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Capítulo 2. Conceito de Espaço

2.5. Planeamento do turismo urbano

2.5.1. O papel de mudança do turismo na política de desenvolvimento e processos de

Existe uma clara dificuldade em identificar a dimensão turística de uma cidade, isto porque, as áreas urbanas apresentam-se como atrações complexas e particulares, uma vez que os seus recursos e serviços, tanto os habituais como os turísticos, se confundem e

integram com outras atividade económicas da cidade (Brandão, 2007). A atividade turística é vista como um fenómeno, para além de transformar os espaços onde se desenvolve, prevalece como um agente de mudança, que nem sempre é positivo ou desejável (Novy & Colomb, 2016). Já em 1817 Henri Stendhal aquando de uma visita a Florença, contestou que a cidade estava ocupada por muitos turistas e observou que Florença era “nada melhor do que um vasto museu cheio de turistas estrangeiros” (Culler, 1981, p. 130). Nesta perspetiva, para além dos agentes de mudança, devemos ter em atenção os próprios sujeitos de mudança, Henri Stendhal (1817) utilizou a palavra "turista" para caraterizar um indivíduo que viaja por prazer (Novy & Colomb, 2016).

Associado às mudanças que ocorrem no espaço por intermédio do turismo surgem os conflitos entre os turistas e os habitantes locais, na verdade, tais conflitos recebem relativamente pouca atenção, isto porque, eram considerados parte integrante de “coisas de significância um tanto pequena” (Novy & Colomb, 2016, p. 9). Não obstante, o fenómeno turismo urbano era considerado um assunto periférico, e como tal, os decisores políticos dedicavam pouca atenção àquilo que era considerado uma “atividade social marginal” (Beauregard, 1998, p. 220). Atualmente, dá-se a devida importância ao fenómeno, muito por culpa de amplos processos de mudança econômica, social e política.

As cidades foram submetidas a uma série de mudanças, de destaque, a reestruturação económica - é direcionada para as indústrias de serviços e conhecimento, a transformação da composição demográfica, estrutura social e contextos de poder local - aqui, a política urbana visa o desenvolvimento económico e o empreendedorismo, associado a este contexto, a cultura e o lazer são vistos como uma vantagem competitiva e passam a ser considerados negócios urbanos centrais, o consumo ganha um lugar primordial nas políticas económicas da cidade e as cidades passam a ser valorizadas como unidades produtoras de valor (Harvey 1989a, 1990). Nesta perspetiva, as cidades são reestruturas segundo a premissa do neoliberalismo - projeto político de restauração do poder da classe social com vista a restabelecer as taxas de lucro - (Harvey, 1999).

O turismo passa a ser visto como uma opção de desenvolvimento atraente, graças ao seu potencial económico, mas não só, passou a ser visto como compatível a outras políticas que vieram a caracterizar a "nova política urbana" (Hall & Hubbard, 1998). Nesta nova política urbana surgem novas estratégias de desenvolvimento baseadas na cultura com vista a atrair capital de investimento, residentes e empresas (Bianchini & Parkinson 1993; Evans,

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2001; Miles, 2007; Zukin 1995). Esta “nova” forma de ver o turismo, prende-se com o facto de que o turismo passou a ser percecionado pelos decisores políticos urbanos e empresas locais como um setor de fácil promoção e que exige pouco investimento público (Colomb 2011; Greenberg 2008;).

Contrariamente às crises financeiras o turismo prevalece como um meio de reposicionar as cidades num ambiente económico de rápida mudança e de reafirmar a sua posição numa hierarquia metropolitana em constante evolução (Fainstein, 2003), "virtualmente toda a cidade vê uma possibilidade de turismo e toma medidas para encorajá- lo" (Fainstein, 2003, p. 8). Na verdade, o turismo enquanto objeto político, não está presente em todos os lugares e contextos. Isto porque, nem todos os lugares são potenciados a desenvolverem produtos turísticos, muito por culpa da competição global entre as cidades turísticas - que neste contexto podemos referir como cidades elite - (Broudehoux 2004; Yeoh 2005) e pela diversidade com que são implementadas as políticas urbanas neoliberais - combinação de dois processos: “a destruição de acordos institucionais e compromissos políticos existentes através de iniciativas de reforma orientadas para o mercado; e a criação de uma nova infraestrutura econômica voltada para o mercado, a mercantilização e o domínio do capital” (Brenner & Theodore, 2002, p. 362) -, que nem sempre alcançam os resultados pretendidos (McCann & Ward 2011).

Embora as estratégias de neoliberalização estejam dependentes dos contextos locais e variações geográficas distintas, o marketing assim como a promoção, apresentam-se como componentes-chave das políticas neoliberais, onde várias iniciativas são realizadas com vista a impulsionar o crescimento do setor do turismo, destacando no processo o capital social, cultural e físico da cidade através da criação de parcerias com o setor privado (Hoffman, 2003; Spirou, 2011).

Contudo, estes processos de reestruturação, que outrora consideravam desvalorizadas as atividades como o turismo e o lazer no contexto da “cidade produtiva”, apresentam-se agora como destaque na economia política das cidades, porém, contribuíram para o reforço de desigualdades várias (Novy & Colomb, 2016). Isto é, a cidade não está apenas a ser "consumida pelo consumo" (Miles & Miles 2004, p.172), mas também está cada vez mais fragmentada onde a desigualdade urbana ganha um destaque considerável, o que torna cada vez mais claro que existe um lado negativo nas cidades restruturadas pelo e para o turismo (Porter & Shaw 2013).

