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A Lei n° 9.311/1996 (Contribuição Provisória sobre Movimentação ou Transmissão

A referida lei instituiu a famigerada CPMF, instituição esta autorizada pela Emenda Constitucional nº 12/96, que alterou a redação do art. 74 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias7.

7 Assim ficou a redação do artigo. 74 do ADCT: "Art. 74. A união poderá instituir contribuição provisória sobre

Para além das bastantes críticas já veiculadas à CPMF, contudo, repetidas e transmitidas por vários doutrinadores no que concerne tanto ao que foi utilizado como justifi- cativa, no mundo dos fatos, para a instituição dessa contribuição8, como à própria contribui- ção enquanto tributo, vale o destaque a esse período histórico no desenvolvimento do trata- mento ao sigilo bancário no Brasil por uma importante obrigação e um permissivo constantes no artigo 11 da lei de instituição do tributo citado.

Qualquer análise da lei nº 9.311/96 focada na questão do sigilo bancário necessita levar em consideração, necessariamente, dois momentos distintos: o primeiro da lei em sua redação original após veto e promulgação, principalmente com o art. 11, § 3º em sua redação original; depois, o momento da redação alterada pela lei 10.174/01, que mudou sobremaneira o parágrafo mencionado.

Assim era a redação original:

Art. 11. Compete à Secretaria da Receita Federal a administração da contribuição, incluídas as atividades de tributação, fiscalização e arrecadação. (Vide Medida Pro- visória nº 2.158-35, de 2001)

§ 1° No exercício das atribuições de que trata este artigo, a Secretaria da Receita Fe- deral poderá requisitar ou proceder ao exame de documentos, livros e registros, bem como estabelecer obrigações acessórias.

§ 2° As instituições responsáveis pela retenção e pelo recolhimento da contribuição prestarão à Secretaria da Receita Federal as informações necessárias à identificação dos contribuintes e os valores globais das respectivas operações, nos termos, nas condições e nos prazos que vierem a ser estabelecidos pelo Ministro de Estado da Fazenda.

§ 3° A Secretaria da Receita Federal resguardará, na forma da legislação aplicada à matéria, o sigilo das informações prestadas, vedada sua utilização para constituição do crédito tributário relativo a outras contribuições ou impostos.

§ 3o-A. (VETADO)

§ 4° Na falta de informações ou insuficiência de dados necessários à apuração da contribuição, esta será determinada com base em elementos de que dispuser a fisca- lização.

Vê-se que a obrigação imposta às instituições responsáveis pela retenção e reco- lhimento da contribuição instituída pela lei (no caso, as instituições financeiras) incluía a pres- tação das informações necessárias à identificação dos contribuintes à Secretaria da Receita

8 A esse respeito, vale recordar a sempre pungente e clara crítica feita por Hugo de Brito Machado (2010, p.

445):

“Como se pode acreditar que a Seguridade Social esteja falida? É mais razoável acreditar-se que as receitas desta, arrecadadas pelo Tesouro Nacional, sob as vistas complacentes do Supremo Tribunal Federal, estejam sendo desviadas para outras finalidades. E, o que é ainda mais grave, que as autoridades do governo utilizam-se do argumento de que a seguridade social, especialmente a área da saúde pública, está carente de recursos, para obter o apoio na criação de novos tributos, como aconteceu com a CPMF, porque a sensibilidade dos contribu- intes não lhes permite recusar recursos para esse segmento do Estado. Segmento que desgraçadamente conti- nuará carente, em virtude de inevitáveis desvios, prestando-se, apenas, como argumento para seguidos aumen- tos da carga tributária.”

Federal, nisto compreendido os valores globais das operações que acarretassem a incidência do tributo.

O parágrafo 3º do artigo originariamente traçava o sigilo fiscal imposto à Secreta- ria da Receita Federal e, ademais, determinava a vedação à utilização das informações forne- cidas pelas instituições para a constituição de crédito tributário relativo a outras contribuições ou impostos. Foi precisamente no parágrafo 3º que a maior alteração trazida pela lei 10.174/01 ocorreu. Assim ficou a nova redação do parágrafo 3º:

§ 3º. A Secretaria da Receita Federal resguardará, na forma da legislação aplicável à matéria, o sigilo das informações prestadas, facultada sua utilização para instaurar procedimento administrativo tendente a verificar a existência de crédito tributário re- lativo a impostos e contribuições e para lançamento, no âmbito do procedimento fis- cal, do crédito tributário porventura existente, observado o disposto no art. 42 da Lei no 9.430, de 27 de dezembro de 1996, e alterações posteriores.

