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A Conceção da Organização das Nações Unidas: Uma esperança renovada

No documento As Nações Unidas e a Governança Global (páginas 48-50)

O despontar do segundo grande conflito do século XX e a notória falência da Sociedade das Nações, que falhou no seu objetivo principal e assumido de evitar um novo conflito da dimensão da Primeira Guerra, abarcaram um panorama crítico na Sociedade Internacional para a segunda metade do século, ainda mais aterrorizador do que o verificado anteriormente, não apenas porque mais uma vez não foi possível criar mecanismos de cooperação que compelissem os Estados a criar relações saudáveis de interdependência, mas também porque as ameaças securitárias à Sociedade Internacional tornaram-se cada vez mais letais com a emergência do armamento nuclear. Confirmou-se (novamente) que os Estados demonstravam incapacidade em abdicar da sua soberania e não depositavam qualquer confiança em Organismos multilaterais que os coagissem a introduzir um elemento de dependência e cooperação para a paz.

O descrédito da Sociedade das Nações e a sua ação inconsequente não foi derivada apenas por uma desorganização executiva, carência de apoio financeiro, objetivos irrealistas ou mecanismos inconsequentes, pois as constantes vicissitudes eram novamente sistémicas, na posição central e irrevogável do Estado como ator principal do Sistema Internacional, na inequívoca direção focalizada nos interesses e vontade estatais no Organismo, com a ausência de concretização de uma estratégia cooperativa para a paz, que originaram um mecanismo idealmente direcionado para promover a relação de todos os atores internacionais na procura de um futuro cooperativo e diplomático, em mais uma ferramenta para obter poder e dilatar a soberania interna.

Isto é, os problemas identificados como preponderantes para a criação efetiva de um Organismo Internacional, que sucede à Sociedade das Nações, não foram debruçados sobre a constatação da falência da doutrina idealista liberal, mas sim, na remodelação da sua base, não sucumbindo à visão realista, mas readaptando as lacunas deste modelo liberal, assistindo- se à manutenção da visão liberal de Wilson, e “agora” de Roosevelt e Truman. “(…) Some

blamed this failure on the irresponsibility of smallstates; others rather the egoism of the Great Powers. Still others imputed the League's failure more directly to weaknesses in its own constitution and machinery: the proper ingredients were there, but the political dosage was inadequate. lt was especially among those who held this view that the idea of a wide international federation began to be embraced as a new hope.” (Mitrany, 1966:94)

Com isto, e com o findar da segunda guerra, o inconsequente modelo cooperativo da

Sociedade das Nações, exigia uma resposta firme de persistência e de recuperação, aliado à perceção de que um Organismo como a Sociedade das Nações detinha todas as condições para demonstrar capacidade e ser mais um elemento no caminho da cooperação, se a sua gestão e atuação fosse efetiva e bem executada, ou seja, era inegável a contribuição que uma

Organização Multilateral e Global poderia ter, mas não do modo como foi praticada nas décadas anteriores, onde se verificava que realmente o elemento diplomático, de discussão sobre interesses cooperativos e resolução de problemas num espaço comum, poderia ser efetivamente a resposta para amenizar as Relações Internacionais, contudo as contínuas demonstrações de incapacidade dos Estados em diluir a sua soberania através das variadas “ferramentas” de diálogo e cooperação, comprometeram o futuro deste Organismo.

Era então basilar, recuperar a confiança dos atores internacionais na capacidade de atuação de organismos multilaterais, aproveitando os limitados indicadores positivos do legado da Sociedade das Nações (Organização Mundial de Saúde, o Tribunal Permanente de Justiça e a Organização Mundial de Trabalho), e alterar e aperfeiçoar todos os restantes mecanismos inconsequentes do Organismo. Pois era fulcral que numa etapa tão decisiva para o Sistema Internacional, não se observasse a Sociedade das Nações apenas como o fracasso inequívoco que efetivamente foi, mas como um espaço de reaprendizagem e de adaptação para o Sistema Internacional, de preparação para a adoção de um projeto mais efetivo na resposta às ameaças que a Sociedade das Nações não conseguiu suster.

