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Capítulo 2. Conceito de Espaço

2.3. Turismo urbano

2.3.1. A Investigação em turismo urbano

A investigação que incide sobre o turismo urbano tem-se centrado particularment e sobre o turismo em cidades e não no fenómeno na sua generalidade (Ashworth, 1992). Embora, numa primeira ótica, o turismo urbano possa ser definido modestamente como o turismo que tem lugar nas cidades, o fenómeno é muito mais complexo do que aparenta (Xiao, 2007). Vejamos, “embora na prática o fenómeno do turismo urbano una pessoas, lugar e consumo, a sua síntese na arena académica da conceptualização e investigação é extremamente problemática” (Selby, 2004, p. 1). Este facto explica, o seu principiante desenvolvimento assim como a utilização de uma abordagem tendencialmente teórica, baseada sobretudo em estudos empíricos e descritivos para o descrever (Page, 1997).

Um método para contornar esta situação, poderia ser o estudo do turismo através de uma perspetiva de sequência, isto é, as tipologias turísticas seriam analisadas com base nos movimentos temporais e espaciais ocorridos no destino. Este método difere dos métodos quantitativos tradicionais, na medida em que, o alinhamento de sequências está relacionado com a ordem / sequência dos eventos. Ou seja, o comportamento espaciotemporal do turista é relevante de ser analisado, na medida em que é a “sequência de atrações visitadas pelos turistas dentro de um espaço geográfico” e também dos movimentos dos mesmos nesse espaço geográfico “entre uma atração e outra” (Xia, 2007, p. 23), “que resultam em alterações de localização através do tempo” (Golledge & Stimson, 1997, p. 155). Com base nesta perspetiva, este tipo de análise é adequado para a pesquisa em turismo, visto que o turismo envolve a mobilidade dos turistas no tempo e no espaço (Shoval, 2007a).

Considerando a natureza multifacetada e multidisciplinar do fenómeno existem vários subtemas (Tabela 2) que integram o domínio da investigação em turismo urbano (Ashworth & Page, 2011).

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Tabela 2. Turismo urbano: subtemas de investigação

Turismo Urbano

Agendas culturais; Modelos;

Gestão e planeamento; Marketing / Imagem do lugar; Perceção e satisfação do visitante; Estudos de casos de cidades; Sustentabilidade;

Teoria social;

Transportes e infraestruturas; Regeneração urbana; Impactes.

Fonte: Elaborado pelo autor, baseado em Ashworth e Page (2011)

No âmbito da teoria e da prática do turismo urbano surgem vários temas que têm atraído atenção (Xiao, 2007, p. 11-15):

Regeneração urbana: em resultado da “emergência da sociedade pós-industrial”

(Bell, 1973), da globalização e da descentralização com vista ao aumento da riqueza, do tempo de lazer e da facilidade de mobilidade (Law, 2002) o turismo foi visto como parte da estratégia económica de (re)desenvolvimento urbano (Silva & Santos, 2010) onde ocorrem requalificações de estruturas e instalações direcionadas para espaços de lazer e turismo (Selby, 2004), ocorrendo assim a existência na cidade de espaços festivos em espaços públicos mortos (Sarmento, 2003).

Construção de imagem: a afirmação da cidade e a competição com outros centros

urbanos na atração de investimento, residentes e turistas assenta muitas vezes na tentativa de construção de uma nova imagem3 da cidade (Selby, 2004), esta afirmação acontece

através do desenvolvimento de novos serviços e equipamentos (Pearce, 2001). Que por sua vez se constituem como símbolos de referência (Law, 2002) e ícones urbanos que se confundem com a própria imagem da cidade (Selby, 2004).

Cultura e património: com a revalorização do património4, o centro da cidade e os

bairros antigos apresentam-se como novos locais de interesse, consequentemente a

3 Segundo um estudo de Bramwell e Rawding (1996, citados por Selby, 2004, p. 18) aplicado a cinco cidades britânicas ,

os centros urbanos costumam ser descritos como “lively”, “exciting”, “dynamic”, “cosmopolitan”.

