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2.3 A GRANDE SOMBRA

2.3.3 Aqui e Agora

Hanh costumava dizer, inclusive, que dar o nome de Budismo Engajado seria uma redundância, pois estar desperto para a realidade presente, no aqui e agora, é o próprio Budismo. É estar alerta na prática de rotina diária, e não apenas nos períodos reservados para meditação. É estar pronto para a vida, se preparar no momento presente dos acontecimentos. É estar disponível apara contribuir com o bem-estar de todos, de alguma forma, da melhor forma, a mais consciente possível.

É não se isentar de ser corresponsável pela realidade do mundo. Mesmo que cada um só possa fazer a sua própria parte, ela deve ser feita de maneira integral, procurando encontrar um modo de acolher os fenômenos, sabendo de sua transitoriedade e sua ligação com os demais fatos da vida e do mundo. Perceber-se-á a importância de cada pessoa, a dimensão infinita e a sacralidade da existência.

Na visão do Budismo Engajado, não há méritos ou deméritos. Cada ação é única e compõe os ciclos de surgimento e cessação, sempre contínuos, sem se apegar a nenhum dogma ou ideologia. Diz Thay que uma pessoa que sobe um determinado degrau, e já acredita que está no último patamar, está presa, pois sempre haverá um outro acima, ao lado e abaixo, que poderá ser visitado e revisitado livremente. Esta é a atitude da mente alerta: não estar preso a nada, sempre examinando as condições e interligações. A esse respeito, Hanh lembra as palavras de Buda:

O Buda disse: “Meu ensinamento é como o dedo apontando para a lua. Você deveria ser habilidoso. Você olha na direção do meu dedo e pode ver a lua. Se você tomar o meu dedo para ser a lua, nunca verá a lua”. Assim, mesmo o Budharma não é a verdade, é apenas um instrumento para você obter a verdade [...] Este é o ensinamento do Buda: Quando você considera que algo é a verdade e está apegado a ela, você deve

liberá-la para ir mais alto. O espírito básico do budismo é o não-contato com as visões. Sabedoria não é visões. Insight não é visões. Devemos estar prontos para liberar nossas ideias para que o verdadeiro insight seja possível. (HANH, 2008, p. 34, tradução nossa) 39.

Sendo assim, inclusive o próprio nome utilizado por Thich Nhat Hanh para denominar sua prática naquele longo período, com todas as ações humanitárias e espirituais em que ele esteve à frente, modificou-se, passando a ser chamado de “budismo aplicado”, uma outra maneira de se referir ao budismo engajado (HANH, 2008). Refere-se a acompanhar e se adaptar às necessidade do momento e do meio em que se está inserido. Esta é uma qualidade intrínseca ao Caminho de Vida.

Dessa forma, para descrever e explicar quais conceitos budistas fundamentais podem ser identificados no pensamento deste monge, é preciso seguir suas pegadas, pois suas trajetórias pessoal e espiritual no mundo se constroem juntas. Há um elo de amor entre ele e a humanidade. Sim, não há amplificações desmedidas nessas palavras, pois basta verificar os fatos: suas ações diante do Vietnã se multiplicaram pelo mundo. Múltiplos grupos budistas, formados a partir daqueles iniciados na sua juventude, estão hoje trabalhando pela paz ao redor do mundo.

Como disse Thich Nhat Hanh, o sofrimento causado por bombardeios e pressão “fere- nos demais. Temos de reagir. Assim os monges deixaram a paz e a segurança dos mosteiros e seguiram para as aldeias e cidades, para fazer o que podiam para ajudar: a dor das pessoas era a sua dor[...] talvez a compaixão seja a virtude budista identificada em primeiro lugar e a que é exaltada com mais frequência, definindo a marca de um Buda, juntamente com sua sabedoria [...] A compaixão sempre foi o mínimo absolutamente necessário para se poder ser um budista não apenas no nome [...] Seria possível (e a maioria dos budistas historicamente o fez) abster-se da meditação e da auto disciplina árdua sem ameaçar um mínimo sequer a própria identidade como budista; mas sem a compaixão e a bondade, não seria possível ser mais que um budista apenas no nome (KING, 2007, p. 473).

