• Nenhum resultado encontrado

As Comunidades Quilombolas, os efeitos de um

No documento Download/Open (páginas 89-98)

CAPÍTULO II: O LONGO CAMINHO PARA A TITULAÇÃO

2.4 As Comunidades Quilombolas, os efeitos de um

Na contemporaneidade o Brasil registra quilombos em 24 estados do Brasil: Amazonas, Alagoas, Amapá, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Pará, Paraíba, Pernambuco, Paraná, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Rondônia, Santa Catarina, São Paulo, Sergipe e Tocantins. Os dados quanto à quantidade exata de comunidades são incertos, ao passo de não existir uma prática censitária específica à população quilombola.

Figura 01 - Localização dos Principais Quilombos no Brasil:

Fonte: Núcleo de Estudos Étnicos Raciais, 2008.

A Fundação Cultural Palmares, entidade vinculada ao Ministério da Cultura (MINC), mantém um denominado “Cadastro Geral de Remanescentes das Comunidades dos Quilombos” que registra a existência 1.228 comunidades quilombolas. Porém, a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas aponta, no

entanto, para a existência de mais de três mil comunidades, distribuídas por todas as regiões do país.97

No Brasil, não existe um dispositivo de consulta permanente conforme estabelece a Convenção 169 da OIT, fora realizada, até o que se tem notícia, apenas uma consulta prévia por parte do Estado Brasileiro, ao objetivar discutir uma minuta de instrução normativa do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) com vias à regulamentação do procedimento de titulação dos territórios de comunidades quilombolas.

No que se refere à Convenção 169 da OIT, a consulta prévia é um instrumento a ser entendido como obrigação dos governos em assumir a responsabilidade de desenvolver, com a participação dos povos interessados, ação coordenada e sistemática com o objetivo de proteção aos direitos de povos que se enquadram em suas disposições e garantir o respeito à integridade dos mesmos, ao revelar direitos de escolher as suas prioridades, no que diz respeito ao processo de desenvolvimento, e de controlar, na medida do possível, seu próprio desenvolvimento econômico, social e cultural, previstos no Artigo 7º, como também os de participar na utilização, administração e conservação dos recursos naturais existentes em suas terras, conforme previsto no Artigo 15º.98

Segundo informações da CONAQ99, até julho de 2008, 87 territórios

quilombolas já haviam sido titulados no Brasil, perfazendo um total de 1.171.579 hectares atingindo 143 comunidades.

Abaixo, dispõe-se o quadro evolutivo deste cenário, considerando os apenas títulos concedidos pelo INCRA, pela Fundação Cultural Palmares e pela Secretaria de Patrimônio da União. Excluindo-se os demais, que foram outorgados pelos governos estaduais.

97 Cf. COORDENAÇÃO NACIONAL DE ARTICULAÇÃO DAS COMUNIDADES NEGRAS RURAIS QUILOMBOLAS et.al, op. cit. p. 2.

98 Cf. FERRAZ, Bernardo Monteiro . A Convenção OIT nº 169 e a participação das

comunidades indígenas e quilombolas no licenciamento ambiental, 2010, não paginado 99 COORDENAÇÃO NACIONAL DE ARTICULAÇÃO DAS COMUNIDADES NEGRAS

Gráfico 01 - Evolução das Titulações de terras quilombolas no Brasil

Fonte: COORDENAÇÃO NACIONAL DE ARTICULAÇÃO DAS COMUNIDADES

NEGRAS RURAIS QUILOMBOLAS et.al. 2008.

Ainda, segundo a CONAQ, em julho de 2008, 590 procedimentos administrativos para titulação estavam em curso no INCRA. Destes procedimentos, 65% tinham apenas sido protocolados, sem a execução de quaisquer etapas previstas para titulação, dos iniciados, apenas 11% tinham concluído o Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID), procedimento que identifica o território a ser titulado.100

Gráfico 02 - Quanto aos procedimentos de titulação junto ao INCRA no mês de julho de 2008.

Fonte: COORDENAÇÃO NACIONAL DE ARTICULAÇÃO DAS COMUNIDADES

NEGRAS RURAIS QUILOMBOLAS et.al. 2008

Quadro 01 - Relatórios Técnicos de Identificação e Delimitação publicados pelo INCRA.

