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3. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

3.2 A Perspectiva do Desenvolvimento Familiar

3.2.3 Transições familiares

De acordo com Dessen (1992), as transições no desenvolvimento de um membro familiar constituem-se em desafios para todo o sistema e freqüentemente servem como um impulso direto para mudanças no desenvolvimento. Essas mudanças, por sua vez, afetam os padrões familiares que, recursivamente, influenciam o desenvolvimento dos membros individuais e da família como um todo.

As famílias diferem consideravelmente com referência às suas capacidades de se adaptarem às exigências do desenvolvimento de suas crianças e à sua franqueza em relação a novas soluções para continuar a vida familiar. As famílias mostram uma variedade de meios por intermédio dos quais demonstram atenção às necessidades de cada membro, reagem às mudanças de desenvolvimento e regulam o espaço único de cada indivíduo para viver seus próprios interesses (Kreppner, 2000).

A visão temporal da família inclui tanto as trajetórias de longa duração quanto os curtos períodos de transições (Elder, 1991). Segundo o autor, as transições referem-se a mudanças em estados publicamente reconhecidos ou que possuam algum sentido ou significado social. Os ritos de passagem asseguram que as transições sejam publicamente compartilhadas. Todavia, muitos eventos podem ocorrer de forma privada para preservarem o estado familiar. Ao longo do tempo, algumas das transições privadas ou secretas podem se tornar conhecidas e modificar o status individual e familiar.

Cowan (1991) sugere que os indivíduos estão em transição durante a maior parte da vida e que as transições, por seu turno, possuem características gerais aplicáveis a todas as transições ao longo do ciclo vital, desde a infância até a idade tardia. Nas transições infantis e adultas, a maior diferença reside no fato de as transições infantis ocorrerem nos indivíduos independente do controle voluntário dos mesmos, sendo causadas pela estrutura biológica e pela organização psicológica ou controladas socialmente, como, por exemplo, o momento de entrar na escola.

O contrário ocorre nas transições adultas e familiares, nas quais é enfatizado claramente o caráter voluntário da mudança, apesar de não estarem ao total arbítrio do controle voluntário, pois existem muitas expectativas e pressões sociais. Nas transições adultas e familiares, existe uma grande possibilidade de escolha, de modo que o contraste entre as transições adultas e infantis não reside nas precipitações sociais ou

biológicas da mudança, mas na participação da pessoa em determinar a direção de sua trajetória de vida (Cowan, 1991).

Teóricos do desenvolvimento familiar (Minuchin, 1985; Cowan, 1991; Kreppner, 2000) e alguns terapeutas familiares (Carter & McGoldrick, 1995; Cerveny & Berthoud, 1997; 2002) consideram que as transições ocorrem e são realizadas pelas famílias, as quais passam por processos de formação e reorganização. Esses estudiosos e terapeutas citam como exemplo um casal que se casa, tem filhos, manda seus filhos para o colégio, se empenha na carreira e enfrenta a saída dos filhos de casa, a aposentadoria, a morte de um parente e a viuvez.

Considerar que as transições sejam realizadas pelas famílias, segundo Elder (1991), significa relacionar as transições entre os membros de diferentes gerações e sublinhar os padrões gerais de interdependência entre as pessoas nas famílias ou significa, ainda, colocar as transições familiares no contexto intergeracional, envolvendo as relações entre sucessivas gerações e o processo pelo qual cada geração é tomada pela outra.

De acordo com o autor citado, nenhum modelo de estágios de parentalidade descreve o processo de mudança de posição nas gerações, ainda que, na atualidade, se esteja vivenciando uma época de longevidade na qual a parentalidade pode envolver quatro ou cinco gerações. Um sistema familiar de quatro gerações com ciclos interligados relaciona uma criança e seus pais, os pais e os avós, os avós e os bisavós (Elder, 1991).

Para Bronfenbrenner (1986), Cowan (1991) e Cecconelo (2003), as transições geram mudanças na percepção que as pessoas têm de si mesmas e dos outros, bem como das relações que estabelecem com outros significativos. Desse modo, o nascimento de uma criança, numa família, resultaria na mudança da percepção que os demais membros familiares têm de si mesmos, dos outros e dos relacionamentos que estabelecem entre si. Cowan (1991) considera as transições como processos de longa duração que resultam numa reorganização qualitativa tanto no comportamento interno quanto externo, ou seja, tanto no aspecto psicológico quanto no comportamental. Tal processo envolve reorganizações psicológicas do senso de self, visão de mundo, regulação dos afetos pessoais, papéis, relacionamentos e regulação dos afetos interpessoais. Segundo o autor, tais reorganizações nem sempre ocorrem simultaneamente e, justamente “por não

serem sincrônicas que as transições, possuem o potencial de estimular o desenvolvimento e a disfunção” (Cowan, 1991, p.19).

