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8 EXOGENISMO NA ANÁLISE DO DESENVOLVIMENTO CATARINENSE

De modo que as análises do CEAG e de Cano possuem semelhanças com as análises dos dependentistas26, procurarei mostrar o vínculo existente entre um e outro, e suas implicações para o estudo do desenvolvimento econômico em Santa Catarina. No caso de Hering, a situação não é muito diferente, apesar da autora argumentar que o seu ponto de vista se contrapõe ao argumento do CEAG e também da visão cepalina, nós poderemos perceber que a autora mantém através do de seu ponto de vista schumpeteriano, juntamente com o pensamento cepalino, uma cumplicidade com a teoria da sociedade industrial que comentamos nas páginas anteriores e que levam a ver no industrialismo o símbolo do desenvolvimento. Me limitarei a expressar o ponto de vista de cada perspectiva, tendo em vista que suas limitações e problemas já foram abordadas nas páginas anteriores, e do mesmo modo serão alguns deles retomados no próximo capítulo, quando abordarei o tema do "desenvolvimento sustentável".

Uma retrospectiva de algumas categorias básicas utilizadas pelo enfoque da dependência e ver como foram transpostas para análise das relações econômicas entre as diferentes regiões do país pelos estudos de CEAG e de Cano, ajudarão a perceber a semelhança entre uma perspectiva e outra. Para analisar as implicações da expansão capitalista, os dependentistas faziam uso das noções de centro e periferia. Os centros eram constituídos pelas economias capitalistas mais desenvolvidas que subordinavam a região periférica do globo (os países subdesenvolvidos). Essa hierarquização que ocorria em escala internacional se reproduzia também em escala nacional dando origem ás relações entre "metrópoles" (ou "centros internos") e "periferia interna". Essa relação seria caracterizada pelo condicionamento dos grandes centros 26 Veremos a seguir que o CEAG utiliza em seu estudo categorias de análise marcadamente do enfoque da dependencia , e n o caso de Cano seu trabalho teve a direção de Fernando H. Cardoso, uma das principais figuras da Escola da dependência.

econômicos sobre as demais regiões do país, implicando num processo de "subsatelização" daquelas regiões. Disso se concluía que o tipo de especialização econômica de cada região era determinada pelas conseqüências da divisão do trabalho em escala internacional, em termos econômicos, isso significava que o modelo agro- exportador do país por exemplo, tinha uma função de suprir os grandes centros capitalistas internacionais, e dentro desse esquema, a relação se reproduziria no país pela função das regiões periféricas (ex: Santa Catarina) em fornecer recursos (mão-de- obra, matéria prima, etc) para os centros econômicos onde girava a economia cafeeira. As seguintes passagens explicitam bean este ponto de vista;

"Essa dominação do 'centro' sobre a 'periferia' se dá de forma complexa e hierarquizada, introduzindo-se ai uma outra conceituação, a de 'metrópole' e 'satélite' (G. FRANK). As relações de dominação se verificam numa escala que vai das metrópoles a nível internacional até as metrópoles subalternas, nas áreas periféricas. Há, pois, dentro do país periférico, 'metróples' ou 'centros' internos 'subsaíelizando' o que se poderia rham ar de 'periferia interna'. Essa terminologia, cujo sentido aqui esclarecemos, será adotada no decorrer do trabalho.

À 'periferia' cabe fornecer ao 'centro' matéria-prima, mão-de-obra, bens de consumo e capitais. É ali que se dá a concentração capitalista, da qual a concentração industrial é um dos parâmetros básicos. No caso especifico do Brasil, o eixo Rio-São Paulo formaria o 'centro' nacional, 'satelizando' as demais regiões, que form am a 'periferia interna'. Em alguns casos poderá se tornar conveniente a industrialização de algumas áreas periféricas, configurando-se uma 'descentralização' da indústrialização. Mas mesmo aí se trata de u m a complementaç&o das necessidades do centro e é dele que, em última instância, partem as decisões. Veremos, adiante, casos concretos, sobretudo na industrialização de Blumenau e Joinville (CEAG,

1980, pg. 24-5).

Embora, tanto o CEAG e Cano, não cheguem a negar que o período de colonização que vai até 1880 na região catarinense tenha se caracterizado por uma economia de subsistência, argumentam no entanto que sua penetração no mercado nacional só iria ocorrer por sua função paralela enquanto economia subsidiária, que em seu início como foi salientado, serviu como passagem de gado e ponto estratégico militar para o império português. Isso acabaria por determinar o desenvolvimento

econômico da região, cuja industrialização seria determinada em grande parte por fatores externos. A especialização da economia nacional condicionaria a especialização da economia regional. Essa tendência de condicionar a economia interna foi analisada pelos autores a partir da penetração da economia catarinense no mercado nacional. Do ponto de vista do CEAG por exemplo, a monocultura cafeeira de São Paulo a partir de 1850 teria provocado a expulsão da agricultura de subsistência que faria com que os centros importassem gêneros alimentícios de outras regiões do país, incluindo-se aí Santa Catarina, que apareceria segundo CEAG como um "oásis" para os núcleos econômicos do país. Esse fato se evidenciaria com o aumento de 105% da exportação catarinense para o resto do império de 1856 a 1860 (CEAG, 1980, p. 60-1). Por outro lado, Cano que também verá o processo de industrialização em SC condicionado, no entanto, faz algumas objeções a estas considerações. Para ele, São Paulo apresentaria ainda nesse período, uma certa "autosufíciência" em produtos agro-industriais e que funcionaria como uma barreira à penetração dos produtos da região sul até a década de 1920:

