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O escamoteamento das propriedades improdutivas e o não cumprimento

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5 O PROCESSO CONTRADITÓRIO DO DESENVOLVIMENTO DO CAPITALIS-

5.4 O escamoteamento das propriedades improdutivas e o não cumprimento

Mesmo que o pressuposto da aferição da produtividade dos imóveis rurais tenha sido incluído no texto constitucional de 1988 para confundir o entendimento sobre o cumprimento da função social, enquanto manobra dos setores conservadores, conforme explicou Marés (2010), a fixação e a atualização dos indicadores e dos índices sempre foi amplamente combatida pelos grandes proprietários, latifundiários, entidades de classe e seus representantes no parlamento (Ronaldo Caiado, Fábio Meirelles, entre outros). Tanto que uma das preocupações tidas pelos parlamentares progressistas (Luci Choinacki, Adão Pretto, entre outros), no processo de regulamentação dos dispositivos constitucionais referentes à reforma agrária, foi a de assegurar, no texto da lei, a atualização periódica de parâmetros necessários para a definição da propriedade produtiva, tendo em vista uma possível desatualização dos índices e indicadores em razão do desenvolvimento técnico-científico que viria a interferir na produtividade da agropecuária.

De fato, como já destacado no item 4.1.2 As definições da Lei Agrária - Lei 8.629/1993 e suas atualizações, a atualização periódica dos parâmetros indicadores e índices foi incluída na Lei Agrária (Art. 11), contudo, jamais foi efetivada na prática.

Ainda que tenhamos vivenciado, nas últimas décadas, uma profunda modernização na base técnica da agropecuária, os índices vigentes ainda são aqueles calculados com base no Censo Agropecuário de 1975 e no Cadastro do INCRA de 1978, sendo originalmente publicados na Instrução Normativa n° 19 de 1980 (INCRA, IN n° 19/1980).

De 1975 aos dias atuais, o desenvolvimento constante das técnicas, conjuntamente com a difusão das inovações, fez com que se minimizasse a anterior vantagem relativa representada pela produção localizada em solos mais férteis, nas topografias mais planas e com disponibilidade adequada de água (entre outros fatores), proporcionando, dessa forma, possibilidades de melhorias reais na produção em condições anteriormente adversas (renda diferencial I). Do mesmo modo, com a ampla inserção de tecnologia e capital nos processos produtivos do campo maximizaram-se as reais possibilidades de aumento da produtividade da terra em regiões com melhor potencial agropecuário (renda diferencial II).

Nesse contexto, a modernização da base técnica da agropecuária se realizou tanto pela disseminação de novas tecnologias mecânicas, como também químicas, biológicas e cibernéticas. A Tabela 15mostra o número de tratores existentes nos estabelecimentos agropecuários e a área média de lavoura utilizada por trator no Brasil no período 1975-2006.

Tabela 15 – Brasil: Número de tratores em estabelecimentos agropecuários e área média de lavoura (ha) por trator - Série Histórica 1975-2006

Fonte: SIDRA, 2014a. Organizado por: Alcione Talaska.

O número de tratores quase triplicou nesse período, passando de 323.113 tratores em 1975 para 830.718 em 2006. Da mesma forma, a área média de lavoura trabalhada por trator passou de 130,63 ha em 1975, para 73,83 ha em 2006, uma intensificação de 56,5%.

Nesse período, também é possível verificarmos através do Gráfico 07 e do Gráfico 08, que trazem informações disponibilizadas na publicação “Indicadores de Desenvolvimento Sustentável (IDS) – Brasil 2015” (IDS, 2015), realizada pelo IBGE, que os usos de fertilizantes e agrotóxicos nas lavouras e pastagens apresentaram aumentos expressivos no país.

A quantidade de fertilizante comercializada quase triplicou no período 1992-2012.

Em 1992, a quantidade média comercializada de fertilizantes vendidos e entregues ao consumidor final era de cerca de 69,4 kg por hectare, já em 2002, a quantidade comercializada girava em torno de 143 kg por hectare, e em 2012, a quantidade comercializada superou os 180kg por hectare, um aumento de aproximadamente 259%.

