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A necessidade de integração das Ciências Sociais

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CAPÍTULO IV: A GARANTIA DO DIREITO À TERRA DOS

4.1 A necessidade de integração das Ciências Sociais

A organização de conhecimentos relativos a um determinado objeto, em especial os obtidos mediante observação, a experiência dos fatos e um método próprio são considerados como ciência.

Esta se baseia principalmente na relação causa efeito, antecedente e conseqüente, mediante a utilização de métodos como o comparativo, indutivo, dedutivo, da analogia e, também, de outros métodos empregados por outras ciências. Assim, a ciência é o conjunto de conhecimentos humanos que foram adquiridos de forma metódica e organizados racionalmente.153

O Direito que é uma ciência é classificado e organizado em diferentes ramos: direito constitucional, direito administrativo, direito civil, direito agrário, direito penal e assim por diante.

Esta classificação e organização do direito são constituídas de princípios de ordem teórica. Porém ao tratar da elaboração de leis, do exercício da advocacia e da tutela jurisdicional conferida pelo Estado, estamos diante da aplicação de uma técnica, ou seja, de práticas que se motivam por conhecimentos de ordem cientifica.154

Assim, estas práticas não são científicas e, por isso, se demonstram ser bastante limitadas. Por isso que a análise apenas do disposto na legislação é incapaz de produzir por si só, os instrumentos e efeitos necessários para a legitimação das terras das comunidades remanescentes de quilombos.155

153Cf. SANTOS, Gilda Diniz dos. Op. cit., p. 52. 154 Cf. SOARES, Orlando. Criminologia. 1986, p. 13. 155 Cf. SANTOS, Gilda Diniz dos. Op. cit., p. 52.

Para que seja alcançada a devida compreensão deste grupo social intitulado de quilombolas, é necessário haver a devida integração entre as ciências sociais, pois a legislação visualiza apenas o presente, sem se preocupar, em algumas circunstâncias com a construção deste direito.156 A desconexão não é observada apenas entre presente e passado, mas também entre fato social e lei. O fato social antecede a lei que, por sua vez, não acompanha a dinâmica social.

A lei que hoje serve, não será a mesma que servirá amanhã, assim como o desuso do fato social não possibilita a correta compreensão da razão da existência da lei.157

Gilda Diniz Santos compreende que para estabelecer o elo entre o fato social e a legislação:

... devemos, impreterivelmente, recorrer às ciências sociais, as quais têm por objeto de estudo o homem na sua dimensão em sociedade no passado e no presente. Entre estas a sociologia, a antropologia, a economia, a geografia, a psicologia, e a demografia. Sendo que cada uma dessas áreas tem seu enfoque específico e uma visão mais ampla e mais completa, entretanto, exige a cooperação entre diversas áreas. Isso tem sido tentado pelos estudiosos com maior ou menor êxito, no chamado trabalho interdisciplinar, pois inclui diferentes disciplinas.158

Ao tratarmos do tema comunidades remanescentes de quilombos se faz impossível deixarmos de estabelecer conexão no mínimo com duas ciências, a história e a antropologia.

A história, pois esta, sempre foi responsável por fornecer à sociedade um tipo de explicação sobre as origens. Esta ciência social analisa principalmente as mudanças pelas quais as sociedades humanas passaram. E na transformação que esta a essência da historia.159

156 Iden

157 Cf. SANTOS, Gilda Diniz dos. Op. cit., p. 53. 158

Iden

Neste sentido, é indispensável primeiro conhecer a historia do Brasil, depois o histórico fundiário brasileiro e em particular a historia destes camponeses, que foram politicamente chamados de quilombolas, que, hoje, agrupados em comunidades, e por um tipo de convivência consolidado por meio da ocupação de uma terra, tiveram seus direitos reconhecidos.

Na complementação deste estudo interdisciplinar, usaremos de um dos ramos da historia que é a antropologia social. Esta vem dirigindo um grande esforço teórico para a crítica da visão etnocêntrica.

Para ser possível observar um determinado grupo segundo essa ciência, é preciso resgatar representações e práticas sociais, de modo em que fique preservada a essência e o sentido, sem ocorrer deformações geradas pela visão de mundo, por práticas quaisquer da sociedade de onde provém o pesquisador.160

A antropologia social defende que nos casos dos quilombolas deverá ser adotado o critério de autodefinição dos agentes sociais. Este critério adotado se fundamenta no fato em que a percepção de serem grupo social parta deles próprios e partir desse âmbito, se construa a categoria que julgam pertencer.

