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Capítulo 2. Conceito de Espaço

2.2. Espaço público

2.2.2. Identidade urbana

2.2.2.1. Identidade urbana e turismo

Existem diferentes graus de envolvimento que estão relacionados com diferentes formas de captar e apropriar a identidade urbana. Neste sentido, os lugares podem ser percecionados com diferentes significados e identidades o que muitas vezes pode ser contraditório e conflituante (Harner, 2001). Deve-se ter em consideração nos locais dotados

de uma forte atratividade turística aspetos como: o tipo de relação entre a identidade da comunidade residente e os turistas (Gu & Ryan, 2008), a possibilidade de ocorrência de conflitos entre os dois grupos e, por último, o turista como parte integrante da identidade dos residentes (Palmer, 2013).

Podem ocorrer dois tipos de apropriação do espaço, a interna e a externa, a primeira refere-se às pessoas que vivem ou trabalham no local, a segunda refere-se aos turistas, especialistas e decisores. A apropriação por estes grupos ocorre em função das diferentes origens sociais e culturais e diferentes graus de especialização em questões urbanas, neste contexto apresenta-se uma clara distinção entre usuários e especialistas, o nível de envolvimento ou penetração no cenário também deve ser considerado (Barker, 1987).

A questão da identidade urbana associada ao turismo é pertinente pelo fato de que, atualmente, destaca-se como principais aspetos valorizados pelos turistas a autenticidade e a singularidade do lugar, ou seja, a identidade. Neste contexto, surge o consumo de áreas urbanas que, pela sua essência, funcionam como uma das principais atrações turísticas dos nossos dias (Eusébio & Carneiro, 2012).

A correlação entre o crescimento do turismo e a preservação e apropriação da identidade é clara, e como tal, deve-se ter em conta os seguintes aspetos que determinam, não só o sucesso como também a sustentabilidade do destino aquando de um processo de apropriação identitária, social e espacial, o primeiro refere-se aos impactes ambientais, económicos e socioculturais do turismo (Archer, 2005; Mason, 2003; Oviedo-Garcia, 2008; Swarbrooke, 1999), o segundo à perceção dos residentes face aos impactes do turismo (Andereck, 2005; Besculides, 2002; Tosun, 2002), o terceiro á tentativa de conseguir-se o apoio dos residentes para o desenvolvimento e planeamento da atividade turística no destino (Oviedo-Garcia, 2008; Palmer, 2013). Isto porque, o apoio dos residentes torna-se essencial para os gestores responsáveis pelo planeamento do turismo e o seu desenvolvimento (Oviedo-Garcia, 2008), a necessidade de envolver os residentes com a atividade turística caraterizará os próprios residentes como embaixadores turísticos do seu local de residência (Palmer, 2013). Caraterizando deste modo os residentes como importantes stakeholders da atividade turística, influenciando o processo de desenvolvimento dos próprios destinos turísticos (Eusébio & Carneiro, 2012).

O quarto refere-se aos conflitos emergentes entre a conservação do património e o desenvolvimento do turismo e como o planeamento pode conciliar esses dois aspetos

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(Campbell, 1996; Jepson, 2001; Nasser, 2003), uma vez que a relação entre o desenvolvimento do turismo e a comunidade local é por vezes conflituosa, na medida em que o turismo pode ser visto como uma ameaça e / ou descaraterização dos valores locais existentes, modos de vida e vinculação local (Gu & Ryan, 2008; Healey, 2005). Neste contexto, o interesse turístico pela preservação do património constitui-se na “preservação ativa do bem patrimonial” (Pellegrini, 1993, p. 111).

A valorização dos bens patrimoniais, a nível local, pode ocorrer de duas formas, a primeira através da auto-consciencialização da comunidade residente da importância dos bens culturais e patrimoniais que se encontram na localidade onde residem. A segunda, e em sentido inverso, quando a comunidade residente perceciona a possibilidade de desenvolvimento social e económico através da atividade turística, o que desperta a necessidade de valorizar, preservar e conservar (Pellegrini, 1993). Nesta perspetiva, a noção de património não deve limitar-se apenas às construções históricas ou culturais, mas também “inclui outros produtos do sentir, do pensar e do agir humanos” (Pellegrini, 1993, p. 92).

O processo de produção do espaço na cidade tem sido alvo de contradições, conflitos e lutas sobre os espaços públicos e o direito de igualdade sobre a propriedade de uso comum (Konzen, 2010), no decorrer deste processo podemos referir duas tipologias de espaços, espaços de repressão e espaços públicos direcionados para a prestação de serviços, mobiliário urbano e infraestruturas básicas (Donovan, 2008). No que diz respeito à repartição de espaços públicos enaltece-se a existência de contradições no que diz respeito às dicotomias espaciais, o que consolida: formal versus informal; central vs. periférico; residenciais vs. bairros; acessível vs. não acessível; turista vs. não-turista, o que possibilit a a própria repartição e usos do espaço (Konzen, 2013).

Porém, num espaço direcionado para a atividade turística pretende-se uma homogeneização do público para garantir a obtenção de mais lucros do que a presença de diferentes públicos. Como resultado, os espaços públicos devem ser geridos de forma a favorecer certos objetivos funcionais, como a segurança, o espetáculo, o entretenimento, o conforto, a beleza e o consumo (Konzen, 2013). O processo de produção espacial resulta na modificação das cidades em produtos orientados para o mercado de consumo, onde a criação de atrações turísticas no espaço urbano conduz ao desenvolvimento socioeconómico do próprio espaço. Aliás, o desenvolvimento turístico é muitas vezes partilhado como algo que está ausente de consequências negativas, e que potenciaria a coesão social, a melhoraria da

qualidade dos espaços públicos urbanos e contribuiria para a proteção do ambiente natural e para a preservação do património histórico (Konzen, 2010).

