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A institucionalização do termo Agricultura Familiar no Brasil

No documento AINDA EXISTEM LATIFÚNDIOS NO BRASIL? (páginas 143-159)

4 INTERPRETAÇÃO DAS ESTRUTURAS AGRÁRIA E FUNDIÁRIA –

4.1 O processo de regulamentação dos dispositivos constitucionais relativos

4.2.2 A institucionalização do termo Agricultura Familiar no Brasil

A década de 1990 foi muito importante para a agropecuária brasileira, em especial pelos processos de regulamentação dos dispositivos constitucionais que versavam sobre a reforma agrária e também pelas discussões acerca da política agrícola e seus desdobramentos. Foi a partir da década de 1990 que as discussões sobre a agricultura familiar – no sentido de sua delimitação e institucionalização –

ganharam amplitude teórica e política, passando a fazer parte, cada vez mais, das reflexões sobre o espaço agrário brasileiro. Tanto que sua utilização não ficou restrita ao meio acadêmico, sendo também incorporada na legislação brasileira que trata das questões agrárias.

No meio acadêmico brasileiro, a definição de agricultura familiar ganhou destaque através dos estudos realizados por Ricardo Abramovay (1990), José Eli da Veiga (1991) e Hugues Lamarche (1993), entre outros. Estes autores contribuíram para que a difusão da expressão agricultura familiar se realizasse no Brasil, visto que era concebida como uma categoria amplamente reconhecida nos países considerados desenvolvidos, em especial nos Estados Unidos da América, conforme apontou Schneider (2003).

Fora do campo acadêmico, a noção de agricultura familiar emergiu de um contexto histórico, político e econômico marcado por importantes lutas que expressavam demandas dos trabalhadores do campo. Desde a década de 1970, contexto marcado pela modernização conservadora da agricultura e dos riscos de expropriação inerentes, os pequenos agricultores buscavam melhorias em suas condições de vida, via obtenção de crédito, via extensão rural e por meio da requisição de direitos sociais (MIRANDA; TIBURCIO, 2011). Na década de 1980, através de uma série de mobilizações (oxigenadas pelo fim do regime militar e transição para regime democrático, tal como comentado anteriormente) e do ganho de importância representativa de suas lideranças, os trabalhadores do campo apareceram na cena pública, buscando o seu lugar político na sociedade, denotando maior visualização de suas demandas e incluindo-as no debate da Assembleia Nacional Constituinte e, por conseguinte, na Constituição Federal de 1988.

Assim, no final da década de 1980 e início da década de 1990, paralelamente à luta pela reforma agrária, havia o processo de reivindicação de políticas agrícolas específicas para os chamados pequenos produtores. De acordo com Schneider, Mattei e Cazella (2004, p. 22), “no âmbito da Comissão de Agricultura do Congresso Nacional, [o] período 1988 a 1993, [...] foi marcado pelas grandes discussões [...], onde os trabalhadores rurais transformaram-se em atores importantes e com grande domínio da agenda pública dos dois temas”.

Em específico às disputas em torno da política agrícola, que envolvia também debates acerca da representação dos pequenos produtores familiares e do reconhecimento e afirmação de suas demandas, o processo culminou na regulamentação da política agrícola, constante nos Artigos 187 e 188 da Constituição Federal de 1988, por meio da sanção da chamada Lei Agrícola (Lei n° 8.171, de 17 de janeiro de 1991).

Essa Lei foi elaborada a partir do mandamento constitucional, constante no Art.

50 dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), da Constituição

Federal de 1988, que estipulava o prazo de um ano para que a promulgação da Lei Agrícola fosse realizada. Contudo, tendo como origem o PLS n° 176/1989, de autoria do senador Nelson Carneiro (PMDB), a tramitação do projeto de lei estendeu-se por cerca de dois anos, englobando debates e projetos substitutivos nas duas casas legislativas (Câmara dos Deputados Federais e Senado Federal) e angariando apoio explícito da CONTAG e de outras entidades representativas de trabalhadores rurais e pequenos agricultores, tais como o MST, o Departamento Nacional dos Trabalhadores Rurais – DNTR/CUT e a CPT.