O antropólogo Alfredo Wagner Berno de Almeida estudioso e defensor do método faz a seguinte análise:

O recurso de método mais essencial, que suponho deva ser o fundamento da ruptura com a antiga definição de quilombo, refere- se às representações e práticas dos próprios agentes sociais que viveram e construíram tais situações em meio a antagonismos e violências extremas. A meu ver, o ponto de partida da análise crítica é a indagação de como os próprios agentes sociais se definem e representam suas relações e práticas com os grupos sociais e as agências com que interagem. Esse dado de como os grupos sociais chamados remanescentes se definem é elementar, porquanto foi por esta via que se construiu e afirmou a identidade coletiva. O importante aqui não é tanto como as agências definem, ou como uma ONG define, ou como um partido político define, e sim como os próprios sujeitos se auto- representam e quais os critérios políticos-organizativos que norteiam suas mobilizações e forjam a coesão em torno de uma certa identidade. Os procedimentos de classificação que interessam são aqueles construídos pelos próprios sujeitos a partir dos próprios conflitos, e

não necessariamente aqueles que são produtos de classificações externas, muitas vezes estigmatizantes.161

Ao identificar e regularizar as terras quilombolas, o INCRA incluiu práticas e conceitos particularizados em seu cotidiano, tais como, identidade étnica, auto-atribuição, autodefinição, aprovação dos trabalhos de campo pela comunidade, reprodução física, social e econômica.

É necessário que os representantes do INCRA tenham a consciência que se tratam estes povos de pessoas diferenciadas e por isso merecem tratamento especial.

Mas, para que tenha eficácia este tratamento especial, é necessário que as diferenças sejam conhecidas de forma aprofundada, com o auxílio de outras ciências sociais. É necessário para isso afastar as disposições de manuais e normas que face à forma simplista são incapazes de retratar a realidade de um país marcado por diversos problemas fundiários.162

O INCRA tem como atuação comum a realização de desapropriações em imóveis rurais que cumprem ou não, a função social, na forma descrita nos artigos 184 a 186 da Constituição Federal de 1988. Este imóvel é eleito para ser fiscalizado em algumas circunstancias pela própria autarquia ou por denúncia feita pelos movimentos sociais que lutam pela terra. Porém, esta atuação é totalmente diferente quando se trata de comunidades remanescentes de quilombos, que em nada se confundem com propriedade rural ou imóvel rural.

Nas terras quilombolas, o que interessa, como classificação, é aquela constituída pelos próprios sujeitos a partir de sua convivência. Nestas comunidades, o próprio grupo faz valer seu direito, pois são eles próprios que solicitam à administração pública a identificação,

161 Cf. ALMEIDA, A. W. B. de. Os quilombos e as novas etnias. In: O`Dwyer, Eliane Catarino (org.). Quilombos: identidade étnica e territorialidade. 2002, p. 67-68.

reconhecimento, delimitação, demarcação da área e titulação da propriedade definitiva.163

Vale ressaltar que as ocupações que envolvem manifestações culturais não se confundem em nada com imóvel rural ou propriedade rural, pois nesta existe um título que vincula a coisa ao proprietário.

Também é visível que as reivindicações dos quilombolas não se confundem com as reivindicações dos movimentos sociais que lutam pelo acesso a terra. Os quilombolas lutam pelo reconhecimento e legitimação de seu território. Já os movimentos sociais lutam para que lhes sejam conferidos qualquer território para poderem viver e produzir.

O imóvel que cumpre a função social será insuscetível de desapropriação por interesse social para fins de Reforma Agrária. Diferentemente do que acontece com as comunidades remanescentes, em que seus integrantes são os únicos capazes de identificarem suas terras. Isso acontece, pois a identificação destas terras tem relação direita com a identidade étnica coletiva, pois este território tem para eles um significado sagrado. Assim, percebe-se que a comunidade tem uma rigidez de localização, pois sua existência se justifica pelo território.

Outro aspecto diferenciado entre os assentamentos e as ocupações quilombolas é que naquele será a área fracionada e dividida em lotes para os assentados. Já nas comunidades de remanescentes de quilombos é característica a ocupação comum e coletiva.

A titulação também é outra particularidade a ser analisada. Nos assentamentos a titulação é conferida ao assentado ou a sua família. Nas comunidades remanescentes, o título será conferido à Associação.164 Isto

para garantir que essas comunidades permaneçam convivendo harmônica e coletivamente.

163 Iden 164

Decreto- 4.887/2003 – Artigo 17 – A titulação prevista no Decreto será reconhecida e registrada mediante outorga de título coletivo e pró-indiviso às comunidades e que se refere o artigo 2º, caput, com obrigatória inserção de cláusula de inalienabilidade, imprescritibilidade e de

A partir de tal âmbito, fica visível o quanto é importante a contribuição de outras ciências em busca da integração social, a fim de alcançar a operatividade do sistema em face da missão que lhe é reservada. Diante do exposto, é importante ressaltarmos que a desapropriação por interesse social para fins de Reforma Agrária é instrumento impróprio para legitimar as ocupações quilombolas incidentes sobre terras particulares.

4.2 A inviabilidade da utilização da desapropriação para o

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