Contudo, a indústria do turismo explicita a sobreposição dos interesses económicos aos interesses sociais dos espaços públicos urbanos. Porém, se este interesse estiver de acordo com a receita hegemônica as consequências positivas estão garantidas (Konzen, 2010). Esta sobreposição implica novos e reforça antigos padrões de exclusão de espaços públicos da cidade (Konzen, 2010). Na medida em que os espaços destinados ao turismo são: “um perímetro bem definido que separa o espaço turístico do restante da cidade” (Judd, 1999, p. 36). Surgindo assim dois espaços destintos, as zonas turísticas e as não-turísticas, as zonas não-turísticas, cujo financiamento e gestão dependem dos recursos municipais estão suscetíveis a serem negligenciados, ao contrário das zonas turísticas. Este processo apresenta-se como uma contradição entre as zonas turísticas e não-turísticas da cidade, o que pode ser visto como um processo de exclusão que visa unicamente a transformação da cidade em destinos turísticos competitivos e atrativos (Eisinger, 2000).

Portanto, a formação e a possibilidade de apropriação de espaços - turísticos - por um estrato social financeiramente confortável, significa a exclusão dos ocupantes anteriores daquela área, ou seja, a sua erradicação (Furtado, 2014). Esta realidade deriva do desenvolvimento de mudanças econômicas e sociais que estão relacionadas com as alterações na estrutura do mercado de trabalho, da crescente divisão social, da estrutura de preços do solo e da distribuição de riqueza, características do capitalismo (McDowell, 1982).

A partir de uma ótica geográfica, podemos observar grande dinamismo espacial entre o turismo e o território, o que pode resultar em quatro tipos de cenários. O primeiro, a estagnação de certos espaços turísticos que se traduz por poucas alterações, um fenómeno raro de ocorrer, o segundo, a deterioração e transformação de tradicionais espaços turísticos que acabam por perder a sua função principal, o terceiro, a produção de espaços, totalmente artificiais, onde a natureza não desempenha nenhum papel, podendo até ser recriada, por último, o quarto, a produção de novos espaços nas áreas naturais mais recônditas do mundo, onde o turismo pode ser reconhecido como verdadeiro processo civilizatório (Rodrigues, 1997; Silveira, 2013).

Como influência, o turismo tem um papel ativo nas transformações do espaço urbano. Na medida em que é visto como uma atividade de alcance social, económico, ambiental e cultural. Como tal, as formas de organização de produção desta atividade fazem surgir

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alterações no espaço urbano o que se reflete na forma do planeamento do espaço (Bastos & Rueckert, 2011). Nesta lógica, o espaço urbano turístico trata-se de uma criação de espaço produzido e produtivo que do ponto de vista de uma análise espacial a relação entre turismo e urbano, pode ser analisada em duas vertentes, a primeira, o urbano antecede ao aparecimento do turismo e a segunda, o processo de urbanização é, simultaneamente, um processo de urbanização turística do lugar (Cruz, 2000).

Como tal, o planeamento territorial deve ser ajustado á realidade urbana, na medida em que é o reflexo da sociedade com base em formas herdadas do passado, onde o espaço público volta a ter um papel importante no planeamento urbano (Portas, 1987). As formas espaciais da organização urbana atual apresentam uma funcionalidade efetiva em termos económicos e/ou valores simbólicos, o que justifica a sua permanência no espaço (Corrêa, 1987). Contudo, as marcas do passado fixadas no espaço podem ser denominadas como crespidões e a sua presença acaba por condicionar o quotidiano (Santos, 1978).

Da mesma forma que o desenho do espaço urbano deve respeitar as heranças do passado, as novas intervenções devem obedecer ao contexto existente, á diversidade de funções urbanas no espaço coletivo, devem encorajar a liberdade de circulação no espaço público, satisfazer as necessidades de fruição e evitar transformações em grande escala e/ou em simultâneo (Tibbalds, 1988). Até porque, os turistas não condicionam o espaço e nem o espaço deve ser alterado em função destes. Isto é, os padrões de movimento dos turistas, em espaços de interesse visitável, não são afetados pelas caraterísticas urbanas, pelo contrário, os seus padrões de movimento seguem uma lógica sintática global do espaço e correlacionam bem o grau de integração do espaço, como acontece com os residentes (Gospodini & Loukissas, 1998).

Nesta linha de pensamento, surgem duas premissas, fundamentais para que existe um adequado uso da identidade local, no contexto turístico, a saber: a primeira, o processo de planeamento urbano na construção da cidade moderna é crucial e deve obedecer a linhas orientadoras que propiciem um espaço detentor de vitalidade, sensação, adequação, acesso e controlo (Lynch, 1990). A (re)construção de espaços públicos turísticos de qualidade, devem munir-se de vivência, de identidade e controle, acesso a oportunidades, imaginação, distração, autenticidade, significado, vida pública e comunitária, autoconfiança urbana e o bom ambiente geral (Jacobs & Appleyard, 1987), até porque o destino é cada vez mais visto como um conceito de perceção (Buhalis, 2000).

A segunda, a educação para o turismo, a formação dos residentes para as questões do turismo, devem focalizar-se no contexto de cada comunidade, localidade e residente em particular, com o objetivo de formar os indivíduos para a consciência da importância do seu património histórico e natural e ainda para os possíveis impactes negativos resultantes do turismo. A formação para estas questões é determinante, na medida em que, os residentes devem assumir um papel ativo de responsabilidade e colaboração para que se alcance o objetivo de um o turismo sustentável, que seja compatível com os contornos da região e que contribua para a qualidade de vida dos residentes, sem nunca colocar em causa as caraterísticas identitárias da região (Nascimento & Araújo, 2010).