A Lei Agrícola regulamentou, desse modo, a política agrícola no Brasil, fixando e definindo os fundamentos, os objetivos e as competências institucionais, prevendo ações e instrumentos relativos às atividades agropecuárias, agroindustriais e de planejamento das atividades pesqueira e florestal (BRASIL. Lei nº 8.171/1991, Art.1º).

De forma geral, entre os objetivos da política agrícola regulamentada, estavam: a promoção da descentralização da execução dos serviços públicos de apoio ao setor rural; a compatibilização das ações de política agrícola com as de reforma agrária; a participação de todos os setores atuantes no setor rural, na definição dos rumos da agricultura brasileira; a prestação de apoio institucional ao produtor rural, com prioridade ao pequeno produtor e sua família; e o estímulo ao processo de agroindustrialização (BRASIL. Lei nº 8.171/1991, Art.3°).

Com relação às demandas dos trabalhadores do campo, em especial aos chamados, no texto da lei, por “pequenos agricultores” e “pequenos e médios produtores”, o conteúdo da Lei expressou indicações em torno da: prestação de apoio institucional ao produtor rural, com prioridade de atendimento ao pequeno produtor e sua família (Art. 1°); prioridade da geração e adaptação de tecnologias agrícolas ao desenvolvimento dos pequenos agricultores (Art. 12°); oferta de assistência técnica e assistência rural, de forma gratuita, aos pequenos produtores e suas formas associativas (Art. 17°); financeirização da atividade rural e da aquisição e regularização de terras pelos pequenos produtores, posseiros, arrendatários e trabalhadores rurais por meio de crédito rural (Art. 48°).

Posteriormente à sanção da Lei Agrícola e como consequência do processo de abertura econômica promovido pelo governo Collor,81 a agricultura brasileira viu-se penalizada, “principalmente pelos baixos preços pagos aos produtores e pelos altos encargos financeiros incidentes sobre o crédito rural” (BRASIL. SF, Relatório Final da CPMI de requerimento n° 92/1993, 1994, p. 08). Essa situação levou os agricultores ao endividamento, diminuindo perspectivas de ganho econômico, especialmente dos pequenos e médios produtores rurais, que sofriam com a concorrência dos produtos agrícolas importados de países integrantes do Mercado Comum do Sul

81 A este aspecto, Delgado (1994, p.09) esclarece que a “diminuição do papel gestor da União, em termos de política agrícola e de abastecimento, é um resultado concreto da situação fiscal do Estado que aponta em várias direções: desmonte, privatização, descentralização, reorganização do setor público, etc.”.

(MERCOSUL), aos quais não incidiam alíquotas de importação, e, portanto, tornavam-se amplamente competitivos no mercado nacional.

Sobre esse contexto, Cordeiro, Schmitt e Armani (2003, p. 13), no Relatório preliminar do estudo encomendado pela FAO sobre o impacto do ajuste estrutural dos anos 1990 sobre a dinâmica das organizações sociais do campo no Brasil, descreveram que

a desregulamentação dos mercados de trigo e leite e a eliminação de subsídios ao trigo levaram a um incremento nas importações destes produtos. A criação do Mercosul em 1994, ampliou as possibilidades de relações comerciais com os países vizinhos membros do acordo, dos quais o Brasil veio a tornar-se um importador de produtos agrícolas.

Além disso, os mesmos autores afirmaram que, do ponto de vista dos pequenos produtores rurais, “os gastos do Tesouro com o perdão das dívidas de grandes produtores, a diminuição dos recursos para o crédito e as demais mudanças introduzidas visando a transferência desse serviço para o setor privado” (CORDEIRO;

SCHMITT; ARMANI, 2003, p. 30) foram interpretadas como sendo negativas para o setor agropecuário.

