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PAISAGEM DA BHRS

2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA E METODOLÓGICA 1 Geografia e Teoria Sistêmica

2.1.2. A introdução dos sistemas nas ciências ambientais e na Geografia

Se na Física a necessidade de um novo paradigma indicava a Teoria dos Sistemas como um caminho viável para compreensão da realidade e se acirrava nas áreas da Termodinâmica Irreversível de Prigogine (1947, apud PRIGOGINE,1996), da Mecânica Quântica de Max Planck e do Princípio da Incerteza de Heisemberg (1996), a chegada desse novo paradigma às ciências ambientais e sociais causaria uma grande revolução.

Os primeiros trabalhos da Ecologia, no século XIX, recebendo aportes da termodinâmica e dos estudos de pesquisadores como Haekel (1866) e Möbius (1877) já enfatizavam as ligações funcionais entre os elementos, bem como estrutura e funções da natureza (BOCCO, 2010).

Na década de 1930, os estudos de Tansley (1934), estabelecem o conceito de ecossistema como “todo o complexo de organismos (animais e plantas) naturalmente vivendo juntos como unidade sociológica” (VICENTE & PEREZ FILHO, 2003). Já no final dessa década o biogeógrafo alemão, Carl Troll, através da análise de fotografias aéreas, acrescentou ao ecossistema o conceito de paisagem dando origem a ecologia da paisagem (BOCCO, 2010), que mais tarde culminaria na abordagem geoecológica e nos geossistemas.

A introdução do pensamento sistêmico na Geografia abre novas possibilidades de compreensão do funcionamento do espaço, e o paradigma holístico se apresenta como alternativa para a superação das dicotomias científicas.

Segundo Moragas (2005):

“as características inerentes à Geografia como ciência são bastante favoráveis à utilização da abordagem sistêmica, uma vez que este ramo do conhecimento utiliza-se de interfaces dos meios físico, antrópico e biótico com intuito de compreender como se dá a organização dos fenômenos” (MORAGAS, 2005).

Em uma revisão sobre paisagens, Vitte (2007) corrobora essa ideia ao afirmar que o conhecimento da superfície terrestre implica necessariamente em estabelecer relações e causas entre os grupos humanos e a epiderme do planeta.

A abordagem sistêmica teve maior difusão nas disciplinas geográficas principalmente a partir da década de 1960, época em que atinge maior maturidade, principalmente a partir do trabalho de Chorley (1962) e da concepção dos geossistemas em trabalhos independentes de Sotchava e Bertand respectivamente na União Soviética e França.

Nestes trabalhos a proposta metodológica geossistêmica representou um avanço em termos de proposição global para os estudos da Geografia Física, sobretudo quando se observa sua evolução, resultado das tentativas de aplicação da Teoria Geral dos Sistemas à análise do meio natural pela Geografia (MENDONÇA, 2010).

Enquanto na União Soviética e França havia a aplicação da Teoria Geral de Sistemas pela visão geossistêmica, na América do Norte essa aplicação se deu, sobretudo, através dos estudos da escola de Geografia Teorética e Quantitativista (New Geography) a partir das décadas de 1960 e 1970.

Os estudos da Geografia Teorética Quantitativista deram continuidade ao estudos dos aspectos físicos dentro de uma visão partida de Davis, Demartone, Strahler, Culling, Hack e Chorley, porém utilizando o método hipotético dedutivo, a matematização da linguagem, métodos análogos aos das ciências naturais, a informatização das metodologias, a modelização, a estatística, os métodos quantificadores dos fluxos e as relações entre os elementos das paisagens e o método científico de análise (CHRISTOFOLETTI, 1979; 1985; CAMARGO & REIS JUNIOR, 2007; MENDONÇA, 2010).

Apesar desses trabalhos serem marcos, cabe ressaltar a observação realizada por Moragas (2003), para quem as abordagens integradas no campo da Geografia ocorrem desde os trabalhos de seus fundadores, Humboldt e Ritter, que por meio de observações, associações e comparações esboçaram fundamentos do conceito de paisagem (landschaft).