Assim, e ainda em pleno conflito no ano de 1942, nasce a Declaração das Nações Unidas, como base escrita de uma disputa que uniu Estados Unidos, Reino Unido, URSS e a China, para devolver a independência, a liberdade e a justiça àqueles que durante largos anos se viram envolvidos numa luta incessante pelo poder. Este foi o documento que originou posteriormente em 1945, a criação oficial da Organização das Nações Unidas, um projeto que nasce no término do conflito, mas que já teria sido idealizado e preparado no desenrolar da segunda guerra. Mais uma vez, o Sistema Internacional teria a oportunidade de redesenhar o mapa geopolítico internacional e criar um Organismo que regulasse todas as atividades externas dos atores internacionais, sempre com um papel ativo na procura do desenvolvimento. Nasce um Organismo que foi de novo pensado e estruturado com ideais americanos, através de Roosevelt (que faleceu antes da criação oficial do Organismo), mas que no seu núcleo inseriu todos os ideais liberais “recuperados” do pensamento e visão de Woodrow Wilson, “uma peça” tão importante mas esquecida desde a atuação inglória da Sociedade das Nações, e desta forma foi criado um Organismo, que não iria ser apenas pensado e idealizado por uma visão liberal americana, como sucedeu na Sociedade das Nações, mas sim também executado sob esses ideais.

Este projeto era um sonho de Roosevelt e do seu vice-presidente Harry Truman, que após assumir a presidência dos Estados Unidos realçou a importância em concretizar o sonho do seu antecessor. Nas palavras de Truman:“(…) the task of creating a sound international

organization is complicated and difficult. Yet, without such an organization, the rights of men on earth cannot be protected. Machinery for the just settlement of international differences must be found. Without such machinery, the entire world will have to remain an armed camp.” He concluded by saying that although the Big States “have a special

responsibility to enforce the peace, their responsibility is based upon the obligations resting upon all states, large and small, not to use force in international relations except in the defense of law. The responsibility of the Great States is to serve and not dominate the world.” (Schlesinger, 2003:22)

Esta abordagem ao papel do Estado seria fulcral para o sucesso do Organismo, o Sistema Internacional não poderia continuar “refém” da vontade inegável do Estado enquanto detentor de poder absoluto, principalmente dos Estados mais fortes que influenciavam a atuação sob aqueles que não detinham poder para se defender. Porque acima de tudo, e seguindo a teoria de Estado de Immanuel Kant, “ (…) On the consent-based approach, we are

obligated to the state because we have consented to its authority; its authority is supposed to be based on a choice we made between two morally permissible alternatives (give one’s consent to, or withhold one’s consent from state authority)” (Kleingeld, 2006:179). Esta

autoridade inegável que o Estado têm sobre a sua população, no seu território, transmite-lhe uma moralidade legítima para expandir essa mesma autoridade por todo o Sistema Internacional, e o Indivíduo enquanto ator isolado, não detém condições para evitar que essa hipotética moralidade legítima se propague por toda a Sociedade Internacional, daí a importância da existência de um Organismo Multilateral e Global que não só seja capaz de dar voz a esse mesmo Individuo, mas que a multiplique por todos os atores internacionais, de maneira a introduzir uma nova perspetiva de uma necessidade basilar de interdependência estatal, que compele os Estados a compreender que esta será a única forma de sobrevivência e de desenvolvimento.

Esta mudança de visão sobre o papel dos Estados mais poderosos, não como entidade dominadora, mas como responsável pelo desenvolvimento e ajuda de Países carenciados, era o pilar da criação deste novo Organismo, que decididamente assumia o papel de derradeira Organização Internacional, responsável pela regulamentação das Relações Internacionais, não pelo uso abusivo da força, mas pela utilização da lei do direito, sendo obrigatório uma demonstração irredutível no uso de “instrumentos” sancionatórios. Sem esta mudança de paradigma, a Organização das Nações Unidas estaria destinada, tal como a sua antecessora, ao fracasso.

No documento As Nações Unidas e a Governança Global (páginas 48-50)