As transições familiares são mais ou menos bem-sucedidas dependendo: a) da natureza das demandas físicas e sociais do indivíduo no enfrentamento das mudanças da vida; quanto menos habilidades novas as transições exigirem e menores os obstáculos do ambiente e quanto mais extenso o tempo de preparação, mais fácil será a transição; b) da disponibilidade dos recursos pessoais, incluindo suporte social e orientação, sendo as transições mais fáceis quando há indivíduos e instituições disponíveis a prover suporte instrumental e emocional; e c) do significado da transição para o indivíduo ou família, ou seja, o reconhecimento de como os indivíduos e famílias interpretam ou avaliam suas situações determina em larga extensão o quão estressados eles ficam e como reagem a esse stress (Cowan, 1991).

Para Elder (1991), os outros fatores que influenciam os processos de transição familiar são: sua duração, o momento de vida em que a transição ocorre e sua ordem na seqüência esperada de transições. A duração da transição refere-se à entrada ou à saída de um estado e tem especial relevância para o entendimento das transições familiares e suas adaptações resultantes, pois quanto mais abrupta for a mudança, menor o ajustamento antecipatório e maior o risco de prolongar e mal se adaptar à mesma.

O momento em que a transição ocorre refere-se tanto ao ciclo de vida quanto às variações nos estágios da vida, sendo ambas baseadas no tempo e na idade em que a maioria das pessoas passa pelas transições na época e cultura atual. Existem expectativas sobre as idades apropriadas para realizar algumas transições, como sair de casa, casar, ter filhos, etc. Não corresponder a essas expectativas sociais pode gerar conseqüências traumáticas para alguns indivíduos e suas famílias.

A ordem na seqüência esperada para as transições familiares relaciona-se à seqüência cronológica através da qual ocorre a maioria dos eventos familiares e pessoais que compõe os ciclos de vida das famílias. Os ciclos referem-se ao conjunto ordenado de estágios, os quais são definidos prioritariamente pelas variações na família quanto ao tamanho e composição da mesma. A ocorrência de transições normativas fora da seqüência esperada pode representar, para algumas famílias, uma transição não- normativa, como, por exemplo, o nascimento do primeiro filho antes do casamento.

As transições familiares dividem-se em transições normativas e não-normativas. As transições normativas caracterizam “as mudanças esperadas para todas as pessoas,

por exemplo, a puberdade; ou para a maioria das pessoas em uma dada população, por exemplo, casar e ter filhos” (Cowan, 1991, p.05). As transições não-normativas, segundo o mesmo autor, referem-se a eventos não-esperados que podem atingir as pessoas e as famílias, como guerras, desemprego, doenças severas, entre outros, por exemplo.

Cowan (1991) ressalta que definir a transição normativa como esperada e a não- normativa como inesperada exige ter como referência um contexto social específico, não sendo possível distinguir transições normativas e não-normativas para um indivíduo ou família sem considerar o que acontece aos seus pares em sua cultura. Além disso, o autor destaca que variações no momento de vida em que a transição ocorre podem transformar uma transição normativa em não-normativa, pois, quando uma transição normativa acontece muito antes ou muito depois da época esperada, ela ocorre associada com diminuição da auto-estima e aumento dos níveis de stress.

Conforme afirma Cowan (1991), as transições caracterizam-se como períodos de mudança, desequilíbrio e conflito interno sobre os ganhos e perdas que ocorrem entre períodos de estabilidade, equilíbrio e relativa tranqüilidade. De acordo com Carter e McGoldrick (1995), cada transição requer que a família se reorganize para a resolução de determinadas tarefas desenvolvimentais, as quais assegurarão a continuidade do desenvolvimento normativo da família e seus membros.

Durante os estágios de desenvolvimento familiar, todos os membros da família, pais e crianças, têm de se adaptar mutuamente às novas demandas e obrigações. Em dois estudos longitudinais, Kreppner (2000) analisa os comportamentos de comunicação pais- criança através do tempo durante os dois primeiros anos após o nascimento da segunda criança na família e durante a transição da infância para a adolescência. O autor explica que, durante esses períodos críticos, novas necessidades e demandas devem ser integradas ao estilo de vida da família e que, para tanto, os membros negociam, reavaliam, reconstroem e interpretam transformações em discussões diárias por meio das mudanças nos padrões de comunicação familiares.

Segundo Kreppner (2000), o estudo das transições familiares investiga os processos de continuidade e descontinuidade que ocorrem dentro do contexto familiar, cuja questão central, para Cowan (1991, p.05), “é compreender como estes eventos normativos e não-normativos estimulam avanços no desenvolvimento, produzem crises disfuncionais ou permitem que o indivíduo e a família permaneçam sem mudar”.