"(...) son pretender negar uma dinamiddade às exportações sulinas para o expansivo mercado paulista, tanto de alimentos como de matérias-primas (...) concluo que na realidade, a expansão sulina agro-industrial não se deu, direta e fundamentalmente, através da expansão do complexo cafeeiro paulista (...) Uma pesquisa mais aprofundada certamente poderia revelar que parte apreciável das exportações sulina tiveram como destino os mercados 'em aberto' permitidos pela insuficiente agricultura nordestina e pela exiguidade da agricultura da Guanabara (...) Mesmo durante a grande expans8o do café em São Paulo, na década de 1920 (...) não se verificou qualquer retração da produção agropecuária paulista: pelo contrário, ela se manteve crescente, para a maioria de seus produtos (...)" (CANO, 1977. pg.

111).

Seja pela importância do mercado de São Paulo para o CEAG ou pelos "mercados em aberto" segundo Cano, terá o comércio import-export para ambas as perspectivas o principal papel na constituição da industrialização no Estado de Santa Catarina. Será na ligação sistemática de um e outro (industrialização e comércio import-export) que estariam as razões da gênese desta industrialização. O estudo do

CEAG cita pelo menos três exemplos do vínculo existente entre a industrialização e o comércio de importação e exportação: o caso do empresário têxtil Rénaux de Brusque, exemplo que por sinal servirá de estudo para o trabalho de Hering, que exercia também uma atividade comercial através de uma empresa de navegação, o caso de João Bauer que possuía uma cervejaria e um armazém de despachos, e o caso de Gottlieb Reif, que possuía uma fabrica de charutos e com atividades também no estaleiro (CEAG, 1980, p. 84-85).

Com a intensificação do comércio com outras regiões do país, se tomaria inevitável uma especialização via industrialização da produção, especificamente em relação aos produtos que conseguissem demanda no mercado nacional. A crescente industrialização no setor têxtil estaria vinculado a pouca possibilidade de competição da região com produtos que não fossem, por exemplo, desse ramo. O mesmo ocorreria com as demais regiões. Segundo Cano, a estrutura agrária catarinense e a competitividade com as regiões vizinhas (Rio Grande do Sul, Paraná) não possibilitaria engendrar um processo crescente de acumulação de capital, e o avanço da indústria paulista acabaria por atingir o artesanato catarinense obrigando à uma especialização da produção (CANO, 1981, p. 112). No caso do Vale do Itajaí, isso se mostraria pela crescente preponderância das exportações de têxteis no Estado. Obstacularizada a importação de produtos estrangeiros com a primeira guerra mundial, a importação de têxteis estrangeiros caíra progressivamente, enquanto a importação dos têxteis catarinenses aumentaria no período da guerra27. Deste modo, como assinala Cano, não haveria possibilidade de propiciar este desenvolvimento industrial a partir de fatores endógenos nas regiões periféricas;

27Durante a guerra a exportação de têxtil aumentou em 359% sobre o triénio de 1911-1913, chegando a 921% em 1919. Dos Estados que exportavam tecidos Santa Catarina passaria do 6° lugar entre 13 competidores em 1914 para 2o lugar entre 17 competidores em 1919 (CEAG, 1981, p. 108).

"(...) conchio que as indústrias das demais regiões, passariam, a partir da década de 1930, a ter uma, expansão industrial bastante condicionada. Subsistiriam algnns compartimentos industriais específicos que ainda se beneficiavam de proteção 'natural' enquanto outros vegetariam, subordinados às condições dominantes da demanda externa. (...) A 'periferia' dessa forma, jamais conseguiria ativar suas forças endógenas - isto é, aquelas inerentes à sua própria dinâmica - para romper com esse quadro. Tal ruptura - se efetivamente tivesse condições de ocorrer • somente poderia se dar através de uma ação maior do Estado" (CANO, 1977, pg. 256).

Nesta perspectiva, Santa Catarina estaria desde o seu início por atender às exigências do "centro", no caso de CEAG o eixo Rio São Paulo e para Cano os mercados "em aberto", se configurando numa economia dependente que resultaria na compartimentação geo-econômica do Estado caracterizada por cidades de porte médio, especializadas em ramos econômicos diferentes.

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9 - ENDOGENISMO NA ANÁLISE