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3. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

3.2 A Perspectiva do Desenvolvimento Familiar

3.2.1 A interdependência do desenvolvimento infantil e familiar

O ciclo de vida individual se desdobra dentro do ciclo de vida familiar que, por sua vez, se configura como o contexto primário do desenvolvimento humano, sendo este último concebido como um processo ao longo do ciclo de vida, em constante interdependência com as fases e transições vivenciadas pela família (Carter & McGoldrick, 1995).

Lewis e Feiring (1998) ressaltam que estudar a criança e a sua família é ir além do estudo das díades e da relação mãe-criança. Para os autores, deve-se considerar o desenvolvimento da criança em relação ao contexto social, ou seja, deve-se focalizar a análise do sistema e descrever as forças que influenciam e são influenciadas pela criança. Tal proposição vai ao encontro da concepção de Minuchin (1985), segundo a qual o indivíduo é concebido como interdependente ao sistema, ou seja, como parte contribuinte do sistema que controla seu comportamento, fato que direciona o foco dessa Perspectiva para o funcionamento interno do sistema e não, para o funcionamento interno do indivíduo.

Tanto a Perspectiva Bioecológica quanto a do Desenvolvimento Familiar destacam que a criança, assim como os adultos, são participantes ativos no sistema familiar e o influenciam direta e indiretamente. Por serem elementos interconectados dentro de um sistema, os pais afetam diretamente os filhos, estes afetam os pais, e os pais afetam um ao outro por intermédio de suas interações diretas. Contudo, consideram- se como elementos não apenas os indivíduos, mas também as díades e as unidades maiores. Neste contexto, o estudo das inter-relações torna-se mais complexo, pois, por

exemplo, uma criança pode afetar cada pai separadamente e, da mesma forma, a interação entre eles (Lewis & Feiring, 1998).

Associado a isso, Feiring e Lewis (1978) afirmam que, nos subsistemas, a natureza da interação é significativamente diferente quando os seus participantes estão sozinhos e quando há a presença de uma outra pessoa ou membro da família. Em conformidade com Minuchin (1985), atualmente, se tem acompanhado a mudança dos estudos das díades mãe-criança para incluir as díades pai-criança e os irmãos, numa demonstração das diferenças existentes no funcionamento das distintas díades na presença e na ausência de outro membro familiar. Nas famílias, é importante considerar tanto as influências diretas quanto as indiretas, ou seja, o modo como cada indivíduo influencia um o outro e o modo como influencia os relacionamentos com e entre os demais membros familiares, principalmente se esse indivíduo é uma criança que tem de estabilizar os relacionamentos numa rede de relações que já existia antes dela.

Os efeitos diretos são definidos como aquelas interações que representam os efeitos ou influências de uma pessoa sobre o comportamento da outra quando ambas estão engajadas numa interação mútua (Lewis & Feiring, 1998). As influências diretas para a criança residem nas interações diretas das quais a criança participa, podendo ser uni ou bidirecionadas, ou seja, podendo partir dos pais para a criança ou da criança para os pais ou, ainda, simultaneamente, dos pais para a criança e da criança para os pais (Feiring & Lewis, 1978).

Os efeitos indiretos referem-se a duas classes de eventos distintas, os quais são identificados por Bronfenbrenner (1996) como os efeitos de segunda ordem. Na primeira classe, os efeitos indiretos são os conjuntos de interações que afetam uma pessoa, mas que ocorrem na ausência desta; por exemplo, a interação entre os pais e os avós da criança afeta a interação de cada um deles com a criança. A segunda classe refere-se às interações entre os membros do sistema que ocorrem na presença da pessoa, ainda que a interação não a envolva diretamente. Esses efeitos podem resultar da observação da interação de outras pessoas ou objetos ou, ainda, resultar de informações recebidas de outrem sobre atitudes, comportamentos, características ou ações de uma terceira pessoa.

