• Nenhum resultado encontrado

9 ENDOGENISMO NA ANÁLISE DO DESENVOLVIMENTO CATARINENSE

Para Hering, o desenvolvimento econômico obedeceu a uma dinâmica interna própria, devido ao seu característico isolamento regional. Esse isolamento teria determinado a existência de um mercado regional fechado graças à imigração interna que teria fornecido os recursos necessários. Em decorrência disto a autora escreve que Santa Catarina:

"(...) não se desenvolveu como área periférica, nem em sua primeira fase, a fase colonial, que caracterizamos como de produção agrícola comercial (1850-1880), com excedente muito reduzido, nem quando se inicia a pequena indústria (1880-1914) (...) o mercado paulista surgirá como principal absorvedor dos produtos de Blumenau e Brusque a partir da década de 1950. É possivel considerar, portanto, o Vale do Itajaí como de economia condicionada por fatores de ordem interna, obedecendo a dinâmica própria" (HERING, 1987, pg. 12).

A divergencia entre uma perspectiva e outra parece assim ser clara, segundo Hering a economia industrial teria sido determinada por fatores endógenos. Pela falta de subsídios e favores tanto do governo como dos centros econômicos, pela precariedade de capital disponível para a exploração econômica local, a ausência de matéria-prima e de energia abundante, se destacaria segundo a autora os recursos humanos da região, em especial o imigrante na figura de um empreendedor industrial, que além de ter uma função econômica, seria reconhecido como uma "categoria histórico-social" (HERING, 1987, p. 14). Para argumentar a favor dessa "autonomia^ da região a autora coloca em relevo a íklta de auxílio do governo e dos intermediários financeiros localizados nos grandes núcleos econômicos do país, e da absorção da produção pelo próprio mercado interno. Mas me parece que esse argumento da autora se contrapõe de melhor forma quando comparado com a perspectiva da CEP AL que via no Estado o principal agente industrializante, pois os estudos do CEAG e de Cano não analisavam o caráter da dependência da região pela ótica do auxílio do govemo ou dos centros econômicos, mas pelas relações comerciais inter-estados, onde a economia cafeeira, para o CEAG, e a competitividade enfrentada pela região com os ’mercados em aberto', no caso de Cano, condicionaria o tipo de especialização da produção na região catarinense. A industrialização teria ocorrido naqueles ramos que tivessem conseguido a penetração nesse mercado externo. Assim, o estudo do CEAG tenta mostrar, por exemplo, que já na atividade dos "vendeiros" em Blumenau, sua ação não se restringia ao local de suas colônias28, o que mostraria a importância do mercado externo para impulsionar a industrialização.

Mas para não ficar na análise interminável sobre a importância do mercado e recursos internos, ou do mercado externo e de seus condicionamentos sobre a 28 Os autores escrevem o seguinte a esse respeito: "Em Blumenau os comerciantes do sistema colonia-venda ultrapassavam a sua área de influência local, dirigindo casas de importação-exportaç&o na 'stadplatz', mantendo filiais nas zonas rurais e estreitas ligações com o porto de Itajaí, ao qual, enviavam seus barcos pela via fluvial. Além disso, contribuíram para gênese da indústria 'o esforço de outros tipos de pessoas ligadas ao comércio: representantes comerciais, quadros de escritório ou mesmo pequenos comerciantes varejistas" (CEAG, pg. 84).

economia local, temos que considerar que o ponto de partida das análises são divergentes e se apresentam pouco predispostas a uma complementariedade. Por que essa divergência? É necessário voltar ao ponto de partida de cada um. O CEAG, por exemplo, se enquadra na visão dependentista que vê a especialização econômica da região impulsionada pela acumulação capitalista em escala internacional, o que implicaria na existência de relações assimétricas entre “centros” e “periferias” internas no país. Assim, para o CEAG, a própria compartimentação geo-econômica de Santa Catarina em micro-regiões com diferentes especializações econômicas sa ia o próprio resultado desse processo29. Para Hering, esse processo de especialização, que se reflete na industrialização da região, não ocorre em forma periférica, mas an termos do desenvolvimento ecônomico do país:

"A divisão do trabalho ou especialização para o mercado, conduzindo à lenta transformação da economia agrícola em industrial, decorreu, como se verá, das qualificações variadas da população dentro de circunstâncias especificas, representadas pela colonização alemã. O isolamento da economia do Vale do Itajai ia-se rompendo na medida em que se aprofundava a divisão do trabalho entre colônia e a cidade, e a expansão das fábricas passava a

integrar a região no processo global da industrialização do país. Essa

integração não se fará, contudo, como dependência periférica, mas a partir de uma indústria têxtil formada na mesma época que sua congênere do centro, a indústria de São Paulo na década de 1880-1890". [grifo nosso] (HERING, 1987, pg. 12-3).