Se por um lado, o destino se torna mais dinâmico e desejável para as classes financeiramente mais estáveis, por outro, o aumento dos preços de habitação mostra-se um problema para as classes financeiramente mais sensíveis, o que se carateriza como um

playground exclusivamente para os ricos (Novy & Colomb, 2016). A crescente polarização

e desigualdade social, assim como a gentrificação e a expulsão da comunidade de baixos rendimentos tornam-se uma tendência que define a atualidade do fenómeno turismo urbano, o que não é acidental, mas sim um resultado direto de ações políticas que visam estratégias de desenvolvimento urbano direcionadas para o mercado (Novy & Colomb, 2016).

O turismo urbano está intrinsecamente relacionado a estas tendências, na medida em que, “o turismo urbano perpetua padrões de desenvolvimento desequilibrados e contribui para novos padrões de desigualdade urbana” (Novy & Colomb, 2016, p. 11). A verdade é que o impacte negativo do turismo nas cidades permaneceu por muito tempo desvalorizado. Contudo, vários autores referem que o turismo contribui para uma transformação, comercialização e destruição das culturas e lugares e que potencia a dinamização de processos que podem levar à destruição dos atributos que constituem a atração original pelo qual os turistas visitam (Harvey, 2001; Sorkin, 1992; Zukin, 1995).

Esta crítica ganha relevância no caso do turismo urbano, não só pelo seu cresciment o quantitativo, mas também pelas mudanças de teor qualitativo no que diz respeito à natureza e à geografia dos fluxos turísticos. Em alguns casos este fenómeno alastrou-se geograficamente não só pelo espaço urbano, como também para novas áreas que até então não eram consideradas nem promovidas como atrações turísticas convencionais - os bairros - e que se tornaram locais desejáveis pelo turismo, lazer e consumo (Maitland 2006a), por exemplo as favelas (Broudehoux, 2004; Frenzel, 2012).

Estes bairros estabelecem-se como "novas áreas de turismo" (Maitland 2006b, 2007; Maitland & Newman 2004), é o resultado da convergência de uma série de novas tendências relacionadas com a procura turística (Novy & Huning 2009), apresentam-se como um produto turístico direcionado para os consumidores que tendem a optar por "sair do caminho comum" (Maitland & Newman, 2009). A componente contracultura, artística, a autenticidade (Colomb 2011, 2012; Novy & Huning 2009; Shaw, 2005; Vivant, 2009) e a diversidade étnica (Hoffman, 2003; Novy, 2011; Shaw, 2004) foram utilizadas como estratégias de promoção dos bairros enquanto destino turístico urbano.

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Descrito como "turistificação" (Bianchi 2003; Stock 2007), este processo ocorre através da apropriação simbólica e física dos recursos identitários de uma comunidade local e a sua transformação em produto comercializável, o que têm consequências para os espaços e para as pessoas envolvidas (Novy & Colomb, 2016). Este tipo de transformação dos espaços urbanos com vista a dar resposta à crescente procura turística, estabelece-se como um fator que contribui e acelera, o processo de “gentrificação” (Novy & Colomb, 2016, p. 13). O que explica, muitas vezes, os conflitos relacionados com os processos de reestruturação urbana, a relação dos turistas com a comunidade residente e os movimentos sociais (Novy & Colomb, 2016).

Castells (1983) categorizou os movimentos sociais urbanos em três tipos: os que dizem respeito às questões do consumo coletivo, os que defendem a identidade cultural e social de um lugar particular e aqueles que procuram o controlo e a gestão dos espaços, instituições ou atrativos locais. Posteriormente, o conceito foi alargado para se referir à ação do cidadão, centrada nas questões urbanas, independentemente dos efeitos potenciais ou reais (Pickvance 2003). Neste contexto, importa referir o “direito à cidade” (Lefebvre, 1969) que potenciou "uma importante formulação da procura progressista por mudanças sociais urbanas em todo o mundo" (Marcuse, 2009, p. 246).

Este “direito” passou a ser adotado como argumento para mobilizações sociais urbanas que contestam a injustiça econômica, política de austeridade, gentrificação, destruição da vizinhança e do direito à residência (Brenner, 2012), as formações de tais mobilizações sociais resultam geralmente de uma ameaça particular da reestruturação urbana em detrimento da atividade turística (Nicholls, 2008). O que resulta na perceção do turismo e dos seus impactes como uma ameaça por parte dos residentes locais, quando estes atingem um ponto de saturação e descontentamento.

A cidade passa a ser o espaço privilegiado onde ocorrem os conflitos que envolvem o turismo, estes conflitos não são só sobre as possíveis tensões entre anfitriões e turistas, mas também refletem as lutas oriundas da reestruturação urbana e transformação sócio espacial e quem beneficia e perde com as mesmas. As complexas consequências que advém dos processos de turistificação e gentrificação caraterizam-se como um exemplo interessante destes conflitos (Novy & Colomb, 2016). Associado a estes processos, devemos ter em consideração a problemática que atualmente, é percetível em grandes destinos turísticos, as pressões e mudanças residenciais, resultado da acentuada modificação de espaços

residenciais em espaços de alojamento para turistas, o que carateriza um dos principais motivos de conflito em cidades turísticas (Novy & Colomb, 2016).