Desse modo, os pais afetam indiretamente os filhos por meio do impacto de suas relações com as mães, do suporte emocional para com elas e da natureza interdependente dos subsistemas criança-pai e pai-mãe (Lewis & Feiring, 1998). As mães também afetam indiretamente seus filhos por meio do relacionamento com seus maridos. Um dos efeitos

indiretos mais importantes no desenvolvimento é a interação entre os pais, que é constituída a partir de duas identidades: pai-mãe e marido-mulher (Feiring & Lewis, 1978). Esses efeitos são discutidos com base na satisfação conjugal e na auto-estima parental. Do ponto de vista da satisfação conjugal, os casais são mais capazes de se ajustarem à parentalidade se certas necessidades forem atendidas, em particular, se seus relacionamentos forem satisfatórios.

A percepção que os indivíduos têm de seus relacionamentos e de seus parceiros, segundo Dessen e Braz (2005), influencia a qualidade e a estabilidade da relação. As autoras afirmam que a satisfação conjugal está associada ao tipo de apego desenvolvido em cada um dos cônjuges durante seu desenvolvimento e ao momento do ciclo de vida no qual a família se encontra, sendo o nascimento do primeiro filho um momento de declínio na satisfação conjugal. Quanto mais dificuldades o casal tem para se reorganizar e dividir as tarefas domésticas e de cuidado ao bebê, maior a diminuição da satisfação marital.

Em revisão de literatura, as autoras mencionadas apontam a convergência de pesquisas atuais sobre a influência das relações conjugais e parentais no desenvolvimento dos filhos. Os estudos de Dessen e Braz (2005) têm demonstrado que casamentos nos quais os cônjuges sentem-se satisfeitos estão ligados positivamente à sensibilidade parental e os parceiros possuem maior coerência entre si e com seus filhos, enquanto a discórdia marital está relacionada a estilos parentais pobres e desfavoráveis às crianças.

Dessen e Braz (2005) afirmam que a literatura recente aponta que uma relação conjugal conflituosa provoca desequilíbrio emocional e irritação nos cônjuges e nestes como genitores, contribuindo para que sejam menos atenciosos e sensíveis com seus filhos. As autoras indicam, ainda, que os prejuízos para as crianças cujos pais mantêm relações insatisfatórias advêm de efeitos diretos e indiretos e que as crianças tendem a apresentar problemas físicos e psicológicos enquanto os cônjuges têm maior probabilidade de desenvolverem psicopatologias e doenças físicas, bem como de se envolverem em acidentes automobilísticos e cometerem suicídio, homicídio ou atos de violência.

Relacionado a isso, Parke (1988) acredita que o estudo do desenvolvimento não deve limitar-se aos efeitos dos padrões de interação somente das díades e aos efeitos diretos de um indivíduo sobre o outro, pois seria inadequado para compreender o

impacto dos padrões de interações sociais no grupo familiar como um todo. Em consonância com o autor, considerar indivíduos, díades e tríades sozinhos ou em combinação é insuficiente como meio de avaliação dos efeitos das mudanças estressoras nas famílias, pois as famílias são unidades de mudança ao longo do desenvolvimento e reagem às mudanças como unidades. Embora os indivíduos, as díades, as tríades e a família possam ser discutidos independentemente, o interjogo entre essas trajetórias separadas pode produzir um conjunto diverso de efeitos no funcionamento das unidades em si. O papel dessas unidades de amenizar o impacto das mudanças estressoras variará como um resultado da interligação entre as trajetórias de desenvolvimento.

Dessen e Silva Neto (2000) corroboram com a premissa apresentada por Parke (1988) afirmando que, para compreender o desenvolvimento do indivíduo em suas diferentes etapas do ciclo de vida, ao longo de diferentes gerações, é necessário compreender o desenvolvimento familiar por meio da dinâmica e da estrutura da família ao longo do tempo e das transições pelas quais a mesma passa.