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Esta seção tem como objetivo apresentar os ditongos crescentes que possibilitam, nesta pesquisa, a monotongação alvo das atitudes linguísticas focalizadas. Ao tratar sobre ditongos, abordamos também a sílaba, seus tipos, e o reconhecimento dos segmentos passíveis de preencher essas posições. Ainda engloba essa discussão o entendimento sobre verdadeiros ditongos e sobre a variação entre ditongos crescentes e hiatos, com base em gramáticos tradicionais e em linguistas. Também apresentamos alguns resultados de pesquisas que apresentam o uso da variante monotongada de ditongos crescentes.

Inicialmente, destacamos as perspectivas de quatro gramáticos: Luft (2002), Rocha Lima (2010), Cunha e Cintra (2008) e Bechara (2003) sobre a conceituação de sílaba e de ditongo, e sobre o status do ditongo crescente.

Luft (2002) inicia sua apresentação dos ditongos com a definição de Câmara Júnior (1964 apud Luft, 2002, p. 221) "Grupo vocálico pronunciado na mesma sílaba e constituído de vogal silábica ou base, e de uma vogal auxiliar assilábica, que em

português é uma das semivogais [y] ou [w]”. O gramático afirma que a estrutura de um ditongo apresenta uma vogal e uma semivogal. A semivogal pode vir antes ou depois da vogal formando, respectivamente, um ditongo crescente e um ditongo decrescente. Subdivide os ditongos em estáveis, os verdadeiros ditongos (decrescentes) e os variáveis (crescentes), realizados tanto como ditongos quanto como hiatos, exceto os casos em que estão envolvidos, além da vogal núcleo da sílaba, os dígrafos ‘qu’ e ‘gu’, que geram a produção fonética de uma consoante oclusiva seguida pela semivogal bilabial [w], a exemplo da formação da primeira sílaba da palavra [‘kwazi]. A ditongação, seja ela qual for, é considerada um fenômeno fonético, não fonológico, dependente de contexto. Finaliza a seção dos ditongos com uma lista de ditongos decrescentes e crescentes, tanto orais quanto nasais. Na seção dos hiatos, ele chama a atenção para os encontros –ia, -ie, -io, -ua, etc. Declara que os encontros vocálicos átonos finais de palavra iniciados por /i, e, o, u/ são, na fala espontânea, realizados como ditongos de uma forma geral, mas que é possível a realização como hiatos. Quanto ao acento tônico, prefere considerar as palavras em que se encontram os ditongos paroxítonas e sugere que assim o façam também. Após essa e outras discussões, apenas no final do capítulo de classificação dos fonemas, conceitua sílaba como “unidade fônica emitida num só impulso expiratório, e caracterizada pela presença de um centro de sílaba ou fonema silábico” (Luft, 2002, p. 228). Apresenta as possibilidades estruturais da sílaba e afirma serem possíveis combinações com mais de duas consoantes abrindo ou fechando a sílaba em realizações fonéticas. Ilustra a afirmação com um ditongo crescente: “preá /pre’a/ > [pri’a] ou [‘prja]” (Luft, 2002, p. 229). Nesse caso, a semivogal é interpretada como consoante.

Rocha Lima (2010), conceitua sílaba como unidade de som proferida de uma vez e exemplifica os tipos silábicos. Inicia a apresentação dos encontros vocálicos pelos hiatos, que são conceituados como um encontro de vogal-base mais vogal-base. Sendo assim, em palavras como “goi-a-ba” não há hiato entre a vogal ‘i’ e a vogal ‘a’. Os ditongos são considerados um encontro de vogal + ‘i’ (ou ‘u’) em função consonantal. Podem ser orais ou nasais, crescentes ou decrescentes. O autor segue a perspectiva que considera apenas os ditongos decrescentes como verdadeiros ditongos, à exceção dos crescentes constituídos pela sequência dos dígrafos como anteriormente descrita. Para encerrar a discussão sobre os encontros vocálicos, ele abre um item intitulado “encontros instáveis”, que são encontros vocálicos variáveis na pronúncia. O autor

condiciona tal variação à influência de fatores de ordem regional, grupal ou ainda ao grau de tensão psíquica do falante. Estão incluídos nesses encontros instáveis os encontros ‘ia’, ‘ie’, ‘io’, ‘ua’, ‘ue’, ‘uo’ átonos finais de vocábulo, a exemplo de “ausência” e “vácuo”, e os encontros formados por “i” ou “u” (átonos) + vogal seguinte (átona ou tônica), a exemplo de “fiel” e “crueldade”.