Véjanos que, para Hering, esse processo de industrialização, que se refletiu para os dependentistas na compartimentação geo-econômica da região, representa um processo de especialização do desenvolvimento econômico que ocorria em todo o país, realçando-se a similaridade de tempo entre o processo analisado na região e aquele observado em São Paulo. Esse aspecto poderia passar desapercebido mas tem, no

29A esse respeito escrevem os autores o seguinte : "Dentro do escalonamento das satelizações internas (...) a economia catarinense ocupa posição periférica às metrópoles (...) Esta satelização provoca (...) trações econômicas sobre o nosso Estado, o que contribui para explicar em boa medida a manutenção de sua estrutura geo-econômica compartimentada (...) a qual não pode ser explicada como tem sido feito, apenas pelos aspectos geográficos e sócio-culturais que caracterizam o Estado" (CEAG, pg. 197).

entanto, uma importância considerável para algumas das questões ligadas que já abordamos sobre as teorias do desenvolvimento, e que pode ser esboçado na seguinte pergunta: sobre qual "sociedade" o desenvolvimento se processa? Apesar das divergências existentes na teoria da sociedade capitalista, se pode encontrar já em Marx a sensibilidade quanto a tendência internacionalizante do desenvolvimento do capitalismo. Porém, na maioria das análises do desenvolvimento, e o modelo schumpeteriano de Hering não foge à regra, a análise desse processo recai sobre os limites do Estado-Nação. Por isso que se fossemos considerar a sensibilidade teórica quanto ao caráter globalizante do sistema econômico moderno, a perspectiva marxista se mostraria, numa retrospectiva histórica, numa posição, de certa maneira, de vantagem. Essa questão resultará para a abordagem de Hering a conclusão de que a industrialização catarinense é parte não só do "modelo catarinense", mas do processo que é verificado em todo pais. Ela é resultado de uma especialização que ocorre em todo o território nacional, onde o que conta são as potencialidades de cada região para fazer parte desse processo de desenvolvimento econômico nacional. Por esse feto, seria justo afirmar, consoante à afirmação da autora, que toda região "periférica" que conseguisse alcançar um sucesso na integração na nova economia industrial do país seria ela um "modelo de desenvolvimento", bastando para o cientista social explicitar as potencialidades regionais que viabilizaram essa integração30. Deste modo, podemos argumentar que a autora acaba vendo a integração da região na nova economia industrial do país como suficiente para caracterizá-la como "modelo".

No entanto, essa cumplicidade com o industrialismo se fará de forma diferenciada da CEP AL. A análise desta última colocava em relevo a importância do Estado como agente desencadeador da industrialização, mesmo porque, na perspectiva da CEP AL, o empresariado industrial brasileiro teria força insuficiente para mudar a 30Mesmo porque a idéia de que esse "modelo" também se caracterizaria pela estrutura fundiária introduzida pelos imigrantes e por uma economia baseada em pequenas e médias empresas é equivocada na medida que foi também uma característica de outras localidades do país, como São Paulo e Rio Grande do Sul. (Raud, 1996).

estrutura econômica do país. Para Hering, por outro lado, uma vez que essa ação do Estado inexistiu em prol da industrialização local, esse processo só poderia ser desencadeado pelo imigrante, na figura de um empresariado empreendedor. Mas, no entanto, ambas perspectivas reduzem a discussão do "desenvolvimento" à viabilização de uma ordem industrial, mudando a ênfase quanto ao seu agente (Estado e empresário). E essa cumplicidade se reforçava pela forma de ver o desenvolvimento como um processo que se circunscreve ao Estado-Nação. Hoje se toma cada vez mais evidente que grande parte dos problemas pelo qual a sociedade moderna se defronta só alcançarão resultados se forem pensados de modo global, e, por outro lado, local. As teorias que se debruçaram sobre o desenvolvimento, entendendo este como um processo que se circunscreve à sociedade (entendida como Estado-Nação), não possibilitam entender muitos dos fenômenos que já abordamos no inicio do capítulo e nem conseguem visualizar estratégias para enfrentá-los, e podem, ao contrário, nos levar à uma crise ainda maior. Até mesmo a divisão do trabalho, que fez parte do estudo de Hering, vem se dando de forma internacional. Isso significa que cidades e estados como Santa Catarina se encontram cada vez mais globalizados31.

