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A interlocução com Joaquim Nabuco, República e Positivismo

4. O Éden republicano no Brasil

4.2 A construção de uma narrativa legitimadora da República brasileira em Novo Éden, Harpa de

4.2.3 A interlocução com Joaquim Nabuco, República e Positivismo

Sousândrade revelou a Joaquim Nabuco sua intenção em ressignificar por meio da literatura a imagem histórica da Princesa Isabel, transformando-a em figura essencial para a história da República. A afirmação foi escrita em carta inédita do maranhense enviada ao monarquista pernambucano em 26 de agosto 1896, localizada na Fundação Joaquim Nabuco. Considerando o ineditismo do material e a pertinência das declarações do poeta para a nossa argumentação, vale a longa citação:

Joaquim Nabuco: (...) Me deveis amor; Aff. Celso me deve amor; a princeza Izabel me deve amor, e hei de reconduzil-a á nossa patria não imperatrix do Brazil, mas como a melhor mãe de familia brazileira (vereis no Novo-Eden que ella é a predestinada rosa de oiro, a irmã de Washington e fundadora da Republica da Sul-America, a suicida dynasta para ser a revivente Libertas). Nas democracias verdadeiras, Helvecia, Estados Unidos, Chile, Uruguay que é a nossa irmã mais velha, sente-se a Acção eterna eternamente guiando os povos. Ja a presinto entre nós. O periodo lagarta vai passando e temos penetrado no periodo chrysalida = Christ-cross-row = e o da borboleta solar, o seculo XX, será nosso. E assim como os individuos, as nações teem de atingir á maioridade: do glorioso militarismo representado por Floriano, passamos ao septenio da magistratura, e o das universidades nos espera então . . . Attesta-o o brilhante corpo de cavallaria que impondo a paz activa ahi vejo desfilar ao amanhecer, porque toda a noite velara e nem saber pode dormir quem guarda o seu posto de honra.

O Dentista Mineiro, o saneador da bocca, é a grande Voz; Pedro 1º quiz ser-lhe e foi, o braço d'independencia (e 2º qual o periodo actual, de necessaria demora, magistratura em fim ou de arrumações, é o imperial depois do colonial e antes do republicano); D. Izabel sua neta e com o leque partido e as rosas de mayo terminou a Revolução, que é secular como a franceza: se a redemptora do imperio fosse rodeiada da tribu de

Benjamin ou dos verbos em e qual dos  o avô, tudo estaria differente. Porém, a eschola das desgraças, como o exemplifica S. Paulo, sendo a que conduz a humanidade á gloria — gloriosos havemos de ser todos. (...) Saude e fraternidade. O cidadão Sousandrade. (SOUSÂNDRADE, 1896) 153

Sousândrade menciona na carta a presença da Princesa Isabel em Novo

Éden, publicado três anos antes do envio da mesma. Na quarta linha da citação,

quando ele escreve vereis no Novo-Eden , a presença do verbo no futuro pode indicar que juntamente com carta seguia um exemplar do livro como presente a Nabuco. Já o poema póstumo Harpa de Ouro é dedicado ao monarquista, Sousândrade escreve na dedicatória que o mesmo se tratava de um: "inteligente

post scriptum de uma carta político-republicana ao Dr. Joaquim Nabuco, em sinal

de grande estima"154. Não podemos ser assertivos sobre a relação entre a carta mencionada no prefácio e aquela que tivemos acesso, mesmo assim, pela coincidência temática, acreditamos tratar-se da mesma correspondência. Por conseguinte, a carta confirma a continuação entre Novo Éden e Harpa de Ouro, que em conjunto com O Guesa, O Zac devem ter feito parte de um mesmo projeto de poemas republicanos escritos a partir de 1893, considerando a convergência temática entre os três. Entretanto, para além do que foi exposto atrás, nos intriga o motivo que levou Sousâdrade a endereçar a Nabuco o reavivamente literário de Isabel como uma republicana, pois, conforme Daibert Júnior (2004) é sabido que o monaquista apoiava a possiblidade do Terceiro Reinado da Princesa.

É importante também destacar na carta a continuidade histórica que o autor estabelece entre Tiradentes e D. Pedro I. Tiradentes é descrito como a voz e D. Pedro I o braço do de setembro, um é a idealização e o outro a concretização do mesmo ideal. Argumento oposto a esse está presente no canto segundo d O

Guesa, publicado dez anos antes:

(2.º Patriarcha : )

— Bronzeo está no cavallo

153 Carta inédita de Sousândrade a Joaquim Nabuco. Ver anexos. 154 Idem.

Pedro, que é fundador ; Ê ! ê ! ê ! Tiradentes, Sem dentes, Não tem onde se pôr!