Já o consumo nacional de agrotóxicos, utilizados para o controle de pragas, doenças e ervas daninhas, passou de 3,2 kg por hectare no ano de 2000, para 3,6 kg por hectare em 2009 e para 6,9 kg por hectare no ano de 2012. Observamos, desse modo, um amplo aumento do consumo de agrotóxicos nos últimos 3 anos da série disponibilizada pelo IDS (2015). Esse fato, agrava e comprova a afirmação da edição do Indicadores de Desenvolvimento Sustentável (IDS) – Brasil 2012” (IDS, 2012), de que o Brasil está se tornando o “maior consumidor [mundial] de agrotóxicos, respondendo, na América Latina, por 86% dos produtos vendidos” (IDS, 2012, p. 36).

Ano Número de tratores Hectares por trator

1975 323.113 130,63

1980 545.205 105,88

1985 665.280 94,41

1995 799.742 62,65

2006 820.718 73,83

Gráfico 07 – Brasil: Quantidade comercializada de fertilizantes por área plantada 1992-2012 (kg/ha)

Fonte: IDS, 2015. Elaborado por: Alcione Talaska.

Gráfico 08 – Brasil: Consumo de agrotóxicos, por área plantada (kg/ha) 2000-2012

Fonte: IDS, 2015. Elaborado por: Alcione Talaska.

O aumento do consumo de fertilizantes e de agrotóxicos é justificado pelo IDS (2015, p. 35), como sendo ocasionado pela busca de ampla lucratividade, decorrentes do “atual modelo da agricultura brasileira, centrado em ganhos de produtividade”.

Contudo, a publicação do IBGE de 2012, fez a ressalva de que esse aumento também representa “implicações ambientais que não foram ainda completamente avaliadas” (IDS, 2012, p. 33), estando os agrotóxicos diretamente relacionados com agravos à saúde da sociedade, “tanto de consumidores dos alimentos quanto dos trabalhadores que lidam diretamente com os produtos, à contaminação dos alimentos e à degradação do meio ambiente” (IDS, 2012, p. 36).

Ainda nesse contexto há de se considerar a incorporação de tecnologias em semeadeiras ou plantadeiras, grades e enxadas rotativas, roçadeiras, colheitadeiras, pulverizadores, adubadeiras, ceifadeiras, ordenhadeiras e tanques de resfriamento de leite, silos para forragens ou cereais, irrigação, inseminação artificial, melhoramento genético de plantas, entre outros. Isso, pois, nesse período, desenvolveu-se e disseminou-se pelo país, diversas novas tecnologias e propriamente novos conhecimentos sobre a agropecuária, como por exemplo, a chamada biotecnologia e a agricultura de precisão.

Assim, diferenciados métodos e técnicas de plantio e de criação, como também o acesso ao crédito, à assistência técnica, novas possibilidades de armazenagem, transporte e, inclusive, novos mercados surgiram como determinantes no processo de substituição das técnicas tradicionais do espaço agrário por outras mais mecanizadas, técnicas e cibernéticas, oferecendo novas possibilidades para a acumulação ampliada do capital e promovendo mudanças profundas nas formas de produção agropecuária e também nas relações sociais e econômicas.

Como consequência desse processo de modernização da base técnica da agropecuária, é amplamente aceita a visão de que a produtividade atual é maior daquela das décadas de 1970 ou 1980. De fato, considerando as informações dos Censos Agropecuários do IBGE, o rendimento médio da grande maioria dos principais produtos agrícolas apresentou variação positiva na produtividade no período (TABELA 16).

Tabela 16 – Brasil: Rendimento médio dos principais produtos da agricultura (kg/ha) 1975-2006

Fonte: SIDRA, 2014b. Elaborado por: Alcione Talaska.