Dessa forma, enquanto reação a estas mudanças, os trabalhadores do campo, em especial os pequenos e médios produtores rurais, se mobilizaram e intensificaram a reivindicação por suas demandas. Nessa perspectiva, Schneider, Mattei e Cazella (2004) e Schwantes, Basso e Prestes de Lima (2011) relatam dois aspectos que fizeram emergir uma nova perspectiva para a agricultura brasileira, a qual também foi decisiva para que o termo “agricultura familiar” passasse a ser utilizado nos documentos oficiais do governo brasileiro.

Um desses aspectos possui relação com a organização do movimento sindical dos trabalhadores rurais capitaneado pela CONTAG e pelo Departamento Nacional de Trabalhadores Rurais (DNTR) da CUT, tendo em vista que estes foram os principais organizadores das reivindicações e lutas para a chamada “‘reconversão e reestruturação produtiva’ dos [pequenos produtores] afetados pelo processo de abertura comercial da economia, na ocasião influenciado pela criação do Mercosul”

(SCHNEIDER; MATTEI; CAZELLA, 2004, p. 22). Dessa forma, por conseguinte, na primeira metade da década de 1990, as demandas dos pequenos produtores familiares “ganharam destaque nas ‘Jornadas Nacionais de Luta’ [...], que a partir de 1995 passaram a ser denominadas de ‘Grito da Terra Brasil’” (SCHNEIDER;

MATTEI; CAZELLA, 2004, p. 22), e que eram organizadas conjuntamente com outros movimentos sociais, como o MST.

Em 1993, após a realização do Fórum Sul dos Rurais da CUT, em Chapecó/SC, ficou definido que o crédito – para a recuperação e a implementação de infraestrutura

necessária aos pequenos estabelecimentos rurais competirem com os produtores dos países do Mercosul – seria a bandeira central do movimento sindical naquele momento (NUNES, 2007). No mesmo ano, os movimentos sociais, representados pela CONTAG, apresentaram ao governo federal uma proposta de crédito subsidiado, objetivando a inserção das demandas no planejamento da safra agrícola 1994/1995.

Segundo Delgado (1994), tal proposta era compreendida pelas seguintes reivindicações principais:

A conceituação precisa do pequeno produtor, a ser objeto de lei específi-ca, para efeito de diferenciação de políticas públicas. Esta conceituação deveria considerar: i) a utilização direta do trabalho familiar, sem con-curso do emprego assalariado permanente, sendo permitido o recon-curso eventual à ajuda de terceiros, em face das exigências sazonais da ativi-dade agrícola; ii) área total dos imóveis, detido em qualquer título, não ul-trapassando 4 módulos fiscais; iii) que 80% da renda familiar do produtor fosse proveniente da atividade rural; iv) que resida no imóvel rural ou em aglomerado rural ou urbano próximo;

A vinculação de recursos públicos para a categoria pequeno produtor, através da destinação de cerca de 50% dos recursos públicos de crédito rural;

A implantação de um sistema de seguro agrícola para o pequeno produ-tor;

O estabelecimento de políticas públicas específicas de reorganização do sistema de assistência técnica, articulando pesquisa e extensão;

O desenvolvimento – por parte da EMBRAPA, empresas estatais e univer-sidades – de pesquisas adequadas à produção familiar e à preservação do meio ambiente.

A proposta apresentada pela CONTAG tinha muitas semelhanças com os textos que viriam a ser publicados pelo governo federal em razão das demandas e pressão dos pequenos produtores familiares na década de 1990 e primeira metade da década de 2000. A terminologia utilizada nesse momento, entretanto, não fazia referência explicita à categoria agricultura familiar. A categorização desse segmento de trabalhadores do campo era realizada pela utilização do termo “pequeno produtor rural”, ancorado na noção de unidade familiar de produção, em razão do tamanho de área, força de trabalho empregada e na origem da renda familiar.

