a distribuição efetiva dos bens globais, como os direitos humanos, que até à década de 90, foram suplantadas pelo âmbito económico e militar. “(…) Building a sustainable peace required expanding the space for international

leadership, drawing on social forces to put in place and strengthen the building blocks to peace and providing an inclusive form of governance that reached out to multiple stakeholders.” (Carbonnier, 2012:34). Daí, a relevância da década de 90, e das

condicionalidades provocadas pelo término da Guerra Fria e pela emergência da globalização (já referidas anteriormente), na constituição de um momento chave para a reconfiguração e a reforma das Nações Unidas, numa estrutura de Governança Global.

Capítulo V - Governança global no pós-Guerra

No documento As Nações Unidas e a Governança Global (páginas 79-82)