4 De acordo com Cunha (1999), as tomadas de posição internacionais de defesa do património, num primeiro momento –

Carta de Atenas, de 1943, publicada por Le Corbusier – legitimaram a chamada renovação urbana, muito utilizada nos Estados Unidos, para facilitar a expansão dos CBD’s, e em cidades europeias ocidentais no pós-guerra. Mas depois a Carta de Veneza, de 1964; e a Recomendação de Nairobi, de 1976, vieram impor maior proteção dos monumentos e conjuntos

preocupação com a reestruturação, remodelação, reabilitação e salvaguarda do património urbano surgem como novas premissas, quer urbanas, quer turísticas (Bettencourt, 2010). As áreas urbanas passaram a considerar a cultura, o património (Chang, Milne, Fallon, & Pohlmann, 1996; Henriques, 2003; Hernández, 2003), e os fatores locais (Law, 2002) como vantagem competitiva. Aqui o turismo cultural surge como hipótese viável para o crescimento do setor turístico (Xiao, 2007).

Eventos: a criação de eventos especiais, com objetivos económicos5, e como meio

de atrair atenção positiva e contribuir para a construção de uma imagem favorável é cada vez um método utilizado pelas cidades (Richards & Wilson, 2004). No entanto, nem todas as cidades estão aptas à criação de eventos capazes de alcançar a atenção pretendida ou até à criação de uma nova imagem por intermédio destes ou através da criação dum ícone arquitetónico (Xiao, 2007).

A complexidade do turismo urbano pode torná-lo um conceito confuso (Law, 1996). A diversidade de questões que o fenómeno aborda permite que se fale em “turismos urbanos” (Ashworth & Page, 2011, p. 1), “o plural é necessário porque o turismo urbano não é como os outros turismos adjetivais, tornando-se assim necessários “adjetivos adicionais” (Ashworth & Page, 2011, p. 3). Nesta linha de pensamento, sendo o turismo urbano resultado de uma grande complexidade de caraterísticas, este cenário justifica as análises e atrasos na investigação do fenómeno (Pearce, 2011). Outro aspeto prende-se com a abrangência e extensão de atividades que envolve, aqui os estudos têm-se limitado mais à análise de aspetos da atividade turística, isto porque, existe uma enorme dificuldade em isolar o turismo das outras atividades que se realizam nos espaços urbanos (Ashworth & Tunbridge, 2000).

Neste sentido, ocorre uma dupla negligência: “os interessados no estudo do turismo tendem a negligenciar o contexto urbano no qual muito deste ocorre enquanto os interessados nos estudos urbanos têm igualmente negligenciado a importância da função turística das cidades” (Ashworth, 1989, citado por Page et al., 2001, p. 335). Esta observação é

históricos. A Carta Internacional de Salvaguarda de Cidades Históricas, assinada em Toledo em 1986 e ratificada em 1987 pela Assembleia Geral do ICOMOS, estipula expressamente esta defesa.

5Xiao (2007) cita a este propósito o conceito de “entrepreneurial city”: “uma forma de governo que com respeito ao

desenvolvimento económico é proativa, pragmática, oportunista e competitiva (Law 2000; Hall & Hubbard, 1998; citados por Xiao, 2007, p. 159).

Shaw & Williams (2002) citam o conceito de “capital cultural” desenvolvido, por Waitt (1999). Estes autores defendem que ambas as perspetivas não conseguem explicar inteiramente o impacte dos eventos “hallmark” sobre o turismo urbano, relacionando-os com a noção pós-moderna do “turismo como um jogo” (Shaw & Williams, 2002, p. 267).

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corroborada por Edward et al., (2008), que referem os primeiros estudos neste âmbito, ocorridos até à década de 80 (Burgess & McKenzie, 1984; Blank & Petkovich, 1979; Judd & Collins, 1979; Pearce, 1987) e enaltecem também que a investigação em turismo urbano encontrava-se fragmentada e que à data não era reconhecida como um campo de estudo distinto, a sua distinção só ocorreu nos anos 90 (Pearce, 2001).

