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A interação entre os membros da família e a televisão

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FAMÍLIA DE CAIO, LARA E CLARA

1) A interação entre os membros da família e a televisão

No início da primeira entrevista esse diálogo foi construído quando a família respondeu à seguinte pergunta: “Quais as atividades que vocês fazem juntos?”

PESQUISADORA ANA (MÃE) PAULO (PAI) JOANA (AVÓ)

Olha, na verdade até pela própria questão do tempo, à noite a gente sempre tá junto todo mundo , se vai sair sai todo mundo junto, assim fora a minha mãe que normalmente não gosta de sair à noite né, nem nada. Ela não sente disposta à noite para sair... Mas tá também assistindo TV, tá todo mundo junto... Se vai pra cozinha, tá todo mundo junto!

É, não é bem assim não, dona Joana?

É, tem os horários.. Dona Joana gosta

mais de novela mexicana (risos).

PESQUISADORA ANA (MÃE) PAULO (PAI) JOANA (AVÓ) E aí fica mais a Sr.ª?

É, ela vai para o quarto e assiste lá.

Ah! Tá.

Os meninos ficam brigando, né...? Hora lá, hora cá...

O foco desses diálogos logo no início da entrevista se volta para as relações familiares estabelecidas considerando o tempo: “à noite a gente sempre tá junto, todo mundo” ; o espaço: “se vai pra cozinha tá todo mundo junto”. Porém, o principal destaque é dado à televisão “mas tá também assistindo tv, tá todo mundo junto”. As questões relacionadas ao tempo em que ficam juntos e os espaços que costumam estar juntos motivam a continuação do diálogo especificando a interação entre os membros da família e a TV.

Analisando a comunicação estabelecida neste diálogo inicial, Ana parece falar partindo de uma visão idealizada de família, em que valores como a união, são vivenciados de forma constante, linear, sem manifestação de uma reflexão crítica sobre as relações estabelecidas entre os membros. Ana propõe uma união familiar, inclusive tendo na TV mais uma motivação para permanecerem juntos.

A fala de Paulo, o pai, aparece como uma ratificação à fala de Ana, relembrando-a que esta união familiar “não é bem assim, não!”: a avó, Joana assiste a programas de sua preferência em seu próprio aparelho de televisão no quarto e as crianças ficam entre os dois espaços: “Os meninos ficam brigando, né? Ora lá, ora cá”. Neste aspecto, a utilização do espaço do quarto e a motivação de estarem separados ou juntos parecem denunciar o dinamismo próprio das relações humanas fugindo aos preceitos maternos idealizados. A avó separa-se do grupo familiar para assistir ao programa televisivo de sua preferência, assim como as crianças ficam buscando um

espaço entre as programações da avó e dos pais.

Essa situação cotidiana sugere que, na interação, Ana dá um sentido novo à televisão. Ela eleva este instrumento tecnológico à condição de promotor da união familiar, por aglutinar em sua volta toda família. Este sentido, de acordo com Sarlo (1997), parece ser dividido por outras tantas famílias a ponto de a autora denominar este aparelho de “totem tecnológico” ao se referir aos novos laços familiares que estão sendo propostos na contemporaneidade.

A noção de união familiar vinculada à audiência televisiva que modifica o sentido da TV, elevando-a a condição de promotora de tal união, favorece o aprofundamento de uma reflexão que busca compreender o fenômeno de forma dialética. Por exemplo, Sarlo (1997) considera que o fato de estarem todos sentados ao redor da TV cria uma “bela ficção neoantropológica” de que a “videofamília” resgata uma união familiar que foi dissolvida no enfraquecimento das relações de autoridade.

As imagens, sons e textos produzidos pela televisão fazem parte da realidade vivenciada ou ainda dos sonhos de crianças, jovens, adultos e idosos, tal como dessa família entrevistada, que dedica seu tempo livre (único período que dispõem para reunir-se durante a semana) a estar diante da telinha com a nítida impressão de que estão juntos.

Um tempo que poderia ser destinado a outras interações entre os membros acaba sendo dedicado a uma relação entre os membros da família e os personagens da televisão. Nos poucos momentos em que estão juntos, a família parece optar por dialogar, se encontrar, dividir problemas e alegrias reais entremeada pelos personagens e por todos os recursos que fazem da telinha um elemento a mais. na constituição da subjetividade.

O uso que a família faz deste instrumento tecnológico, que para Ana imprime um sentido de promotora da união perdida, demonstra que a capacidade de mediação social da televisão tem crescido não pela tecnologia em si, mas pelo que as pessoas esperam e desejam dela. Pela “desmesurada capacidade de representação que a televisão adquiriu” (Martín-Barbero, 2001).

Se existem demandas por parte das pessoas que esperam algo mais da televisão que não seja somente distração, entretenimento e informação, possivelmente existe na outra ponta uma televisão que, como poderoso agente de uma cultura mundializadora, necessita manter-se com um número cada vez maior de audiência.

Paradoxalmente, as demandas são criadas a partir de uma relação mediada em que as pessoas buscam na televisão aspectos que foram se dissolvendo na contemporaneidade. Em contrapartida, a televisão necessita de uma sociedade assim constituída, para que possa fortalecer-se, ampliando seu poder.

Esta nova dimensão constitutiva da sociabilidade contemporânea que se distingue da realidade material, da territorial e da proximidade relacional foi nomeada por Muniz Sodré de telerrealidade (Rubim, 2001). Como uma nova formatação da realidade que se deseja criar, a televisão propicia a aproximação com algo que se encontra longe, mas que pode ser apreendido e traduzido enquanto um acontecimento próximo que mobiliza sentimentos, sensações, emoções, lembranças, carregando de sentido o que é transportado pela TV e que se torna um elemento constitutivo do homem contemporâneo.

Nesse sentido, a relação que é estabelecida entre a TV e os telespectadores coloca este instrumento da tecnologia em uma posição muito próxima à relação vivida entre os pessoas. A possibilidade de uma visão crítica sobre esta relação fica dificultada pelo mimetismo que é criado pelas características sedutoras da TV em defesa de sua própria ampliação de poder.

A crítica torna-se mais improvável quando se atenta para o fato de que estar juntos diante da TV sugere que as relações familiares estão sendo estabelecidas diante de uma seqüência inesgotável de programações com recursos audiovisuais que exibem um poder inebriante e narcísico conferido pelas possibilidades objetivas e subjetivas de cada telespectador.

A partir da análise anterior pode-se pressupor que as crianças da família destacada desenvolvem-se tendo neste instrumento tecnológico um importante elemento de constituição subjetiva. Nesse sentido, novas configurações são

criadas baseadas nas interações com o meio televisivo e nas necessidades que são geradas nessa interação como mais um elemento que constitui a subjetividade da criança.

A televisão aparece como um importante mediador contemporâneo entre a criança e seu meio e participante ativo da criação de uma outra realidade que tem permeado o mundo infantil: a realidade virtual. Essa análise será melhor trabalhada a partir do próximo eixo que discutirá os conteúdos midiáticos.

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