Ainda em 1993, os debates em torno das novas condições para a agricultura contribuíram para que fosse criado, através da Portaria Ministerial n° 692, de 30 de novembro de 1993, um grupo de trabalho para analisar as questões relacionadas

ao segmento dos pequenos produtores. De acordo com Schwantes, Basso e Prestes de Lima (2011, p. 64), os resultados alcançados embasaram “uma série de recomendações para a criação de uma política específica” para o segmento dos pequenos produtores rurais.

Outro aspecto importante, que contribuiu para a configuração das novas políticas públicas direcionadas aos pequenos produtores rurais, foi a realização da parceria e da cooperação técnica entre a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO) e o INCRA. Através de uma série de pesquisas e estudos realizados na década de 1990, a cooperação FAO/INCRA contribuiu para a explicitação e delimitação da agricultura familiar.

Conforme apontou Brose (1999), a partir do estudo FAO/INCRA denominado Diretrizes de Política Agrária e Desenvolvimento Sustentável, a agricultura familiar deveria ser definida com base em três características centrais: i) gestão da unidade produtiva realizada por pessoas que mantém entre si laços de parentesco; ii) a maior parte do trabalho realizado por membros da família; e iii) os meios de produção pertencentes à família.

Posteriormente, num outro estudo, a cooperação FAO/INCRA (1996) realizou a criação de uma tipologia dos agricultores rurais com base em suas condições básicas de produção. Essa tipologia era composta por: a) Agricultores familiares: eram considerados agricultores familiares os produtores, proprietários ou não da terra, que detinham o controle do processo de trabalho e utilizavam a mão de obra familiar;

b) Agricultores patronais: eram aqueles que comandavam diretamente o processo de trabalho baseado na mão de obra assalariada; c) Agricultores capitalistas: tanto agricultores, como empresas, eram denominadas de capitalistas quando as unidades de produção eram baseadas na aplicação de capital e no trabalho assalariado, existindo processos de gestão produtiva, realizada por gerentes e administradores.

Assim, conforme ressaltaram Schwantes, Basso e Prestes de Lima (2011, p. 65), estes estudos realizados pela parceria entre a FAO e o INCRA, “estabeleceram também um conjunto de diretrizes que passaram a orientar a formulação de políticas para atender de modo [mais] adequado as especificidades dos agricultores familiares”.

Foi nesse contexto que se criou o primeiro Programa que buscou ajustar as políticas públicas às demandas e reivindicações dos trabalhadores do campo. Trata-se do Programa de Valorização da Pequena Produção Rural (PROVAPE) – criado por meio da Resolução n° 2.101/1994, do Banco Central do Brasil (BACEN) – que consistia numa linha de crédito específica para a safra de verão 1994-1995 e que possuía critérios de acesso restritos aos pequenos produtores.

O alcance e a repercussão desse Programa, entretanto, obteve pequena efetivação enquanto fomento às atividades produtivas desenvolvidas pelos pequenos produtores, pois as exigências impostas pelas instituições financeiras para oferecem

o crédito eram rigorosas e a grande maioria dos agricultores não conseguiam acesso aos recursos. Assim, a importância do PROVAPE se materializou através da “transição que ali se inicia[va], em direção a uma política pública diferenciada por categorias de produtores rurais” (SCHNEIDER, MATTEI; CAZELLA, 2004, p. 23).

A criação do PROVAPE para a safra de verão 1994-1995, conjuntamente com as contínuas pressões realizadas pelas entidades representativas dos trabalhadores do campo,82 possibilitou a reformulação e forçou a criação de uma linha de crédito permanente para os, até então, chamados de pequenos produtores rurais. Isso correu no ano de 1995, no governo de Fernando Henrique Cardoso, quando foi estabelecida a linha de crédito do Programa Nacional da Agricultura Familiar (PRONAF) (BRASIL.

BACEN. Resolução 2.191, de 24 ago. 1995).