Desta forma, podemos concordar com Raud32 quanto aos aspectos endógenos da industrialização, quando diz que o papel do imigrante deveria ser entendido antes por suas características sócio-culturais e econômicas do que entendê-los como traços individuais intrínsecos. Disto, acrescentaríamos, juntamente com Piazza, a pertinência de uma análise que procurasse levar em conta o "espírito capitalista" da região aos moldes da análise weberiana, desde que, é claro, feitas as devidas ressalvas para este 31 A própria incidência do aumento da taxa desemprego em Blumenau, por exemplo, parece se ligar com a necessidade da indústria local se adaptar nesse novo contexto internacional. Isso se expressará no discurso de algumas pessoas que foram entrevistas na cidade.

32 A análise desta autora contempla ambos os aspectos e por isso parece superar o diálogo de surdos que se estabeleceu entre Hering e o CEAG. Mas deve-se considerar que a sua análise não se limita em esboçar apenas esses aspectos, mas em demonstrar como ambos fatores estiveram envolvidos num processo dialético, onde se mostra a influência dos fatores exógenos como também da importância da reação dos fatores endógenos em relação aos primeiros, e também possibilita a autora considerar algumas das tendências perversas desse "desenvolvimento". Ver Raud (1996).

tipo de estudo hoje. No período de 1855 a 1870, houve uma predominância muito maior de protestantes do que católicos, não somente em Blumenau, como na colônia Dona Francisca. O estudo clássico de Weber em A ética protestante e o espírito do capitalismo deu esboços de como estas características sócio-culturais dos protestantes possibilitaram, em parte, a emergência do capitalismo no ocidente. No caso de Blumenau, por exemplo, a porcentagem de protestantes em 1855 era de 98%, enquanto em 1870, esse percentual foi de 81,7% da população total da colônia33. Por estes motivos escreve Piazza (1975) "(...) Poder-se-ia, pois, a partir deste quadro, estabelecer uma série de ilações, como aquelas de Max Weber sobre a cideologia capitalista>, e as relações com o protestantismo". Deste modo se poderia fazer uma análise complementar da gênese _da_industrialização, quanto aos aspectos culturais locais, desconsiderando os valores da "ética do trabalho" como categorias intrínsecas do imigrante empreendedor, mas antes de tudo como resultado de uma cosmovisão ético-religiosa34.

Deve-se considerar, seguindo o ponto de vista de Raud, que a interpretação schumpeteriana se toma insuficiente, pois a industrialização na base das PMEs (pequena e médias empresas) não se pode dar numa sociedade de base latinfimdiáría, e por outro lado, a visão do imigrante empreendedor pode se tomar perigosa por dar margem à uma ideologia de superioridade étnica. Os questionamentos que faz Raud em relação a estes aspectos da análise de Hering faz com que sua interpretação do processo de transição econômica em Santa Catarina reúna, de melhor forma, os requisitos para entender esse processo. Primeiro porque negligencia a perspectiva

33Para esses dados ver o trabalho de Piazza (1975), onde o autor mostra de forma «nm detalhada a maior proporção de protestantes entre os imigrantes alemães da região do Vale do Itajaí.

34 Raud (1996) assinala que um dos sinais reveladores desta ética do trabalho entre os imigrantes poderia ser visto na frase, que se encontrava pendurada no quadro localizado na residência Hering (primeira fábrica têxtil criada em Blumenau): "A glória do cidadão é o labor, e o prêmio do esforço é a prosperidade" Esse fato, que é apenas um pequeno indicio, revela em muito essa característica sócio-cultural dos imigrantes estrangeiros, que hipoteticamente eu diria, provinha sim dos imigrantes estrangeiros, mas antes de tudo, especificamente dos imigrantes germânicos protestantes.

unilateral das análises, tanto do CEAG como do ponto de vista schumpeteriano. Argumentando a respeito da necessidade de uma visão que reúna ambos os aspectos do processo, cita o seu ponto de vista a partir de Azevedo :

" (...) É na recusa aos dois extremos de análise que se fundamenta urna nova visão do desenvolvimento (....) assim é que de uma visão bipolar -, que definiria sempre os países em desenvolvimento em oposição aos países desenvolvidos, esvaziando-lhes desse modo, de sua especificidades e a atribuindo-lhes uma passividade crônica-, se resgata seu potencial interno de crescimento a determinar suas energias e sua capacidade de ação no cenário internacional" (AZEVEDO apud RAUD, 1996).