Onde há sofrimento, o Budismo pode ser aplicado. Onde há alegria, sua aplicação é bem-vinda. Quando se precisa de calma para voltar-se a si mesmo, o Budismo Aplicado é uma via direta. O sorriso é o Budismo Aplicado. A respiração consciente dos movimentos do ar entrando e saindo do corpo, indo ao ambiente e trazendo-o para o interior, é a prática do budismo. Ao olhar em profundidade uma flor, um sentimento, as águas do mar, ao perceber o

39 No original: “The Buddha said, “My teaching is like the finger pointing to the moon. You should be skillful.

You look in the direction of my finger, and you can see the moon. If you take my finger to be the moon, you will never see the moon.” So even the Buddhadharma is not the truth, it’s only an instrument for you to get the truth. The basic spirit of Buddhism is non-contact with visions. Wisdom is not visions. Insight is not visions. We must be ready to release our ideas so that true insight is possible”.

fluxo contínuo de uma sensação física, o calor e o frio: isto é aplicar o Budismo. O Budismo, na forma como Thich ensina, é a própria vida.

Não é preciso criar um outro lugar ideal para alcançar o paraíso. O paraíso e o inferno são percepções criadas pela consciência ou pela ignorância. O Budismo que Thich Nhat Hanh transmite é, na realidade, um convite para que se caminhe junto com ele no “momento presente e para a descoberta da paz e da alegria. A paz e a felicidade estão em cada momento. A paz é cada passo” (HANH, 1993, p. 42). Isso é Budismo Aplicado.

No próximo capítulo será apresentado este ‘Caminho de Amor’ que ele construiu com sua própria vida, assim como as paisagens que se deve notar para poder usufruir deste presente precioso que Buda realizou e Thich Nhat Hanh atualizou para o Ocidente, tendo como público a geração atual, tão descentrada e ansiosa, nesses tempos de guerra sem bombardeios projetados por aviões caça, mas apontados de coração a coração, pela ignorância da interligação, pela intolerância para com as diferenças, pela necessidade ilusória de poder.

Finalizando e, para compor uma das ideias centrais deste capítulo básico para as subsequentes apresentações da proposta da “Inter existência” de Nhat Hanh, segue uma passagem simples, de quando ele ainda era bem jovem. Pode-se perceber nessa passagem a maneira simples, singela e direta pela qual podem ser transmitidos os ensinamentos do Budismo. Basta aplicá-los à vida, assim, todos podem compreendê-los, praticá-los e se beneficiarem:

Quando eu era um jovem noviço, perguntei ao meu professor: “Você acha que na Terra Pura do Buda há tangerinas?” "Se não há tangerinas eu não gostaria de ir lá!", Declarei. Eu realmente disse isso ao meu professor! Você acha que no reino de Deus existem tangerinas ou não? Eu acredito que existem. Se você for ao reino de Deus e não encontrar tangerinas, sentirá muito a falta do planeta Terra, porque no planeta Terra há tangerinas e muitas outras coisas maravilhosas. É por isso que estou determinado a ficar aqui, porque o planeta Terra é algo muito real. Eu não quero trocá- lo por algo que não podemos ter certeza de que é real. É por isso que o reino de Deus está aqui na Terra, disponível no aqui e no agora. Essa é minha visão. Para ir ao reino de Deus, você tem que estar muito vivo, o que significa que você tem que ser muito consciente e concentrado. Você não precisa morrer para ir ao reino; pode ser tarde demais. Você tem que estar vivo agora e estar vivo é algo que você pode fazer. (HANH, 2018, s.p.).

Voltando à abertura deste capítulo e concluindo-o, entende-se por religião algo que traz sentido à vida e, “se quisermos saber alguma coisa da experiência religiosa para aqueles que a têm, contamos atualmente com todas as possibilidades de estudá-las sob formas inimagináveis. E se ela significa alguma coisa para aqueles que a têm, este algo é: ‘tudo’.” (JUNG, 1984, p.

81). Então, pode-se perguntar: qual é o significado do Budismo Aplicado para Thich Nhat Hanh a não ser encontrar o reino da “Terra Pura” no aqui e agora?

No documento zaradeoliveirafreitasmagalhaeslyrio (páginas 54-58)