Cunha e Cintra definem sílaba como “vogal ou grupo de sons pronunciados numa só expiração” (2008, p.66). Sobre a estrutura da sílaba, alegam que é formada por uma vogal, ditongo ou tritongo, acompanhados ou não por consoante. Reconhecem os ditongos como decrescentes e crescentes, orais e nasais. Afirmam que apenas os decrescentes são estáveis. Os crescentes só têm estabilidade quando formados por [w], diante de [k] ou [g], seguidos da vogal núcleo da sílaba. Em uma observação final, os gramáticos chamam a atenção para os encontros vocálicos átonos finais de sílaba, afirmando que são, em geral, ditongos crescentes, mas que podem ser pronunciados como hiatos. Na escrita, não admitem a separação desses encontros variáveis.

Bechara descreve a sílaba como “um fonema ou grupo de fonemas emitido num só impulso expiratório” (2003, p. 84). Em relação a sua constituição, afirma que podem ser simples ou compostas, e que estas podem ser abertas ou fechadas. Considera que os encontros vocálicos originam os ditongos, tritongos e hiatos. Os ditongos são formados pelo encontro de uma vogal e de uma semivogal, ou vice-versa, em uma mesma sílaba. Assim como os outros gramáticos, classifica os ditongos em crescentes, decrescentes, orais e nasais. Apresenta os principais ditongos crescentes e observa que sua existência pode ser discutível. Aponta também o descompasso entre a variabilidade da pronúncia desses ditongos e a invariabilidade da escrita deles, que sempre são grafados como ditongos e nunca como hiatos na separação silábica, demonstrando, assim, sua preferência pela forma ditongada.

Diante da exposição da perspectiva dos gramáticos, primeiramente, percebe-se que não há consenso sobre a análise da semivogal na formação de um ditongo, classificada algumas vezes como consoante. A instabilidade do ditongo crescente é apontada por todos os gramáticos, porém nenhum deles menciona, também, como possibilidade a variação fonética entre o ditongo decrescente e o hiato. Sobre a preferência de pronúncia, apenas Luft (2002) se pronuncia preferencialmente pela pronúncia do ditongo, embora Cunha e Cintra (2008) e Bechara (2003) só permitam como possibilidade escrita a forma ditongada, sugerindo, assim, a mesma preferência.

Apresentamos, em seguida, a perspectiva linguística sobre o ditongo crescente. Para isso, assinalamos brevemente a representação silábica de duas teorias basilares para a discussão em questão: a teoria autossegmental, representando as perspectivas teóricas que analisam os constituintes silábicos sem hierarquia entre eles, e a teoria métrica, que considera tal hierarquia. Trazemos também resultados de pesquisas variacionistas que relatam o uso da monotongação de ditongos crescentes e seus possíveis fatores condicionantes internos e externos.

A teoria autossegmental, formulada em Kahn (1976 apud COLLISCHONN, 1999), representa a sílaba em uma camada independente à qual os segmentos estão diretamente ligados, conforme ilustra a figura 1:

Figura 1: Estrutura da sílaba segundo a teoria autossegmental.

Já a teoria métrica, apresentada em Selkirk (1982 apud COLLISCHONN, 1999), propõe que as sílabas (σ) são estruturadas com base em um ataque (A) e em uma rima (R). A rima, por sua vez, é formada por um núcleo (Nu) e uma coda (Co). Veja:

Harris (1983 apud SIMIONI, 2007) afirma que os constituintes silábicos são sempre binários. Sendo assim, uma rima com mais de dois segmentos cria uma estrutura recursiva. Um exemplo disso é a primeira sílaba da palavra “perspectiva”, representada abaixo.

Figura 3: Representação da primeira sílaba da palavra perspectiva.

Extraído de Simioni, 2007, p.3.

A teoria autossegmental afirma que os três segmentos apresentados na figura 1 relacionam-se igualmente, já a teoria métrica

prevê um relacionamento muito mais estreito entre a vogal do núcleo e a consoante da coda do que entre esta vogal e a consoante do ataque. Além disso, a primeira teoria prevê que somente a sílaba como um todo pode ser referida pelas regras fonológicas. (COLLISCHONN, 1999, p. 100)

Na teoria métrica, as sílabas podem ser classificadas como pesadas ou leves, a depender de sua constituição. As sílabas pesadas constituem-se de mais de um elemento, porém nem todas as sílabas de mais de um elemento são pesadas. Isso depende da estrutura interna da sílaba: para que uma sílaba seja considerada pesada, é necessário que haja uma rima complexa, ou seja, rima constituída por vogal e consoante ou por duas vogais (ditongo ou vogal longa). Observe a diferença nas sílabas abaixo.

