• Nenhum resultado encontrado

A Lei nº 4.595/65 destacou-se por trazer em seus dispositivos as possibilidades legais de quebra do sigilo bancário, o que, se por um lado disciplinava meios de relativizar a proteção do sigilo bancário, por outro trouxe importante reconhecimento à importância de fazer com que essa relativização se desse em termos razoáveis, sempre nos exatos limites da lei. Assim, bastante importante na história do sigilo bancário o artigo 383 da referida lei. Lembra-se, contudo, que o mesmo artigo está revogado pela Lei Complementar nº 105/2001.

O artigo 38 da Lei nº 4.595/65 permitiu o acesso aos dados de sigilo bancário pe- los três poderes, respeitadas as condições e obedecidos os requisitos conforme prevê a lei. Ademais, a proteção ao sigilo bancário encontra importante amparo normativo no parágrafo

3 Art. 38. As instituições financeiras conservarão sigilo em suas operações ativas e passivas e serviços prestados.

§1º As informações e esclarecimentos ordenados pelo Poder Judiciário, prestados pelo Banco Central da Repú- blica do Brasil ou pelas instituições financeiras, e a exibição de livros e documentos em Juízo, se revestirão sempre do mesmo caráter sigiloso, só podendo a eles ter acesso as partes legítimas na causa, que deles não po- derão servir-se para fins estranhos à mesma.

§2º O Banco Central da República do Brasil e as instituições financeiras públicas prestarão informações ao Po- der Legislativo, podendo, havendo relevantes motivos, solicitar sejam mantidas em reserva ou sigilo. §3º As Comissões Parlamentares de Inquérito, no exercício da competência constitucional e legal de ampla in- vestigação (art. 53 da Constituição Federal e Lei nº 1579, de 18 de março de 1952), obterão as informações que necessitarem das instituições financeiras, inclusive através do Banco Central da República do Brasil.

§[...]

§5º Os agentes fiscais tributários do Ministério da Fazenda e dos Estados somente poderão proceder a exames de documentos, livros e registros de contas de depósitos, quando houver processo instaurado e os mesmos fo- rem considerados indispensáveis pela autoridade competente.

§6º O disposto no parágrafo anterior se aplica igualmente à prestação de esclarecimentos e informes pelas insti- tuições financeiras às autoridades fiscais, devendo sempre estas e os exames serem conservados em sigilo, não podendo ser utilizados senão reservadamente.

§7º A quebra do sigilo de que trata este artigo constitui crime e sujeita os responsáveis à pena de reclusão, de um a quatro anos, aplicando-se, no que couber, o Código Penal e o Código de Processo Penal, sem prejuízo de outras sanções cabíveis.

7º do artigo, que dispôs que a quebra do sigilo fora das condições estatuídas pelo artigo cons- tituiria crime, sujeitando os responsáveis à pena de reclusão de um a quatro anos.

Importante perceber que, até a edição da Lei Complementar nº 105 em 2001, foi o artigo 38 da lei 4.595/65 que principalmente regulou o sigilo bancário, fato que bem dimensi- ona a importância de sua análise. O fato de ser, originariamente, uma lei ordinária, não afetou a sua recepção pela Constituição de 1988 como Lei Complementar em termos de eficácia, o que possibilitou que a matéria fosse por ela regulada. Trata-se, do fenômeno da recepção, co- mo bem explicado por Gilmar Ferreira Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco (2012, p. 164):

O importante, então, é que a lei antiga, no seu conteúdo, não destoe da nova Consti- tuição. Pouco importa que a forma de que o diploma se revista não mais seja previs- ta no novo Texto Magno. Não há conferir importância a eventual incompatibilidade de forma com a nova Constituição. A forma é regida pela lei da época do ato (tem- pus regit actum), sendo, pois, irrelevante para a recepção. Assim, mesmo que o ato normativo se exprima por instrumento diferente daquele que a nova Carta exige para a regulação de determinada matéria, permanecerá em vigor e válido se houver a concordância material, i. é, de conteúdo, com as novas normas constitucionais.

Embora trouxesse a lei, em seu parágrafo 5º, a previsão de que o sigilo poderia ser quebrado pelos agentes fiscais tributários mediante processo instaurado, era entendimento recorrente na jurisprudência e na doutrina à época que, em virtude da natureza e fundamenta- ção da proteção ao sigilo bancário no direito brasileiro, que teria índole eminentemente cons- titucional o processo que poderia ocasionar a quebra de sigilo bancário deveria ser judicial, em razão do postulado da reserva constitucional de jurisdição.

Sobre a reserva de jurisdição, bem assentou a sua implicação o ministro Celso de Mello, por ocasião do julgamento do Mandado de Segurança nº 23.452/RJ, ao afirmar que o postulado da reserva constitucional da jurisdição traduz a noção de que, nos temas em que tal postulado é aplicado, assiste ao Poder Judiciário não apenas a última palavra a respeito da questão, mas a “prerrogativa de dizer, desde logo, a primeira palavra”, o que exclui a possibi- lidade de exercício de igual atribuição por qualquer outro órgão ou autoridade do Estado.

Assenta Ricardo Lobo Torres (2011, p. 323), em complemento, que a posição que vigorou à época da lei tanto na jurisprudência como na doutrina dominante foi o de entendi- mento pela necessidade de ordem judicial que autorizasse a quebra do sigilo bancário:

Com efeito, no Brasil a doutrina e jurisprudência vêm fechando a possibilidade de desvendamento do segredo bancário pela autoridade fiscalizadora. Qualquer neces- sidade de conhecimento das transações bancárias do contribuinte só podia ser supri- da pelo juiz, sob pena de intromissão na privacidade do cidadão, conforme fixou o Superior Tribunal de Justiça ao interpretar restritivamente o art. 38, "§ 5o da Lei nº

4.595/64 (RESP 37.566-5/RS, Ac da 1º T, de 2.2.94, Min. Demócrito Reinaldo, DJ 28.3.94, RDA 197: 174).

Uma análise do julgado do STJ4 que definiu a posição da jurisprudência brasileira a respeito do artigo sob análise, como bem comentou o jurista citado, revela, pela leitura do voto do relator Demócrito Reinaldo, o apreço à proteção ao sigilo das informações relativas às movimentações do contribuinte, que deveriam ser de conhecimento apenas do próprio banco e do cliente/contribuinte, somente competindo ao Judiciário autorizar a quebra do sigilo. Assim votou o relator:

Segundo entendo, a exegese integrada dos artigos 197, II e § 1º do CTN, concede à autoridade fiscal o poder de solicitar as informações que repute necessária à instru- ção ou apuração de débito Tributário, desde que as mesmas não se abriguem sob o manto inviolável do sigilo bancário. Noutras palavras: devem as instituições finan- ceiras atender à solicitação de informações encaminhada pelo Fisco, cumprindo--lhe, porém, negar--se a fornecer qualquer espécie de notícia ou documentação pertinente à movimentação ativa e passiva do correntista/contribuinte bem como dos serviços a ele prestados (artigo 38, "caput", da Lei nº 4.595/64).

A interpretação, portanto, era clara no sentido de permitir a fiscalização sem inter- ferência do Poder Judiciário somente em relação aos dados que não fossem protegidos pelo sigilo. Sendo caso de informação coberta pelo segredo bancário, necessária seria a ordem do Poder Judiciário determinando a quebra de sigilo.