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A Interexistência é o movimento da Vida

No documento zaradeoliveirafreitasmagalhaeslyrio (páginas 65-67)

3 UM CAMINHO DE AMOR PROFUNDO

3.1 A LUZ FUNDAMENTAL DO CAMINHO

3.1.1 A Interexistência é o movimento da Vida

Da mesma maneira, assim como o símbolo que não se deixa esgotar por uma explicação linear, pratītyasamutpāda, pelo movimento universal infinito de todos os seres, também não se deixa apreender por uma anotação inflexível e hermética. Em sua ilustração, vários elementos se interpenetram e se comportam de maneira codependente, num balé constante. Assim, pela complexidade relacional dos seres, todos os fenômenos surgem e desaparecem sob determinadas condições. Exemplificando, veja-se o que Buda explica a seu discípulo Ananda: “Quando isto surge, surge também aquilo; quando isto aparece, aquilo também aparece; quando isto não vem a ser, aquilo não vem a ser; com a cessação disto, aquilo cessa”54 (ANDRADE,

2007, p. 157).

Logo, vê-se que pratītyasamutpāda é um instrumento analítico, cujo objetivo é o de revelar a existência como um influxo fenomênico inter-relacionado. Um agregado de elementos materiais e psíquicos, sem qualquer existência real, permanente e independente. Esses eventos acontecem em uma série, em um conjunto, cujos fatores determinantes fluem numa constante gênese coletiva (ANDRADE, 2007).

Isto posto, constata-se que em todos os âmbitos em que se perscrutam os aspectos religiosos, filosóficos e experienciais da interconectada espiritualidade zen budista, há que se encontrar o tema da ressonância. Ao acessar a perspectiva não dualística – você é o Buda e o Buda é você – tudo está em um profundo ressoar.

Por princípio, então, ao invés de uma subordinação e uma prescrição imposta por esse contexto, a interdependência expressa uma probabilidade para o constante arranjo de novos

53 No original: “the law of the universe is constant change. The moment one says, 'This rose is red' it has already

changed into something else. Besides, to someone else the rose may appear to be pink. Better to say: "This rose appears to me as red.'" For Zen, however, a rose is not merely red, pink, yellow, but it is all colors and at the same time it is no color [...] "Rose is a rose" the cosmic grandeur and infinite beauty of a rose [...] But why say anything? Enter the heart of the roses it, touch it, taste it and what is there to say except perhaps, "Ah, wonderful!" or better yet, simply, "Ah" or best of all, just a smile - a smile that flowers”.

54 MN 115.11. CS (s/d: Bahudhātukasutta) “Imasmin sati idam hoti; imassuppada idam uppajjati, imasmim asati

elementos e novas composições infinitas, num sistema de correspondências incomensuráveis, que se abrem permanentemente e de modo atualizado. O que quer dizer que a realidade empírica só pode surgir mediante as causas e condições, de modo que não há uma existência independente (FERRARO, 2012), pelo menos, não como realidade última.

A originação interdependente se dá, dessa forma, como um expediente para a correta abordagem dos acontecimentos e, em razão disso, caracteriza-se por alguns aspectos que lhes são intrínsecos. De modo que, ao pretender circunscrever a originação, é mister destacar tais elementos e as recíprocas interpenetrações e consequências.

Hanh, em “Caminhos para a Paz Interior” (2005), demonstra, de forma prática e simples, que nada será, em tempo algum, separado, e que a paz tão almejada, por exemplo, não se dará por meio da ilusória ideia do apartamento da sociedade ou de algum aspecto da realidade com o qual não haja afinidade direta. Ao contrário, ela deve ser alcançada junto a todos.

Hanh diz que em alguns centros de meditação tem havido a procura para a estada permanente por diversos jovens “que não estavam se dando bem na sociedade” (HANH, 2005, p. 58). Contudo, estes mesmos se esqueciam que, ao formar um novo grupo nos centros, formavam também uma nova sociedade, ou seja, para onde a pessoa se dirige, ela carrega consigo “todas as cicatrizes, todas as feridas da sociedade: assim como toda a sociedade” (p. 61), formando, muitas vezes, uma outra, “composta de pessoas alienadas”. De maneira que ele alerta: “meditação é para todos e não apenas para quem medita” (p. 56). O que cabe aos sujeitos se relaciona em diversos níveis com o coletivo. Além do que: “isso é uma ilusão, porque em budismo não existe propriamente ‘indivíduo’” (p. 55). O que acontece a um, propaga-se para todos. É necessário, então, desenvolver uma corresponsabilidade ética para com a vida.

As nações fazem exatamente o que cada um faz individualmente; e do modo como o indivíduo age, a nação também agirá. Somente com a transformação da atitude do indivíduo é que começará a transformar-se a nação. Até hoje, os grandes problemas da humanidade nunca foram resolvidos por decretos coletivos, mas somente pela renovação da atitude do indivíduo. Em tempo algum, meditar sobre si mesmo foi uma necessidade tão imperiosa e a única coisa certa, como nesta catastrófica época contemporânea. Mas quem questiona a si mesmo depara invariavelmente com as barreiras do inconsciente, que contém justamente aquilo que mais importa conhecer (JUNG, 1977, p. 8).

Quiçá possam os seres humanos se conscientizarem dessas proposições compostas há tempos. O trecho citado foi escrito em 1961, mas continua sendo de grande esclarecimento e orientação nos tempos atuais e, pelo modo como as grandes massas ainda se comportam, será precioso lembrar desta orientação adiante, por longos anos.

Em face disso, é oportuno, em primeiro lugar, compreender o íntimo diálogo entre originação interdependente e vacuidade. Num segundo momento, é importante entender como essa “conjunção de fatores” se manifesta, de acordo com a ideia de insubstancialidade. Isto posto, é necessário abranger qual a eficácia dessa “pedagogia do olhar”, como instrumento para a cessação do potencial de sofrimento, causado pelo desejo de posse, implícito, como modus operandi humano básico.

No entanto, mesmo que cada aspecto seja destacado per se, é imprescindível preservar a ideia da concomitância entre todas essas ligações, em consonância com a própria visão de que nada é separado. Também se declara que tal reflexão levará, indubitavelmente, a algumas consequências, cuja explanação será o passo natural a seguir.

No documento zaradeoliveirafreitasmagalhaeslyrio (páginas 65-67)