Na primeira sílaba (car) há uma rima complexa, uma rima ramificada. Na segunda (cra), o ataque é que se ramifica. Observa-se que a constituição do ataque, mesmo ramificado, não é relevante para a interpretação da sílaba pesada. Ou seja, a distinção entre sílabas leves ou pesadas focaliza a rima. Sílabas com rima ramificada são consideradas pesadas e sílabas com rima não ramificadas são consideradas leves. Collischonn (1999) considera que apenas os ditongos leves podem sofrer monotongação.

Bisol (2013) apresenta como molde silábico do português a seguinte representação.

Figura 5: Molde silábico do português.

Extraído de Bisol, 2013, p.23.

Essa representação arquiteta a estrutura binária silábica, apresentando seus constituintes – ataque e rima – dos quais a rima é obrigatória. A rima, também binária,

constitui-se de núcleo e coda, sendo o núcleo sempre preenchido por uma vogal, e a coda por uma soante ou por uma produção fonética do arquifonema /S/. O ataque pode ter até dois segmentos, restringindo-se o segundo a uma soante não nasal.

Há ainda as sílabas de estrutura CCVCC, representadas abaixo, que a autora explica por meio da regra de adjunção de /S/ à rima bem formada (HARRIS, 1983 apud BISOL, 2013).

Figura 6: Sílabas de estrutura CCVCC.

Extraído de Bisol, 2013, p.24.

Câmara Júnior (1988) afirma que a sílaba, quando completa, é composta de um aclive, um ápice e um declive. O ápice corresponde à vogal (fonema silábico) e não pode faltar na sílaba. Os outros fonemas (assilábicos) compõem o aclive e o declive e podem não ser preenchidos em alguns tipos silábicos. Segundo o autor a sílaba tem as seguintes estruturas fundamentais:

V (sílaba simples), CV (sílaba complexa, mas aberta ou livre porque termina no silábico), e, como sílabas fechadas ou travadas, VC (em que falta o aclive) e CVC (sílaba completa com aclive e declive). A exemplificação em português pode ser: há (V), pá (CV), às (VC), par (CVC). (CÂMARA JR., 1988, p. 26)

O autor reconhece como verdadeiros ditongos os ditongos decrescentes. Os ditongos crescentes são reconhecidos apenas depois das consoantes /k/ ou /g/, quando integram ao que a modalidade escrita considera dígrafos ‘qu’ e ‘gu’, como em “quadro” e “guarda”. Ele afirma que, embora a delimitação da fronteira silábica seja muito nítida de maneira geral, é flutuante em alguns contextos:

1) /i/ ou /u/ precedido ou seguido de outra vogal átona (ex.: vaidade, ansiedade); 2) /i/ ou /u/ seguido de outra vogal mas tônica ( ex.: suar, fiel, miolo); 3) /i/ ou /u/ seguido de outra vogal átona em posição final (ex.: Glória, óleo /óliu/, fátuo). (CÂMARA JR., 1988, p 33)

O último agrupamento de exemplos apresentados seria de variação livre entre um ditongo crescente e um hiato, sem que haja oposição distintiva, ou seja, essa variação não possibilita a formação de uma palavra diferente.

Lopez (1979) também reconhece a variação livre entre o ditongo crescente e uma sequência de duas vogais. Atenta para o fato de que, quando sucedidas por outra vogal, as vogais altas sempre podem tornar-se glides independentemente da tonicidade da sílaba em que se encontram. A autora ainda esclarece que os glides se alternam tanto como vogais altas como vogais médias, já que vogais médias não acentuadas podem elevar-se diante de outra vogal, a exemplo de [vo‘ah] ~ [vu‘ah] ~ [vw‘ah].

Sobre os ditongos (decrescentes), Bisol (2013) afirma que é a regra de formação da coda que os explica. A posição da vogal alta produzida como semivogal (constituindo com outra vogal um ditongo) é a mesma das soantes /n, l, r/. Os únicos ditongos crescentes invariáveis seriam aqueles formados pelas sequências /kw, gw/ diante de /a/ e /o/.

Couto (1994) segue uma perspectiva teórica diferente da dos outros pesquisadores. O autor reconhece os casos de variação livre entre alguns ditongos crescentes e hiatos, porém indica a existência de ditongos crescentes, além dos já reconhecidos, formados por [w], diante de [k] ou [g], seguidos da vogal núcleo da sílaba, que não estão em variação livre com hiato. Cita como exemplo palavras como ‘ideia’, ‘assembleia’, ‘ceia’, ‘meia’, ‘veia’, dentre outras. Em defesa disso, afirma que a semivogal do ditongo é ambissilábica. Segundo o autor, nesses casos, a semivogal está associada a duas sílabas: primeiramente formando um ditongo decrescente e, em seguida, o crescente.