Contudo, as lacunas de investigação neste domínio continuam a ser confirmadas em estudos mais recentes (Ashworth & Page, 2011; Edwards et al., 2008; Law, 2002; Shaw & Williams, 2002) e apesar de um crescente interesse pelo fenómeno (Edwards et al., 2008; Hayllar & Griffin, 2005; Selby, 2004; Xiao, 2007) o turismo urbano continua a confrontar- se com uma série de antagonismos (Ashworth & Page, 2011):

i. o turismo urbano tem recebido uma atenção desproporcionalmente pequena por parte quer académica, quer do turismo, quer da cidade, mantendo-se como uma área de estudo de forma indefinida e sem uma estrutura sistemática de compreensão; ii. do mesmo modo que as cidades são espaços multifuncionais, os turistas são

multifacetados, na medida em que, visitam as cidades com muitos propósitos, neste contexto, os turistas podem ser facilmente absorvidos no espaço urbano e, tornam-se económica e fisicamente invisíveis;

iii. os turistas fazem um uso intensivo quer de equipamentos, quer de serviços urbanos. Contudo, pouco da cidade foi criado especificamente para uso turístico;

iv. o turismo tem o “poder” de trazer benefícios económicos substanciais para as cidades, porém, as cidades cujas economias são mais dependentes do turismo são aquelas menos suscetíveis de beneficiar com esta atividade, contrariamente às cidades com uma base económica ampla e variada, menos dependentes do turismo; v. a relação entre o turista e a cidade é alvo de críticas desiguais, ora vejamos, a

atividade turística necessita dos produtos turísticos que as cidades oferecem, mas não é tão claro que as cidades precisem do turismo.

Mesmo reconhecendo-se o papel central do turismo e do lazer na vida social e tendo o turismo urbano “um papel fundamental no desenvolvimento do espaço lúdico que domina os ambientes contemporâneos”, pouco se estuda “um fenómeno tão confuso”, um “setor tão complexo, fragmentado e heterogéneo” (Selby 2004, p. 2-3). Descurado nos estudos turísticos, o turismo urbano é muitas vezes insondado pela investigação no sector da

geografia, planeamento e estudos urbanos, mesmo estando plasmado que as cidades são importantes destinos turísticos (Ashworth & Page, 2011).

O avanço do turismo urbano como área de estudo específica está dependente da sua integração nas agendas das ciências sociais, como é o caso dos estudos urbanos, geografia urbana e na discussão do conceito “cidades do mundo” (Hall, 2002), conceito importante no âmbito da globalização (Ashworth & Page, 2011). Seguindo a mesma linha de pensamento Selby (2004), refere que existe “uma necessidade urgente de complementar a investigação existente sobre o turismo urbano com os conceitos e métodos que atualmente permitem a nossa compreensão da sociedade” (Selby, 2004, p. 1). Porém, existe ainda um conhecimento carente da cultura e da experiência no contexto do turismo urbano (Selby, 2004). Para uma melhor compreensão do fenómeno turismo urbano contribuíram diversos estud os, a saber:

A Conceptualização do turismo urbano (Ashworth & Page, 2011; Edwards et al., 2008; Law, 2002; Page & Hall, 2003; Pearce, 2001; Xiao, 2007);

A Gestão (Maitland, 2006a; Paskaleva-Shapira, 2007; Pearce, 1998a; Russo, Boniface, & Shoval, 2001; Russo, 2002; van den Berg, van der Borg, & van der Meer, 1995);

Os Impactes (Carneiro & Eusébio, 2010, 2015; Chen, 2001; Gilbert & Clark, 1997; Haley, Snaith, & Miller, 2005; Parlett, Fletcher, & Cooper, 1995);

A Localização (Shoval, McKercher, Ng, & Birenboim, 2011; Smith, 1985; Urtasun & Gutiérrez, 2006);

O Marketing (Ashworth & Voogd, 1990; Bramwell, 1998; Jansen-Verbeke & van Rekom, 1996; Kotler, Bowen, & Makens, 1999; Krantz & Schatzl, 1996; Paddison, 1993; Pearce, 2001; Shoval & Isaacson, 2007b; Selby, 2004; Van Limburg, 1998; Warnaby, 1998;);

A Mobilidade e transportes (Balaguer & Pernías, 2012; Edwards, Griffin, Hayllar, Dickson, & Schweinsberg, 2009; Modsching, Kramer, Gretzel, & Hagen, 2006; Orbasli & Shaw, 2004; Shoval, 2008; Shoval et al., 2010; Shoval & Isaacson, 2007a, 2010).

A Política e planeamento (Getz, 1993; Law, 1993, 2002; Pearce, 1998b; Russo & Van der Borg, 2002; Tyler, Guerrier, & Robertson, 1998);

A Qualidade (Comissão Europeia, 2000; Murphy, 1997; Wall, 1995); Os Serviços turísticos (Albalate & Bel, 2010; Shoval & Cohen-Hattab, 2001).

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