Tipo de produção

Algodão 923,1 1.063,3 1.333,2 2.900,4 214,2%

Arroz 1.333,1 1.737,0 2.711,4 4.007,1 200,6%

Milho 1.335,4 1.476,2 2.441,7 3.570,1 167,3%

Trigo 679,2 1.518,7 1.700,6 1.720,0 153,3%

Café 728,7 926,2 1.033,6 1.434,7 96,9%

Feijão 410,3 377,2 507,1 732,9 78,6%

Fumo em folha 1.128,9 1.478,7 1.509,6 1.952,6 73,0%

Soja 1.541,7 1.773,3 2.333,7 2.583,2 67,6%

Cana-de-açúcar 42.979,5 60.525,3 62.086,4 71.707,1 66,8%

Uva 10.327,9 12.418,4 11.589,1 13.056,9 26,4%

Laranja 18.185,0 18.721,0 16.505,0 20.397,4 12,2%

Mandioca 8.929,2 7.601,0 7.486,0 6.972,6 -21,9%

Cacau (amêndoa) 659,1 611,8 356,2 386,1 -41,4%

Tomando como base os dados e as informações em escala nacional, verificamos que os produtos da agricultura que apresentaram maior aumento proporcional da produtividade por hectare, em ordem decrescente, foram: o algodão, o arroz, o milho, o trigo, o café, o feijão, o fumo em folha, a soja e a cana de açúcar. Os cultivos da uva (26,4%) e da laranja (12,2%) apresentaram um aumento de produtividade menos expressivo, enquanto a mandioca e o cacau apresentaram redução na sua produtividade média por hectare no período, passando de 8.929,2 kg/ha para 6.972,6 kg/ha e de 659,1 kg/ha para 386,1 kg/ha, respectivamente.

Complementarmente, com base na série histórica dos Censos Agropecuários do IBGE, o rebanho pecuário bovino também apresentou aumento de produtividade por hectare, no período 1975-2006. Em 1975, a área média de pastagem por cabeça de bovino era de 1,63 hectares, em 1985 passou para 1,4 hectares, em 1995, reduziu para 1,16 hectares e em 2006 a área média foi de 1,1 hectares (SIDRA, 2014c). Ou seja, em 2006 a área média de pastagem para a criação de uma cabeça de bovino foi cerca de 48% menor do que a área media tida em 1975, representando, assim ganho de produtividade por área.

É inegável, dessa forma, que a maioria dos produtos da agropecuária apresenta ganho de produtividade média por hectare devido ao desenvolvimento técnico-científico ocorrido nas últimas décadas no Brasil. Contudo, qual a razão proporcional dessa produtividade atual com os índices de rendimento por hectare, estabelecidos pelo órgão federal competente para a classificação dos imóveis rurais como produtivos e, consequentemente, para a identificação dos imóveis rurais improdutivos?

Para respondermos esse questionamento e propriamente para verificarmos os índicadores médios de produtividade (produção por hectare) mais recentes para os cultivos agrícolas e tipos de rebanho pecuário, tomamos por base a lista dos produtos agrícolas e rendimentos da pecuária e a regionalização disposta pela Instrução Normativa n° 19/1980 e republicada pela Instrução Normativa n° 11/2003 (ANEXO E).

Em uma análise comparada entre essas duas Instruções Normativas, constatamos que os rendimentos por hectare para os produtos agrícolas são rigorosamente iguais.

Já referente aos índices de lotação mínima para a pecuária, verificamos que existiu alteração na metodologia de cálculo, visto que a IN n° 11/2003 introduziu o fator de conversão de cabeças de rebanho para “Unidades Animais” (UAs) e definiu categorias de animais, algo inexistente na IN n° 19/1980. Contudo, convém ressaltarmos que todos os índices de produtividade, tanto da IN n° 11/2003 quando da IN n° 19/1980, são baseados no Censo Agropecuário de 1975.

Assim, a partir destas instruções normativas, identificamos 38 tipos diferentes de produtos agrícolas, os quais tinham índices mínimos de produtividade distintos em razão da região do país em que eram cultivados. No processo de coleta de dados para aferir a produtividade recente (média da produtividade por hectare alcançada nos anos de 2010, 2011 e 2012, com base na Produção Agrícola Municipal, disponibilizada

pelo IBGE), não encontramos informações compatíveis para os cultivos do abacate, banana, caju, laranja, limão, manga, pêssego e tangerina, uma vez que a disposição das estatísticas pelo IBGE passou a ser expressa em unidades de medida diferentes daquelas existentes na IN n° 19/1980 e IN n° 13/2003 (ex: “cento de frutos” e

“quilograma”). Essa incompatibilidade nos levou a retirar das análises esses cultivos, como também outros não mais disponibilizados pelo IBGE, restando, dessa forma 27 dos 38 produtos da agricultura para realizarmos a comparação (TABELA 17).

A Tabela 17 mostra, assim, uma situação mais recente da produtividade média94 da terra para os tipos de cultivos utilizados pelo INCRA na composição dos índices empregados para a categorização dos imóveis rurais no conceito de propriedade produtiva e, consequente, para o cálculo do GEE, utilizado para definir os imóveis rurais aptos a serem desapropriados para fins de reforma agrária, por se manterem improdutivos.