A análise de Raud se toma mais relevante também por desmistificar a visão desse desenvolvimento enquanto um "modelo" específico. Ao considerar ambos os aspectos, ela mostra como se toma restritiva a própria idéia de um "modelo catarinense", ao verificar que a importância da pequena produção mercantil é um fator fundamental para entender a gênese da industrialização não apenas do Vale do Itajaí, mas para outras localidades, como, por exemplo, de Novo Hamburgo (RS) ou de Americana (SP) (RAUD, 1996). Isso possibilita à autora se afastar da idéia a respeito de um "modelo catarinense", e em segundo, juntar à sua análise questões de ordem ecológica e social que não foram abordadas pelos enfoques anteriores.

Mas há também outras questões que se devem levar em conta, principalmente em relação ao ponto de partida de Hering. A sua aceitação pragmática das considerações de Bresser Pereira de que há uma "constatação de que o desenvolvimento econômico é um processo que se realiza por fases mais ou menos definidas, é hoje cada vez mais geral" e de que "a passagem da fase pré-industrial para a industrial, por exemplo, representa um modelo crucial na história de um país" parece ser equivocada. O que se percebe hoje é justamente o inverso. Como já vimos no início desse capítulo, devido aos custos ambientais e ecológicos, o padrão capitalista (fossilista) não pode ser generalizado para o resto dos países

"subdesenvolvidos", e, deste modo, não podemos nos equivocar, pois todas as teorias do desenvolvimento só se tomaram legítimas quando deram por certo a possibilidade de generalização do desenvolvimento para todos os países. Disso se despreende que todas aquelas fases definidas que se acreditava estarem por ocorrer em cada país é hoje ilusória, e também mostra o caráter ideológico dos discursos desenvolvimentistas que proporam a todos o que efetivamente só pode ser dado a poucos.

Disso que foi dito se despreende a questão das "categorias sócio-históricas" do desenvolvimento, e que colocam a perspectiva schumpeteriana lado a lado com o ponto de vista marxista. O enfoque schumpeteriano caiu no mesmo erro que a perspectiva marxista, ao procurar encontrar uma categoria sócio-histórica para ententer todo o processo histórico da humanidade35. Ambas as perspectivas, creio eu, devem ser descartadas. Para uma análise que deseje se tomar menos pretensiosa para entender a história, seria mais condizente concordar com Giddens (1996) de que "não existe um único agente, grupo ou movimento que, como o proletariado de Marx, deveria fazer, possa conter as esperanças da humanidade (...)". O que ganha importância nas análises no contexto global e regional é cada vez mais a multidimens ional idade de grupos implicados com a questão que envolve desenvolvimento e meio-ambiente36, e com a possibilidade de abrir portas para "novos mundos possíveis". Nós poderíamos reafirmar as palavras de Morin (1995) de que o progresso não está assegurado por nenhuma lei da história, o que nos faz concluir de que nenhuma visão unidimensional dos processos de mudança da sociedade poderá confirmar a idéia de estarmos caminhando para um "mundo melhor"37.

35A esse respeito é possível encontrar no trabalho da autora o seguinte : "O empreendedor industrial deixa assim de ser caracterizado meramente por sua função econômica de fator de produção responsável pela organização dentro da empresa, para revestir-se de conteúdo psicológico e, sendo representante de um período econômico, é reconhecido como categoria histórico-social" (HERING, 1987).

36Existem algumas análises a respeito do que podemos chamar de "salada ecológica". Ver os trabalhos de Viola e Leis (1995), Alphandéry (1992) e McCormick (1992).

37 Essas colocações não devem ser vistas c o t i o um mero pessimismo. Pensar em termos globais por exemplo, na

possibilidade do uso de bombas atômicas não é ser pessimista ao meu ver, mas realista de certo modo. Pensar que toda a degradação ambiental gerada pela própria dinâmica do desenvolvimento ameace a nossa própria

Com a análise que faremos a seguir, poderemos concluir que tanto a confluencia dos fatores endógenos e exógenos que influenciaram o processo de industrialização não possibilitaram seguir em direção à um desenvolvimento mais responsável, tanto no que diz respeito ao meio ambiente e ao ser humano. Muitas das perversidades que ocorrem sejam nos países "desenvolvidos" ou no modelo brasileiro, são reproduzidas pelo "modelo catarinense", e será somente na crítica a esse tipo de desenvolvimento que poderemos entender muitos desses problemas, não como "externos" ou "naturais", mais intimamente influenciados pela própria dinâmica e políticas estratégicas do próprio desenvolvimento.