Somadas a estas modificações ocorridas em 1995, e ainda como desdobramento das mobilizações dos trabalhadores do campo, em 28 de julho de 1996, por meio do Decreto n° 1.946, foi institucionalizado o Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF). Assim, em 1996, o PRONAF deixou de ser apenas uma linha de crédito e transformou-se num programa de governo, direcionado ao segmento rural constituído pelos agricultores familiares e vinculado institucionalmente ao então Ministério de Agricultura e Abastecimento. O PRONAF tornou-se, dessa forma, uma política pública, com o objetivo aumentar a capacidade produtiva, a geração de empregos e a melhoria da renda no campo por meio da oferta de crédito.

Sobre esse contexto, os pesquisadores do Instituto de Pesquisas Econômica Aplicada (IPEA), Brancolina Ferreira, Fernando Gaiger Silveira e Ronaldo Coutinho Garcia e a pesquisadora Maria José Carneiro, explicam que

a política agrícola definida para conduzir a modernização da agricultura nacional – até o Pronaf – tinha um foco único: o aumento da produtividade, a partir da incorporação de avanços tecnológicos, e um público-alvo relativamente homogêneo: a empresa rural, viabilizável, sobretudo em função da disponibilidade de grandes áreas de terra e acesso garantido a numerosos e abundantes subsídios fiscais e creditícios (FERREIRA; SILVEIRA; GARCIA, 2001, p. 481).

A agricultura de base familiar e a sua base fundiária era, dessa forma,

relegada a segundo plano e até mesmo esquecida pelo Estado, [...]

[tendo] sobrevivido em meio à competição de condições e recursos orientados para favorecer a grande produção e a grande propriedade – setores privilegiados no processo de modernização da agricultura

82 De acordo com Favareto e Bittencourt (1999), as edições dos Gritos da Terra Brasil foram importantes para que o segmento dos pequenos produtores rurais ocupassem a centralidade nos debates em torno dos processos de negociação e adoção do termo agricultura familiar. Os autores explicam que no momento em que a CONTAG se filiou à CUT/Rural (no congresso da CONTAG de 1995), ficou reafirmada a opção pelo uso do termo agricultura familiar.

brasileira. [...] A proposta de um programa de fortalecimento da agricultura familiar voltado para as demandas dos trabalhadores –sustentado em um modelo de gestão social em parceria com os agricultores familiares e suas organizações– representa um considerável avanço em relação às políticas anteriores. Tal tentativa de ruptura é intencional e explícita no próprio texto do Pronaf, quando ele chama a si o desafio de construir um novo paradigma de desenvolvimento rural para o Brasil, sem os vícios do passado.

(CARNEIRO, 1997, p. 70).

De tal modo, o PRONAF, enquanto política pública, explicitou a intenção de melhorar a qualidade de vida dos agricultores familiares, mediante o fomento do aprimoramento profissional do agricultor familiar, por meio de estímulos à pesquisa, desenvolvimento e difusão de técnicas adequadas à agricultura familiar, com vistas ao aumento da produtividade do trabalho agrícola, conjugado com a proteção do meio ambiente. O programa buscou também proporcionar ações para adequar e implantar infraestrutura física e social necessária para melhorar o desempenho produtivo dos agricultores familiares, incluindo, nesse quesito, a obtenção de financiamentos em volume suficientes dentro do calendário agrícola, de modo, a manter o acesso e permanência dos agricultores no mercado, em condições competitivas (BRASIL.

Decreto n° 1.946/1996, Art. 2°).

O critério para enquadramento dos produtores rurais no PRONAF se estabelecia mediante a estipulação de um limite de renda bruta advindo das atividades rurais.