Tabela 17 – Razão entre os índices de produtividade contidos na Instrução Normativa n° 11/2003 (Censo Agropecuário de 1975) e a produtividade da

terra recente (média 2010-2012)

(continua)

94 É importante salientarmos que tomamos as variáveis “rendimento médio da produção da lavoura permanente”,

“rendimento médio da produção da lavoura temporária” e “rendimento médio na produção vegetal dos estabelecimentos agropecuários por tipo de produção vegetal”, disponibilizadas pelo canal SIDRA do IBGE, para identificarmos a produtividade média (produção por hectare) dos diferentes cultivos nas escalas nacional, estadual e microrregional, de modo a verificarmos e demonstrarmos que a produtividade média recente é, via de regra, superior aquela produtividade mínima exigida pelo INCRA, quando dos processos de cálculo do GEE e GUT para posterior enquadramento dos imóveis rurais no conceito de propriedade produtiva.

Produto Unidade Região

frutos Todo país 120 254,30 111,9%

Agave ou Sisal (fibras) Ton./ha Todo país 0,7 0,76 8,8%

Algodão Arbóreo (em

Restante do país 1,2 3,01 151,0%

Alho Ton./ha Todo país 3,0 10,56 252,0%

Amendoim (em

cas-ca) Ton./ha. Norte/Nordeste 1,0 1,45 45,1%

Restante do país 1,5 2,39 59,7%

Arroz - inclui arroz de várzea e arroz

sequeiro Ton./ha

Sul 2,4 6,28 161,6%

Restante do país 1,2 3,03 163,9%

Batata Doce Ton./ha Todo país 6,0 12,2 102,6%

(conclusão)

Fonte: INCRA, IN n°11/2003; SIDRA, 2014d; SIDRA, 2014e. Elaborado por: Alcione Talaska.

Batata Inglesa Ton./ha

São Paulo 12,0 25,12 109,4%

Minas Gerais/

Paraná 9,0 27,67 207,4%

Restante do país 5,0 24,29 385,7%

Cacau (em caroço) Ton./ha Todo país 0,7 0,364 -48,0%

Café (em coco) Ton./ha Sul/Sudeste 1,5 1,39 -7,1%

Restante do país 1,0 0,99 -1,0%

Cana de açúcar Ton./ha São Paulo/Paraná 70,0 77,81 11,2%

Restante do país 50,0 57,91 15,8%

Cebola Ton./ha Todo país 7,0 24,61 251,5%

Chá (em folha verde) Ton./ha Todo país 5,0 7,23 44,7%

Côco da Bahia

(frutos) Cento/ha

frutos Todo país 20 72,4 262,1%

Fava Ton./ha Todo país 0,3 0,32 6,0%

Feijão Ton./ha Sul 0,6 1,39 130,9%

Restante do país 0,3 0,91 202,2%

Fumo (em folha seca) Ton./ha Sul 1,4 2,01 43,6%

Restante do país 0,8 0,93 16,6%

Juta (fibras) Ton./ha Todo país 1,3 1,2 -4,9%

Mamona (sementes) Ton./ha Nordeste 0,6 0,42 -29,2%

Restante do país 1,2 1,72 43,2%

Mandioca Ton./ha Norte/Nordeste 7,0 10,47 49,5%

Restante do país 12,0 16,71 39,3%

Milho (em grão) Ton./ha

Sul/São Paulo 1,9 5,28 177,8%

Norte/Nordeste 0,6 1,87 210,9%

Restante do país 1,3 4,79 268,5%

Pimenta do Reino Ton./ha Norte 3,2 1,68 -47,4%

Restante do país 1,2 1,56 30,2%

Soja (sementes) Ton./ha

Paraná/São Paulo 1,9 2,90 52,5%

Sul (exceto

Paraná) 1,4 2,62 86,9%

Restante do país 1,2 2,89 140,5%

Tomate Ton./ha Sul/Sudeste 30,0 63,46 111,5%

Restante do país 20,0 35,32 76,6%

Trigo (em grão) Ton./ha Rio Grande do Sul 0,8 2,52 215,5%

Restante do país 1,0 3,23 223,3%

Uva Ton./ha Sul/São Paulo 12,0 16,07 33,9%

Restante do país 8,0 18,67 133,4%

Produto Unidade Região

Tabela 17 – Razão entre os índices de produtividade contidos na Instrução Normativa n° 11/2003 (Censo Agropecuário de 1975) e a produtividade da

terra recente (média 2010-2012)

No documento AINDA EXISTEM LATIFÚNDIOS NO BRASIL? (páginas 194-200)