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As formas de organização desenvolvidas para utilização dos instrumentos tecnológicos pelos membros da família

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A FAMÍLIA DE LISA

3) As formas de organização desenvolvidas para utilização dos instrumentos tecnológicos pelos membros da família

Esse diálogo ocorreu na primeira entrevista em que Lisa declarava gostar de instrumentos tecnológicos. Ao falar como e com quem ela brincava, Lisa informa que também brinca no computador da escola, porém que prefere brincar com seu irmão em casa.

PESQUISADORA LISA

Ééé! O que você sabe fazer que aprendeu na escola?

Várias coisas, várias continhas... tem às vezes, né. Quando a professora passa tarefa de para casa, prova para gente estudar... eu tinha esquecido de estudar... aí eu pensei que eu não ia dá conta, aí pegou eu dei só uma lidinha, minha mãe depois leu para mim para ver se eu tava dando conta, mas eu tinha errado algumas... Eu pensei que eu não ia dá conta. Mas eu criei coragem, fui para escola e consegui.

Que bom que conseguiu! A gente tem que ter coragem mesmo, né? Tem que estudar e tem que ter coragem.(risos)

Mas tem hora que eu esqueço minha tarefa. E quando tem aula na escola de computação

você acha bom ou ruim?

Bom... eu acho bom porque a gente fica brincando, a gente fica brincando lá de várias coisas e também porque tem hora que eu canso de fazer tarefa, chega ter calo no meu dedo (risos).

PESQUISADORA LISA De tanto escrever? (risos)

Estudante né?... De tanto escrever... Aí eu gosto de brincar lá prá não fazer um pouquinho de tarefa.

Os diálogos desse recorte foram sendo tecidos quando Lisa contava à pesquisadora sobre o que ela fazia na escola. Entretanto, ao falar da escola, Lisa declara que ela tem se esquecido de fazer as “tarefas de para casa” e de estudar para as provas. Seguindo a proposta de uma análise construtivo- interpretativa, essa informação trazida por Lisa parece ter uma relação com o tempo que Lisa utiliza brincando com os instrumentos tecnológicos em casa. Para uma compreensão maior dessa possível relação apresenta-se, a seguir, um outro trecho do diálogo em que Lisa mantém-se envolvida com os instrumentos tecnológicos.

PESQUISADORA MARIA LISA PAULA Assim, durante o dia quando você brinca

no computador, com videogame, quanto tempo você fica mais ou menos?

Deixa ver...no computador eu fico pouco tempo... quando meu irmão

está com os colegas dele

perguntando pro SUED a gente fica mais tempo. Quando está nós dois ele fica mais no videogame comigo. Quando você fala mais tempo, menos

tempo é mais ou menos quanto? Mais tempo é o quê uma hora mais que uma hora... como é?

O dia inteiro...(risos) P.: O dia inteiro Paula? É...

Quase o dia inteiro... (ela encontrava-se sentada em um sofá, fora do foco da câmera, porém

demonstrou estar atenta às

É quando ela está com o irmão dela, né! Aí ela joga mais.

Ficam muitas horas assim... quando vocês animam com a resposta aí vão ficando muitas horas.

É... a gente vai perguntando e fica até cansar e vamos pro videogame.

Considerando as informações que vão sendo entremeadas na construção interpretativa, pode-se pensar que Lisa fica muito tempo de seu dia utilizando o computador, o videogame e o videokê com seus irmãos: “ a gente vai perguntando e fica até cansar e vamos pro videogame”.

Nessa família, o uso constante dos instrumentos tecnológicos favorece a aproximação dos membros, inclusive da mãe. Por um lado ocorre esse favorecimento da união familiar, afinal todos permanecem em atividades conjuntas dentro de casa; por outro lado, o tempo excessivo de envolvimento com os instrumentos dificulta a realização de outras atividades. Nesse caso específico, as atividades “esquecidas” têm sido as relacionadas às tarefas escolares. Essa realidade foi mencionada na família de Pedro e volta a aparecer de forma mais efetiva com Lisa. Ela utiliza grande parte de seu tempo livre envolvida com os instrumentos tecnológicos.

O tempo que é destinado aos jogos dificulta a realização das tarefas escolares e parece favorecer a possibilidade de se questionar a pouca utilização que a escola tem feito desses instrumentos. As tarefas de casa que muitas vezes são longas e cansativas deixam de ser interessantes para as crianças e se tornam quase um castigo. Essa realidade tem sido objeto de pesquisas qualitativas em Goiânia e vem contribuindo para as reflexões acerca da comunicação no contexto familiar e escolar. Cupolillo et al. (no prelo) faz uma reflexão que colabora para a compreensão dos fenômenos que estão sendo analisados relativos às tarefas de casa:

As tarefas que são encaminhadas para casa não suscitam na criança interesse, estando desvinculadas de seu contexto sócio-cultural, acontecendo , apenas , como uma prática mecânica, sem que o conteúdo possa vir a gerar ou ser integrado às suas necessidades. Percebe- se na tarefa uma prática que compete com outros interesses e necessidades da criança e, sendo muitas vezes geradora de tensões na comunicação na família...

Como se viu anteriormente, Lisa declara o sentido que tem para ela o uso do computador no contexto escolar: “a gente fica brincando lá [laboratório de computação] de várias coisas e também porque tem hora que eu canso de

fazer tarefa. Chega ter calo no meu dedo... Aí eu gosto de brincar lá para não fazer um pouquinho de tarefa” . Para Lisa, o uso do computador na escola, longe se ser um instrumento mediador de conhecimentos sistematizados, apresenta-se como uma possibilidade de descanso e de distanciamento das tarefas que têm sido propostas. Essa realidade demonstra o quanto o computador, mesmo estando dentro da escola, encontra-se distante do processo de ensino-aprendizagem formal.

O mesmo aparelho que em casa, na relação com os irmãos, torna-se um mediador na transmissão cultural, na escola, aparece como uma espécie de passatempo ou de possibilidade de manter-se longe do que representa o processo de ensino-aprendizagem.

Esse sentido parece ser reconhecido por estudiosos da área como Lopes de Oliveira (1996), que contribui com essa discussão salientando o uso restrito que a escola faz do computador e o distanciamento que ainda existe entre este aparelho e as práticas pedagógicas atuais.

Indicadores construídos no processo:

1. A criança contemporânea desenvolve-se em um contexto de redefinição dos processos de transmissão do conhecimento em que seus pares apresentam-se como facilitadores de novos conhecimentos relacionados uso dos instrumentos tecnológicos;

2. A redefinição ocorre pela falta do desenvolvimento de habilidades corpóreas e extracorpóreas dos adultos que viveram em um contexto relacional diferenciado possibilitando à criança constituir um saber prático que por vezes coloca o adulto na dependência do seu conhecimento;

3. Nas crianças contemporâneas, a percepção, a atenção voluntária e a memória mediada possivelmente estejam sendo reconfiguradas pelas mediações desses instrumentos; 4. No contexto familiar a criança utiliza seu tempo,

tecnológica restringindo assim o tempo de realização de outras tarefas, inclusive as escolares.;

5. Os sentidos produzidos para o uso dos instrumentos tecnológicos relacionam-se às demandas geradas nos contextos específicos. Em casa o computador tem um sentido de mediador na transmissão do conhecimento e na escola esse sentido aproxima-se mais de um instrumento que possibilita o distanciamento das situações formais de ensino.

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