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O modo de ver os processos de mudança social numa perspectiva evolucionista se manteve pela intimidade e cumplicidade existente entre as idéias de progresso e desenvolvimento ao longo destes dois últimos séculos. A "crise do progresso" durante as décadas de 30 e 40 não implicou no repensar daquele pressuposto básico, mas sim na sua manutenção através das teorias do desenvolvimento. Tal como o termo progresso, "(...) a idéia de desenvolvimento supõe uma trajetória a se percorrer, uma mudança ordenada, predeterminada, universal, segundo um mesmo e único processo civilizatório, uma crença de que a humanidade move-se numa direção desejada e para melhor" (HERCULANO, 1992).

O surgimento da idéia de progresso não é uma peculiaridade do século XVIII, mas já existia entre os gregos que a viam como um progressivo aperfeiçoamento cultural, um avanço das artes, das ciências e da filosofía, de forma que a sua acepção se mantinha a um círculo restrito de pensadores. A sua surpreendente consolidação como valor intrínsico no imaginário coletivo moderno, ran detrimento de idéias até mais antigas como felicidade, liberdade, justiça, igualdade, etc, está ligado à possibilidade de associar à essa nova idéia os fatos corriqueiros do cotidiano desencadeados pelas inovações da revolução industrial. O surgimento da burguesia e de um novo sistema industrial e tecnológico não implicou somente no surgimento de uma nova idéia, mas também na possibilidade desta nova idéia de nprogressoH ser percebida por qualquer cidadão comum, rompendo com sua restrita localização ao circulo acadêmico de pensadores. As mudanças ocorridas na produção, na tecnologia e nos processos de acumulação propiciaram e reforçaram a nova significação do termo. A possibilidade de perceber o progresso como "evolução do processo econômico, da percepção da potencialidade acumulada ran curto prazo na indústria" fez com que a idéia encontrasse sua "correspondência ao nivel do real, obtendo legitimidade pública ao ser comprovado pelos olhos do povo, até atingir a totalidade da consciência social" (BUARQUE, 1990, p. 47-8).

A mudança de ênfase conceituai entre a concepção de progresso para desenvolvimento deve-se, em grande parte, ao reordenamento do sistema econômico mundial e de suas conseqüências econômicas e sócio-cul turáis. O colapso do sistema econômico internacional nos anos trinta implicou no desaparecimento de moedas nacionais (ex: russa, alemã) no espaço de um ano, devido, em grande parte, às mudanças em relação à fuga de capitais. Além disso, o colapso e reajustamento do sistema internacional foi acompanhado por duas grandes guerras e das ditaduras totalitárias modernas que desmentiram a crença de um progresso pré-determinado das sociedades humanas em direção a um sistema democrático representativo, se bem que

se argumentasse que tais eventos teriam sido apenas acidentes de percursso. Em resumo, a grande depressão após a primeira guerra mundial e o surgimento da segunda guerra mundial e a ascensão do fascismo e nazismo fez com que se tomasse público o tema da "crise do progresso".

Contudo, no pós-guerra de 45 surgiram dois grandes modelos alternativos de desenvolvimento, de um lado o socialismo de Estado e de outro o capitalismo liberal. A partir daí, Estado e mercado dominaram o pensamento e ação nas estratégias desenvolvimentistas, sendo que ambas ideologias invocavam uma evolução, um progresso, como tendência imanente. Para a perspectiva liberal a história conduziria inevitavelmente a uma democracia representativa sendo o livre mercado uma condição sine qua non desse processo; na outra perspectiva, a evolução de formas cada vez mais elevadas da sociedade se daria por um aumento das forças produtivas (CASTORLADIS, 1987, p. 108). Embora que se mantivessem diametralmente opostas no quadro ideológico, estas duas perspectivas convergiam no que diz respeito às estratégias modemizadoras, tendo o industrialismo como eixo central para realizar as mudanças necessárias. Em relação a estes enfoques talvez sejam pertinentes as palavras de Sachs,

"O futuro historiador das ciências sociais terá o direito de surpreender-se com a frustrante simplicidade das teorias de desenvolvimento postas em circulação após a segunda guerra mundial. No fundo, dever-se-ia mais bem falar da teoria, pois a lógica subjacente era a mesma dos dois lados da barricada. Um estreito economidsmo levava a pensar que, uma vez assegurado o crescimento rápido das forças de produção, provocaria um processo completo de desenvolvimento que se estenderia mais ou menos espontaneamente a todos os dominios da atividade humana" (1986, pg 30).

Ambos os modelos se tomaram variações de um mesmo projeto modemizador industrializante ocidental, mesmo quando esses dois tipos ideais - industrialismo capitalista-liberal e socialísta-estatista - tenham se realizado de forma

muitas vezes mista (BRUSEKE, 1993, p.65). Portanto, é de se concordar com Friberg e Hettne quando argumentam que as alternativas

"(...) azul [de mercado, liberal, capitalista] e a roxa [de Estado, "socialista', planificada] podem ser vistas como variantes de um paradigma dominante de desenvolvimento ocidental (...) As concepções dominantes a respeito do desenvolvimento podem ser analisadas ao longo de um continuo que se extende entre dois antipólos ideológicos: o socialismo roxo versus o capitalismo azul. Grande parte do debate politico no Ocidente tem girado ao redor do Estado versus o mercado e os méritos relativos destas instituições supostamente antagônicas no contexto de desenvolvimento econômico".

(1984,1¾). 69-70).

Embora se utilizassem de meios diferentes, o resultado foi em grande parte semelhante - uma defesa incontesté e sem limites do crescimento econômico via a industrialização. Esse parece ter se constituído em um dos principais eixos do paradigma modernizante, tanto de um lado como de outro. No caso do ocidente, desenvolver, modernizar, industrializar e civilizar se tomariam sinônimos e parte de sua missão demiúrgica. Cabe agora, no entanto, analisar em melhor detalhe essa influência do projeto modemizador na América Latina e em especial nas teorias do desenvolvimento que tentaram uma vez ou outra explicar o nosso "subdesenvolvimento".

3 - NACIONAL-DESENVOLVIMENTISMO