(canto décimo, p. 31)

Acima, ambas as figuras históricas são antagônicas pela tentativa do Segundo Reinado em apagar a memória do inconfidente em favor da exaltação da imagem de D. Pedro I, o proclamador efetivo da Independência155. A decisão tardia de Sousândrade em não romper com o legado de D. Pedro I pode ter sido influência do Positivismo que, em se tratando da evolução política da humanidade, considerava a monarquia o primeiro estágio do seu desenvolvimento, plenamente concretizado pelo republicanismo (TORRES, 1943, p. 60).

Essa concepção positivista das fases do progresso histórico também guiou, por exemplo, a junta provisória republicana na escolha da nova bandeira para o Brasil, já que o pavilhão da república foi uma adaptação da bandeira imperial sob a divisa positivista Ordem e Progresso. A manutenção dos elementos da bandeira do antigo regime político foi defendida pelos positivistas sob a alegação de que a bandeira de uma nação era símbolo de fraternidade e um elo do passado ao presente e ao futuro CARVALHO, , p. . Portanto, não se devia negar o que veio antes porque fora essencial para o desenvolvimento do estágio presente da história. Sousândrade escreveu na carta a Nabuco que natural era vir o imperial depois do colonial e antes do republicano , o que nos possibilita afirmar que ele também compatilhava dessa visão positivista da história nacional.

O borboletear do rir da menina bonita: República e Positivismo

As palavras que o maranhense endereça ao pernambucano evidenciam a afinidade das suas ideias com o que Auguste Comte no seu Cours de Philosophie

Positive (1830) chamou de A Lei dos Três Estados. Esses são referente aos

patamares de desenvolvimento mental do ser humano, segundo a qual existiriam três estados teóricos diferentes: o estado teológico ou fictício; o estado metafísico ou abstrato; o estado científico ou positivo" (COMTE apud SOARES, 1998, p.44). Cada um desses estágios mentais caracterizariam um regime político distinto, também evolutivo, compreendidos respectivamente pela monarquia, pelo parlamento liberal-democrático e, finalmente, pela república, positivista e tecnocrata. A filosofia positivista de Comte ligava-se a uma tradição de pensamento que incluía:

Kant, Hegel, Spencer, Marx, Darwin, Haeckel, e um sem número de pensadores, que com maior ou menor êxito, desenvolveram o princípio de que a humanidade tende a uma "idade de ouro", situada no futuro. (TORRES, 1943, pp. 62-63, grifo nosso)

Conforme discutido anteriormente, essa noção de uma idade de ouro , situada no futuro , está presente na poesia sousandradina nas referências ao Éden. Outrossim, a concepção das fases do desenvolvimento político das nações para os positivistas figura na obra do maranhense como os estágios da metamorfose da borboleta, que é mais uma metáfora para a plenitude republicana. Segundo o poeta, os primeiros anos da República experimentados no Brasil eram apenas o rastejar do seu ideal, "o período lagarta , mas o período chrysalida não tardaria e logo alcançaríamos a fase definitiva da "borboleta solar", ou a configuração plena desse regime político. Essa metáfora presente na carta a Joaquim Nabuco também está presente em Harpa de Ouro sob a variação de "borboleta girassol" (p. 434, verso 55); "borboleta moral" (p. 435, estrofe 80-81); "solar borboleta que integra a tão gentil revolução" (p. 446, estrofe 231) e, mais explicitamente, na estrofe seguinte aos versos sobre menina bonita das dores/ Incorruptível diamante! A hão :

Truth e o do mar, 'velho verídico',

Passado - Presente - Porvir, Aí vendo o tesoiro brasílico À colonial lagarta, - o aurir Do Império crisális, - e o edílico

Borboletear do teu rir, Ó Liberdade, flor senhorita (...)

(Harpa de Ouro, p. 441)

Sousândrade consegue reunir no excerto a noção de Passado - Presente - Porvir da Lei dos Três Estados com a imagem feminina da liberdade republicana. Assim, a verdade que emerge do mar, berço das transformações da vida e da colonial lagarta , é o do porvir do sorriso da moça bonita , um dos avatares da República, sorriso idílico que encanta como o bater de asas da borboleta livre do casulo imperial.