Fonte: COORDENAÇÃO NACIONAL DE ARTICULAÇÃO DAS COMUNIDADES

NEGRAS RURAIS QUILOMBOLAS et.al. 2008.

O que se percebe é um cenário visivelmente contraditório ao que dispõe o Artigo 14º da Convenção 169 da OIT, in verbis:

1. Dever-se-á reconhecer aos povos interessados os direitos de propriedade e de posse sobre as terras que tradicionalmente ocupam. Além disso, nos casos apropriados, deverão ser adotadas medidas para salvaguardar o direito dos povos interessados de utilizar terras que não estejam exclusivamente ocupadas por eles, mas às quais, tradicionalmente, tenham tido acesso para suas atividades tradicionais e de subsistência. Nesse particular, deverá ser dada especial atenção à situação dos povos nômades e dos agricultores itinerantes.

2. Os governos deverão adotar as medidas que sejam necessárias para determinar as terras que os povos interessados ocupam tradicionalmente e garantir a proteção efetiva dos seus direitos de propriedade e posse.

3. Deverão ser instituídos procedimentos adequados no âmbito do sistema jurídico nacional para solucionar as reivindicações de terras formuladas pelos povos interessados.

O quantitativo graficamente demonstrado supra, indica um declínio na titulação de terras de comunidades quilombolas e na evolução de procedimentos administrativos de regularização desses territórios, outra contradição à ação estatal brasileira referente ao cumprimento do artigo 14 da Convenção 169 da OIT advém da análise de eficiência na utilização dos recursos orçamentários disponíveis para as titulações.

Entre 2004 e 2006, somente 21,75% do orçamento destinado à regularização fundiária dos territórios quilombolas foi efetivamente utilizado pelo governo: dos 104,101 milhões de reais destinados a tal finalidade apenas 22,643 foram gastos, mais especificamente o equivalente a 64,68% dos recursos previstos.101

Abaixo é possível observar a ilustração do supracitado.

101 Cf. COORDENAÇÃO NACIONAL DE ARTICULAÇÃO DAS COMUNIDADES NEGRAS RURAIS QUILOMBOLAS et.al, op. cit. p. 8.

Gráfico 01 - Quanto aos recursos orçamentários disponíveis para titulação.

Fonte: COORDENAÇÃO NACIONAL DE ARTICULAÇÃO DAS COMUNIDADES

NEGRAS RURAIS QUILOMBOLAS et.al. 2008.

O atual cenário brasileiro demonstra, ainda, que comunidades quilombolas do Brasil também têm sido violadas em seu direito previsto no artigo 16 da Convenção 169 da OIT:

Artigo 16

1. Com reserva do disposto nos parágrafos a seguir do presente Artigo, os povos interessados não deverão ser transladados das terras que ocupam.

2. Quando, excepcionalmente, o translado e o reassentamento desses povos sejam considerados necessários, só poderão ser efetuados com o consentimento dos mesmos, concedido livremente e com pleno conhecimento de causa. Quando não for possível obter o seu consentimento, o translado e o reassentamento só poderão ser realizados após a conclusão de procedimentos adequados estabelecidos pela legislação nacional, inclusive enquetes públicas, quando for apropriado, nas quais os povos interessados tenham a possibilidade de estar efetivamente representados.

3. Sempre que for possível, esses povos deverão ter o direito de voltar a suas terras tradicionais assim que deixarem de existir as causas que motivaram seu translado e reassentamento. 4. Quando o retorno não for possível, conforme for determinado por acordo ou, na ausência de tais acordos, mediante procedimento adequado, esses povos deverão receber, em todos os casos em que for possível, terras cuja qualidade e cujo estatuto jurídico sejam pelo menos iguais aqueles das terras que ocupavam anteriormente, e que lhes permitam cobrir suas necessidades e garantir seu desenvolvimento futuro. Quando os povos interessados prefiram receber indenização em dinheiro ou em bens, essa indenização deverá ser concedida com as garantias apropriadas.

5. Deverão ser indenizadas plenamente as pessoas transladadas e reassentadas por qualquer perda ou dano que tenham sofrido como conseqüência do seu deslocamento.

O que é percebido é que, mormente, na disputa pelo território quilombola, é de usualidade que particulares acionem o Poder Judiciário requerendo a proteção possessória das terras.