Nesses trabalhos dos fundadores da Geografia, havia contudo uma falta explícita de teorias que os embasassem, tornando a Geografia uma disciplina excepcionalista, empírica e descritiva (CAMARGO & REIS JUNIOR, 2007).

Os trabalhos posteriores gestados sob as escolas geográficas tradicionais se caracterizam pela busca de teorias, em outras ciências, relacionadas a distribuição de eventos e sua aplicabilidade na distribuição espacial dos fenômenos, mas a falta de um estudo crítico dessas teorias fez com que a lacuna teórica da Geografia permanecesse (CHRISTOFOLETTI, 1985).

A Teoria Geral dos Sistemas lega a Geografia a proposta de estudar não os componentes da natureza, mas as conexões entre eles em sua dinâmica, estrutura funcional, etc. (SOTCHAVA, 1977; TRICART, 1977). Sob esse contexto a Teoria Sistêmica surge, tanto para a New Geography norte-americana quanto para as escolas de análise integrada da paisagem europeias, como um fio delineador metodológico e como um referencial teórico-filosófico para a Geografia.

“A aplicação da teoria dos sistemas aos estudos geográficos serviu para melhor focalizar as pesquisas e para delinear com maior exatidão o setor de estudo desta ciência, além de propiciar oportunidade para considerações críticas de muitos dos seus conceitos. A bibliografia específica avoluma-se continuamente, abordando temas ligados às geociências ou às ciências humanas. No âmbito da Geografia, todos os seus setores estão sendo revitalizados pela utilização da abordagem sistêmica” (CHRISTOFOLETTI, 1985)

A aplicação da Teoria dos Sistemas na Geografia, apesar de passível de críticas, obtém maior sucesso na explicação da realidade, por conta da complexidade da maior parte dos fenômenos estudados pela Geografia, em geral sujeitos a ação de um grande número de elementos e variáveis internos e externos aos sistemas geográficos.

Isso se torna ainda mais evidente a partir da constatação de que como ciência social, a Geografia estuda sistemas sociais e portanto sistemas sujeitos tanto a ação de elementos e fluxos naturais de matéria e energia quanto a elementos e fluxos de matéria, informação e energia socioeconômicos e culturais carregados de intencionalidade e que portanto não podem ser reduzidas a simples regras de causa e efeito.

O Paradigma Holístico e a Teoria Geral dos Sistemas gestada sob ele, se apresentam, deste modo, como alternativas de superação da dicotomia Geografia Física/Humana e da herança reducionista do paradigma newtoniano-cartesiano, a superespecialização das áreas científicas, que afetava em especial a Geografia.

Apesar disso, a introdução desse novo paradigma na Geografia brasileira teve como resposta fortes resistências da comunidade científica. No país, a Teoria dos Sistemas foi introduzida na Geografia, sobretudo, em duas vertentes diferentes: a primeira vertente, afinada com as escolas de análise integrada da paisagem de origem europeia e com a metodologia geossistêmica franco-soviética, que no país teve Monteiro (2000), como seu principal expoente; a segunda grande vertente, que obteve maior expansão no país, estava mais ligada a New Geography norte- americana, e foi trazida principalmente por Christofoletti (1971; 1976).

Segundo Moragas (2005), a resistência a esse novo paradigma provém provavelmente da expansão da Geografia Crítica no Brasil, corrente que associou a Teoria dos Sistemas à corrente Teorético Quantitativista, que além de disputar espaço com a Geografia Crítica, como modelo de compreensão do objeto da Geografia, ainda era vista pelos geógrafos críticos como justificadora das ações do Estado e do Capital em detrimento dos outros setores da sociedade.

Apesar da grande resistência, os problemas ambientais, tanto locais quanto globais, tornaram cada vez mais evidente a necessidade da visão holística do espaço geográfico e o paradigma sistêmico vem ganhando força nas últimas décadas, orientado no país, tanto pelas corrente teorético-quantitativista quanto pelas escolas de análise integrada da paisagem, incluindo ai o estudo dos Geossistemas, (BERTRAND, 1972), a Ecodinâmica (TRICART, 1977), a Ecogeografia (ROSS, 2006), a Geoecologia (RODRIGUEZ, et al., 2010B) e as análises integradas das bacias hidrográficas.