Sobre os ditongos crescentes pós-tônicos (os focalizados em nossa pesquisa) Simioni (2008) afirma que sua realização é quase categórica como ditongos e não como hiatos, ao contrário daqueles em posição pretônica ou tônica. A realização de um hiato,

nesses casos, forma uma palavra proparoxítona, que possui um padrão marcado em português, o que explica a preferência pelo ditongo.

Hora (2012) pesquisa a variação de ditongos crescentes em palavras paroxítonas do corpus do Projeto Variação Linguística no Estado da Paraíba – VALPB, com informantes nascidos em João Pessoa e dados estratificados de acordo com o sexo, a faixa etária, e os anos de escolarização dos informantes. Afirma que o fenômeno já se apresentava em pesquisas diacrônicas.

Seus dados mostram que falantes mais escolarizados têm a maior probabilidade de aplicar a regra de monotongação em ditongos cujas vogais têm saliência fônica (diferença material fônica) menos perceptível, como em “espécie” e “árduo”. Os falantes com menos anos de escolarização podem aplicar essa regra independentemente do grau de saliência entre as vogais, a exemplo de "paciença" e “edifiço”. Já que nos dois primeiros exemplos a saliência entre as vogais é menor e a elevação de [e] para [i] e de [o] para [u] é um processo natural no português brasileiro, a aceitação dessas formas é bem maior do que a aceitação das últimas ocorrências exemplificadas. Observando-se a variável sexo, os dados mostram que as mulheres preferem a forma ditongada, enquanto os homens preferem as formas monotongadas. Os resultados relativos à variável faixa etária mostraram que o uso ditongado é preferencial dos jovens (15 a 25 anos) e dos idosos (acima de 49 anos). O contexto fonológico precedente foi a variável estrutural mais significativa do estudo. Quando o contexto fonológico precedente é preenchido pelas coronais /s/, /r/, /l/, /n/ e a labial /p/, o processo de monotongação é favorecido, como em “princípio”, “armário” e “ciência”.

Elias (2008) verifica uma grande incidência da monotongação de ditongos crescentes orais em final de palavras na escrita de alunos da primeira série do Ensino Fundamental. Observa que a partir da segunda série essa frequência diminui, chegando a uma frequência nula na terceira e na quarta série, confirmando assim a influência da variável escolaridade na monotongação. Em relação ao contexto, a autora atesta a influência de /s/, /r/ e /ʒ/, precedentes aos ditongos (mesma sílaba), na supressão do glide.

Hamdan (2013) também apontou em sua pesquisa forte variação entre o ditongo crescente em final de sílaba e sua redução na fala de uberlandenses. Sua pesquisa está em fase de conclusão e, posteriormente, dar-nos-á mais subsídios para reflexões sobre o tema.

Alguns estudos como Haupt (2011) apontam a quase categoricidade da monotongação de alguns ditongos decrescentes, a exemplo de peixe > pexe. Esse tipo de monotongação não é estigmatizado. Já os monotongos derivados de ditongos crescentes como em paciência > paciença, polícia > poliça, são variantes marcadas, estigmatizadas, geralmente relacionadas ao nível de escolaridade do falante.

Os apontamentos teóricos sobre a instabilidade dos ditongos crescentes são quase um consenso, porém há outras possibilidades de observar o fenômeno, como no caso da ambissilabicidade da semivogal em alguns casos. É necessário observar que os ditongos decrescentes verdadeiros também são passíveis de variação com hiato. O que os diferencia dos outros ditongos é a menor probabilidade dessa variação. A estrutura silábica também merece estudos mais aprofundados, já que, além da constatação de que o ataque da sílaba seguinte se mostra influente para a monotongação dos ditongos decrescentes variáveis, observou-se que o ataque da mesma sílaba influencia a monotongação dos ditongos crescentes. A saliência fônica também se mostrou relevante, tanto para a monotongação (ou não) dos ditongos crescentes, quanto para a atitude linguística dos falantes.

Os aspectos linguísticos estruturais também justificam uma frequência menor da variante monotongada e sua falta de aceitação por grande parte dos falantes. Essa questão corrobora o fato de que ainda há muito que se discutir sobre os encontros vocálicos em português.

3 INTERFACE ENTRE SOCIOLINGUÍSTICA E PSICOLOGIA SOCIAL – POR

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