Não raramente, os casos em que ações possessórias propostas, obtém decisões favoráveis que determinam a expedição de mandados de reintegração de posse contrários aos quilombolas, ao tomar a supremacia da propriedade, algo comum nos embates jurídicos brasileiros, que compreende a relação com os recursos naturais de forma individual e patrimonial, ao dificultar a percepção das identidades coletivas como as comunidades quilombolas, sem consideração à legislação específica à etnia, ato falho à luz da Convenção 169 da OIT. 102

Em relatório publicado 07/01/2011 o INCRA traz atualizada a situação quilombola até esta data no país:

QUADRO DA POLÍTICA DE REGULARIZAÇÃO DE TERRITÓRIOS QUILOMBOLAS NO INCRA

102 Cf. COORDENAÇÃO NACIONAL DE ARTICULAÇÃO DAS COMUNIDADES NEGRAS RURAIS QUILOMBOLAS et.al, op. cit. p. 9-11.

Processos Abertos

Na atualidade existem de 996 processos abertos em todas as Superintendências Regionais, à exceção de Roraima, Marabá-PA e Acre.

Relatório Técnico de Identificação e Delimitação – RTID

Na atualidade existem 129 Editais de RTIDs publicados, totalizando 1.497.984,1495 hectares em benefício de 17.997 famílias.

Portaria de Reconhecimento do Território

Na atualidade, existem 60 Portarias publicadas, totalizando 286.112,2072 hectares reconhecidos em benefício de 5.378 famílias.

Decreto de Desapropriação por Interesse Social.

Na atualidade existem 41 Decretos publicados, desapropriando 467.041,5503 ha em benefício de 5.011 famílias.

Títulos Emitidos

Na atualidade existem 117 títulos emitidos, regularizando 972.506,3911 hectares em benefício de 105 territórios, 184 comunidades e 11.591 famílias quilombolas, assim distribuídos:

- De 1995 a 2002 foram expedidos 45 títulos regularizando 777.703,4604 hectares em benefício de 42 territórios, 90 comunidades e 6.771 famílias quilombolas. Estes títulos foram expedidos por: FCP (13), FCP/INTERBA/CDA-BA (2), INCRA (6), ITERPA (16), ITERMA (4), ITESP (3) e SEHAF-RJ (1). Destes, 2 títulos do ITERPA foram expedidos a partir de parceria (técnica e/ou financeira) com o INCRA/MDA.

- De 2003 a 2010 foram expedidos 72 títulos regularizando 194.802,9307 hectares em benefício de 63 territórios, 94 comunidades e 4.820 famílias quilombolas. Estes títulos foram expedidos por: INCRA (15), INTERPI/INCRA (5), SPU (2), ITERPA (27), ITERMA (19), ITESP (3) e IDATERRA-MS (1). Destes, 16 títulos do ITERPA e 14 do ITERMA foram expedidos a partir de parceria (técnica e/ou financeira) com o INCRA/MDA.103

Conforme se observa, várias comunidades quilombolas aguardam na fila para terem o seu direito constitucional conferido com a titulação da terra. A titulação mais complexa de ser realizada é a que ocupa terras particulares.

Atualmente, existem 41 Decretos Expropriatórios aguardando disponibilidade de verba para que seja realizada a desapropriação. Enquanto esta não acontece os povos remanescentes de quilombos passam

por verdadeiras atentados à sua posse que não conta com nenhuma proteção.

Pela ausência de atuação do Poder Publico, estas comunidades são ameaçadas a sofrerem danos irreparáveis com a execução de sentenças desfavoráveis. O dano gerado pela expropriação destes grupos tem dimensões catastróficas e ferem direitos fundamentais da nossa Carta Magna.

É evidente que o simples fato do deferimento de uma Ação de Reintegração de Posse em desfavor destas comunidades afetaria não só a dignidade de uma coletividade com características próprias, mas como, também, feriria seu direito à moradia e ameaçaria nosso patrimônio histórico É importante visualizarmos a posse dos quilombos como um tipo de posse particularizada que segue características que fogem da massa comum em sua constituição e, também, em sua natureza jurídica. Veremos que nenhum dos conceitos do direito brasileiro sobre este tema define a posse qualificada dos quilombos.

Capítulo III – Kalungas (estudo de caso): A visualização da Posse

No documento Download/Open (páginas 89-98)