Como a simples leitura do novo parágrafo 3º esclarece, a mudança trazida foi de- veras importante. Agora, não apenas o sigilo bancário não teria aplicação no caso trazido pela lei, como, além disso, as informações recebidas (em outras situações protegidas pelo sigilo bancário a ser respeitado) poderiam ser utilizadas a fim de instaurar procedimento administra- tivo diverso com o fito de verificação da existência de crédito tributário relativo a impostos e contribuições outras, com a possibilidade, ainda, de lançamento, no âmbito do mesmo proce- dimento fiscal, de crédito tributário, caso este existente.

Assim, não apenas a lei afastava a cobertura das informações pelo sigilo bancário como, ademais, de forma expressa, autorizava o uso das informações prestadas pelas institui- ções financeiras com o objetivo de averiguação da existência de créditos tributários porventu- ra existentes. As críticas, como seria de se esperar, foram imediatas e bastante incisivas.

Ocorre que para além do bastante polêmico permissivo a respeito do acesso às in- formações teoricamente protegidas pelo sigilo bancário, outro problema foi instaurado com a alteração legislativa promovida pela lei nº 10.174/01: mesmo os fatos pretéritos à publicação da referida lei que promoveu a alteração no veículo normativo instituidor da CPMF poderiam ser alvo de incidência da permissão constante no parágrafo 3º alterado. A justificativa para isso é que a norma que autorizou a utilização das informações repassadas pelas instituições para lançamento de créditos tributários relativos a outros tributos teria caráter procedimental. É o que se extrai do voto do Ministro Luiz Fux por ocasião do julgamento do Recurso Especi- al Nº 685.708, do Espírito Santo, ocorrido em 12 de maio de 2005:

No âmbito do Direito Tributário, lei material é a que tem por conteúdo a obrigação tributária principal, com todos os elementos que a compõem, cuidando de definir a hipótese de incidência em todos os seus aspectos. (Antônio Roberto Sampaio Dória,

Da Lei Tributária no Tempo, São Paulo, Obelisco, 1968, p. 315). A lei formal trata da obrigação tributária acessória, cuidando de definir os métodos e procedimentos que os agentes do Fisco devem observar no ato de lançamento. (José Souto Maior Borges, Lançamento Tributário, 2ª edição, São Paulo, Malheiros, 1999, p. 82). A lei formal, meramente procedimental, tem aplicabilidade imediata, ao contrário do que se dá com a lei material, que institui tributo, majora alíquota ou amplia base de cál- culo. Neste caso, a lei que rege o lançamento é aquela em vigor na data do fato gera- dor. Assim, a norma que permite a utilização de informações bancárias para fins de apuração e constituição de crédito tributário, por envergar natureza procedimental, tem aplicação imediata, alcançando mesmo fatos pretéritos. Segundo precisa lição do mestre francês Paul Roubier, o efeito imediato atinge fatos e situações no período de vigência da lei, não importando que estes fatos tenham origem sob a égide da an- tiga lei, facta pendentia. (Les Conflits de Lois dans le Temps, Paris, Sirey, 1929, p. 437, apud Mário Rui Feliciani, Revista Dialética de Direito Tributário, nº 85, p. 91).

Verifica-se de todo o exposto que a lei da CPMF trouxe, de fato, vários proble- mas. Muitos, inclusive, não limitados às questões relativas ao sigilo bancário. Recebeu críti- cas além das naturalmente veiculadas desde o seu projeto de edição, alcançando a interpreta- ção dada pelo Superior Tribunal de Justiça pela possibilidade do tributo abranger fatos pretéri- tos. Até por isso, talvez, em boa hora veio a sua extinção pela não aprovação no Senado Fede- ral do projeto de sua prorrogação, em 2007.