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A inviabilidade da utilização da desapropriação para o

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CAPÍTULO IV: A GARANTIA DO DIREITO À TERRA DOS

4.2 A inviabilidade da utilização da desapropriação para o

Conforme observamos o artigo 13 do Decreto 4.887/2003, institui que quando a ocupação quilombola incidir sobre terras particulares deverá a desapropriação ser o caminho adequado para o reconhecimento da propriedade definitiva destes grupos. Ocorre que esta propriedade é decorrente de norma constitucional. O Ato das Disposições Constitucionais Transitórias em seu:

Artigo 68. Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos.

Não se trata de propriedade alheia a ser desapropriada a ser transferida aos remanescentes de quilombos. Por força de norma constitucional as terras já são de titularidade dos remanescentes de quilombos, cabe o Estado apenas emitir-lhes os respectivos títulos.

Cláudio Teixeira da Silva entende que:

A parte final do mencionado dispositivo dispõe que deve o Estado emitir-lhes (aos remanescentes) os títulos (de propriedade) respectivos. Como antes afirmado, o artigo não cogitou da intervenção da vontade do Estado para a conversão da posse em propriedade. O comando constitucional exige atuação do Estado somente na emissão dos títulos de propriedade, sendo vedado a ele, em respeito ao princípio da legalidade, levar a efeito

desapropriações sob o fundamento de cumprimento do art. 68 do ADCT.165

A propriedade já foi transferida pelo próprio constituinte. Com isso o reconhecimento da propriedade definitiva dos quilombos independe de prévia desapropriação, mesmo quando suas ocupações incidam sobre terras particulares.166

É válido também o argumento conforme observado em julgado do Tribunal Regional Federal da 1ª Região que o direito brasileiro não tem previsão legal do tipo de desapropriação previsto no artigo 13 do Decreto 4.887/2003. Não há de se falar nestas circunstancias em desapropriação por necessidade ou utilidade publica, muito menos por interesse social. O reconhecimento das terras das comunidades remanescentes de quilombos necessita de um instituto que avalie a existência de sua posse e reconheça sua propriedade definitiva sem tantos entraves burocráticos.

Cabe ressaltar ainda que o particular só irá perder a titularidade de suas terras após o pagamento da indenização. Esta situação gera enorme insegurança jurídica aos quilombolas, pois estes ficam suscetíveis a serem demandados em ações possessórias, reivindicatórias e sujeitos ainda a invasões de oportunistas.

A escassez de recursos financeiros é outro problema quando se adota este tipo de instrumento para reconhecimento da titularidade da propriedade definitiva dos quilombos. Além disso, é muito moroso o processo de identificação das comunidades. Com isso até o ajuizamento da Ação de Desapropriação e a imissão provisória do Estado na posse, estas comunidades estão sujeitas a muitos riscos.

O fato do decreto 4.887/2003 exigir prévia desapropriação para reconhecer a propriedade definitiva dos quilombos, significa, que a garantia do direito a terra destes povos fica totalmente dependente à disponibilidade

165 Cf. SILVA, Cláudio Teixeira da. O usucapião singular disciplinado no artigo 68 do Ato

das Disposições Constitucionais Transitorias- in Revista de Direito Privado. 2006, p. 83. 166 Cf. SARMENTO, Daniel. Op. cit. 2008, não paginado

de recursos públicos destinados ao INCRA. A dependência também será condicionada ao planejamento do Estado que poderá ou não incluir pela escassez este tipo de desapropriação em seu orçamento anual.167

Com a adoção deste instituto como instrumento utilizado para reconhecer as comunidades remanescentes de quilombos, o Estado brasileiro posterga de forma indefinida a possibilidade de fruição, pelos seus titulares, de direitos fundamentais dotados de aplicabilidade imediata.168 A aplicação deste instituto é destrutiva para os quilombolas. Oficialmente, existe mais de mil quilombos no Brasil, a grande parte deles é situado em terras com registro em nome de particulares, e conforme se sabe até 2008 havia sido realizada uma única desapropriação promovida pelo INCRA com base no Decreto 4.887/2003. Esta inércia do Estado está submetendo, muitas comunidades a enfrentarem graves problemas fundiários.169

Daniel Sarmento Procurador Regional da República em parecer sobre a ADI 3.3239, conclui que:

Portanto, não assegurar aos remanescentes de quilombos, até o implemento da desapropriação, o direito de propriedade sobre as terras que ocupam, significa negar o próprio objetivo central do art. 68 do ADCT, que é preservar as comunidades quilombolas, protegendo a identidade étnica dos seus membros, bem como o patrimônio cultural do país.170

Por outro lado, o ato de reconhecimento das terras quilombolas no que refere à atuação do Estado é meramente declaratório. O próprio artigo 68 do ADCT já reconhece a existência das terras quilombolas. Assim, as medidas estatais que possuem a finalidade de reconhecer a propriedade definitiva dos quilombos, devem ser de caráter meramente declaratório.171

167 Cf. SARMENTO, Daniel. Op. cit. 2008, não paginado 168 Cf. SARMENTO, Daniel. Op. cit. 2008, não paginado 169 Iden

170Cf. SARMENTO, Daniel. Territórios Quilombolas e Constituição: A ADI 3.239 e a

Estes riscos possuem caráter de serem irreparáveis, pois estes povos exercem com o território uma relação sagrada. Sua posse é qualificada por relações totalmente diferenciadas das posses previstas no ordenamento jurídico que disciplinam as posses das massas populacionais. O fato de serem privados, mesmo que por dias de seus territórios, é fator determinante para decretar sua extinção.

Todo o procedimento de titulação das terras quilombolas é moroso, da identificação à titulação. Porém quando se trata de ocupação quilombola sobre terras particulares, o processo de titulação é mais lento ainda. Os fatores burocráticos que envolvem a desapropriação inviabilizam o cumprimento do artigo 68 do ADCT.

É importante relembramos ainda que o Brasil possui uma dívida histórica com este povo. Os reflexos da escravidão e do conseqüente abandono do negro pelo Estado Democrático de Direito é divida que continua em aberto até os dias atuais.

Não se podemos também esquecer que ao analisarmos a norma do artigo 68 do ADCT, verificamos que se trata de direito fundamental social. A construção é feita através da junção de dois elementos: primeiro que os territórios ocupados pelos quilombolas fazem parte de elemento indissociável de sua etnia e em segundo o catálogo de direitos fundamentais do artigo 5º da Constituição Federal de 1988 não é taxativo, mas sim aberto para outros direitos fundamentais dispersos pelo texto constitucional.172

Para complementar nunca é exagerado relembrarmos que o direito à terra conferido aos quilombolas possui ligação com a dignidade dos grupos sociais e com a dignidade da pessoa humana consagrada como valor supremo que estrutura todos os direitos fundamentais.

Além disso, este direito esta ligado ao reconhecimento da multiculturalidade do Estado brasileiro e também faz referência à garantia do direito à diferença e do princípio democrático pluralista. Por este motivo

podemos observar várias passagens no texto Constitucional que mencionam expressões como: respeito aos valores culturais e regionais, diferentes segmentos étnicos nacionais, grupos participantes do processo civilizatório nacional e diferentes grupos formadores da sociedade brasileira.173

Com esta interpretação do artigo 68 do ADCT é observado que se trata de norma de direitos fundamentais. Direito fundamental da dignidade da pessoa humana, de moradia e do patrimônio histórico nacional. Por se tratar de norma consagrada como direito fundamental é indispensável proteção do Estado.

4.3 O artigo 68 do ADCT como norma de direito fundamental e

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