Tal passo que no final da década de 1990, as linhas de crédito do PRONAF foram estratificadas em A, B, C e D, de modo a agrupar os trabalhadores conforme a renda bruta apresentada, implicando na incidência dos juros, a qual seria menor para os agricultores com menor renda.83

Nesse contexto, de forma geral, destaca-se, com a elaboração do PRONAF, a gênese do processo de institucionalização da definição de agricultura familiar no Brasil. Isso porque, conforme assinalaram Cordeiro, Schmitt e Armani (2003, p. 36),

“a categoria ‘agricultor familiar’ ainda não tinha sido utilizada como instrumento de definição de uma política de crédito voltada a esse setor”. As categorias anteriormente utilizadas para fazerem referência aos trabalhadores do campo, caracterizados por realizarem sua produção em escalas pequenas, eram expressas – tanto na Lei Agrícola, quanto nas resoluções do Banco Central ou em outros documentos – por: pequenos agricultores, pequenos produtores, pequena produção, produção de subsistência, agricultores de baixa renda, minifundiários, mini-agricultores, entre outras.

Outro fator importante para a concretização da definição intitucional da agricultura familiar diz respeito à criação do Ministério do Desenvolvimento Agrário

83 Sobre a caracterização das especificidades do PRONAF, nesse contexto histórico, ver: Cordeiro, Schmitt e Armani (2003). Sobre a Declaração de Aptidão ao Pronaf (DAP), em razão das linhas de créditos atuais, ver:

MDA, 2015.

(MDA), em janeiro de 2000 – como já comentado. Essa criação transferiu do Ministério da Agricultura para o MDA as “atribuições relacionadas com a promoção do desenvolvimento sustentável do segmento rural constituido pelos agricultores familiares” (MARQUES, 2007, p. 13).

Acerca dos motivos para essa separação, é importante transcrever um trecho de um folheto elaborado pela CONTAG, pelas Federações dos Trabalhadores na Agricultura (FETAGs) e Sindicatos de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (STTRs) na ocasião das manifestações do Grito da Terra de 2010. O folheto explica que:

A agricultura familiar é fundamentalmente um modo de viver. Daí sua vocação na produção de alimentos, na utilização racional e sustentável dos recursos naturais e na preservação de culturas e formas de vida.

Afinal é o local de morada, de vida e de reprodução. Portanto, ela é radicalmente diferente da grande propriedade rural, impessoal, desenraizada e que se destina basicamente à exploração para a obtenção do lucro [renda]. Esta diferença é gritante, ainda em que pese o esforço da maioria da bancada ruralista em tentar vender a idéia de que na agricultura e na produção somos todos iguais. É preciso não esquecer que o Ministério da Agricultura, enquanto representava esta ‘agricultura única’, não desenvolveu, sequer, um único projeto diferenciado que atendesse aos interesses dos agricultores/as familiares, que permaneceram décadas servindo apenas de biombo para a implementação dos programas e reinvindicações dos grandes produtores. (CONTAG, FETAGs; STTRs, 2010, p. 01)

Assim, a separação dos ministérios possibilitou a atribuição de maior atenção, por parte do MDA, à elaboração e consolidação de políticas públicas de suporte à agricultura familiar, uma vez que o Ministério da Agricultura (que em 2001 alterou sua denominação para Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – MAPA) concentra seus cuidados à questões relacionadas com os grandes proprietários e com o agronegócio.

O reconhecimento institucional do termo e da definição da agricultura familiar, entretanto, começou, de fato, a se materializar através da apresentação de um Projeto de Lei, na Câmara dos Deputados Federais, que objetivava instituir uma Política Nacional da Agricultura Familiar e Empreendimentos Familiares Rurais, estabelecendo seus conceitos, princípios e instrumentos. Este projeto de lei (PL n° 3.952), de autoria conjunta de 12 parlamentares do Partido dos Trabalhadores

O reconhecimento institucional do termo e da definição da agricultura familiar, entretanto, começou, de fato, a se materializar através da apresentação de um Projeto de Lei, na Câmara dos Deputados Federais, que objetivava instituir uma Política Nacional da Agricultura Familiar e Empreendimentos Familiares Rurais, estabelecendo seus conceitos, princípios e instrumentos. Este projeto de lei (PL n° 3.952), de autoria conjunta de 12 parlamentares do Partido dos Trabalhadores

No documento AINDA EXISTEM LATIFÚNDIOS NO BRASIL? (páginas 143-159)