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Capítulo I. Políticas Públicas Desportivas Intervenção do Estado no Profissionalismo do

3. Legislação Desportiva Portuguesa

3.1 A Lei de Bases do Sistema Desportivo (LBSD) 1990

Lei de Bases do Sistema Desportivo. Lei nº 1/90 de 13 de Janeiro e diploma retificativo- Lei n.º 19/96, de 25 de Junho

O desporto em Portugal só começou a definir o seu espaço no quadrante político no final dos anos 80, com a sua aplicação prática a surgir no princípio da década seguinte, em 1990, com a primeira lei de quadros do sistema desportivo. Ao fazer uma análise das principais mudanças no desporto português, que vão ser abordadas de seguida, a percepção inicial para a construção desta tese era a de que a pressão política que as federações, Ligas de

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clubes e restante movimento associativo fizeram no final dos anos 80, levou a que se tornasse necessário construir uma nova legislação tendo em vista a profissionalização do desporto.

O estudo às leis de base do desporto Português tem como principal foco as medidas e modificações efetuadas no âmbito do desporto de alta competição, indo ao encontro do estudo do profissionalismo desportivo em Portugal. A primeira lei de bases do Desporto é importante na definição dos espaços de intervenção das Ligas de Clubes e Federações, na defesa dos interesses dos jogadores e treinadores, e no reconhecimento pela primeira vez de novos organismos desportivos criados para organizar competições profissionais.

Surge então, em 1990, a Lei de Bases do Sistema Desportivo (LBSD), a primeira lei- quadro do desporto em Portugal. Para o Basquetebol e Andebol, modalidades que após a publicação da LBSD encetaram um projeto de competição profissional, esta foi a oportunidade esperada para melhorar a qualidade e condições de trabalho das suas equipas, treinadores, jogadores e árbitros. O futebol já vivia numa situação de profissionalismo e é, curiosamente, devido a esta modalidade, que o Estado procurou legislar o desporto profissional. Para o entrevistado 1, não existem dúvidas que a agenda Política do Estado era a de controlar os gastos que tinha com os clubes de futebol, principalmente através do poder local. Mais do que se preocupar com o desenvolvimento do desporto profissional, este afirma que interessava ao Governo dividir os clubes de futebol entre os profissionais e os não profissionais, limitando o acesso dos primeiros a receitas provenientes do Estado, muitas das vezes através das autarquias. Isto parece deitar por terra a ideia de que foram os atores desportivos, na sua procura por melhores condições de trabalho, a “pressionar” a publicação de uma Lei de bases do Desporto que também visasse a organização de competições de caráter profissional.

Obviamente, a LBSD era um documento que legislava vários parâmetros do Desporto, como, por exemplo, as competências do Estado nesta área. Logo no primeiro capítulo, artigo 3º, era determinada a organização da política desportiva em Portugal, com o governo a ser responsável pela coordenação e direção dos departamentos e setores com intervenção neste campo, sendo que a competência dessa mesma coordenação era do ministro responsável pela política desportiva. Esta estrutura vai ao encontro do estudo de Amara, Henry, Liang & Uchiumi (2005), já mencionado anteriormente, em que Portugal adopta um Modelo Dirigido pelo Estado na área do Desporto onde, ainda assim, há espaço para as associações procurarem intervir na discussão política.

No que concerne a outros atores, a LBSD reconhece o “papel indispensável desempenhado pelos dirigentes desportivos, como organizadores da prática do desporto,

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devendo ser garantidas as condições necessárias à boa prossecução da missão que lhes compete”. Acrescenta ainda que “as medidas de apoio ao dirigente desportivo em regime de voluntariado e o enquadramento normativo da função de gestor desportivo profissional constam de diploma próprio” 35

. Para o praticante desportivo, existe na LBSD uma clara distinção entre profissionais e não profissionais, com a preocupação em definir melhor as fornteiras que os separam. O Estado afirmava, em 1990, que “o estatuto de praticante desportivo é definido de acordo com o fim dominante da sua actividade, entendedo-se como profissionais aqueles que exercem actividade desportiva como profissão exclusiva ou principal”. É remetido para diploma próprio o “regime jurídico contratual dos praticantes desportivos”, ouvindo para esse efeito “as entidades representativas dos interessados e as federações desportivas, tendo em conta a sua especificidade em relação ao regime geral do contrato de trabalho”. 36

O capítulo III dedicado ao associativismo desportivo é essencial nas alterações à dinâmica de organização de competições profissionais. Define na secção I, entre outros assuntos, os Clubes e federações desportivas, a utilidade pública desportiva, e o desporto profissional. Os Clubes “são as pessoas colectivas de direito privado cujo objeto seja o fomento e a prática direta de atividades desportivas e que se constituam sob a forma associativa e sem intuitos lucrativos” 37

. A revisão deste artigo no DL n.º 19/96, de 25 de Junho, esclareceu o papel dos clubes incluídos numa competição profissional, o que não estava disposto anteriormente no DL nº 1/90. Este novo artigo 20º definia que “os clubes desportivos, que não participem em competições desportivas profissionais, constituir-se-ão, nos termos gerais de direito, sob a forma associativa e sem intuitos lucrativos”. No que diz respeito aos clubes que disputassem competições desportivas de caráter profissional, estes poderiam “adoptar a forma de sociedade desportiva com fins lucrativos, ou o regime de gestão a que ficarem sujeitos se optarem por tal estatuto”, sendo que teriam “obrigatoriamente de possuir contabilidade organizada segundo as normas do Plano Oficial de Contabilidade, com as adaptações constantes de regulamentação adequada”.

Deve-se sublinhar a importância atribuída pelo Estado à regulamentação da gestão financeira dos clubes que participem em competições profissionais, dando grande enfâse à “obrigatoriedade” destes possuirem uma contabilidade bem organizada. Este esclarecimento vai ao encontro da ideia defendida pelo entrevistado 1, sendo esta uma legislação desenhada a

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Lei 1/90 capítulo II, artigo 13º 36

Lei 1/90 capítulo II, artigo 14º 37

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pensar nos clubes profissionais de futebol e na necessidade destes cumprirem as regras do Plano Oficial de Contabilidade. Desta maneira, o Estado procurava resolver dois problemas: por um lado reduzia os seus próprios gastos, com os clubes de futebol profissional a adoptarem um regime de gestão que inviabilizava ajudas financeiras diretas provenientes de entidades governamentais; por outro, colocava-os a responder a normas financeiras que serviriam para mantê-los com contas equilibradas.

No artigo seguinte, as federações desportivas são definidas como “pessoas colectivas” desde que, “englobando praticantes, clubes ou agrupamentos de clubes, se constituam sob a forma de associação sem fim lucrativo e preeencham, cumulativamente os seguintes requisitos” 38:

1. Objetivos Gerais:

a) Em Portugal devem “promover, regulamentar e dirigir” a “prática de uma modalidade desportiva” ou outras modalidades relacionadas;

b) “Representar perante a admnistração pública os interesses dos seus filiados”;

c) “Representar a sua modalidade desportiva, ou conjunto de modalidades afins, junto das organizações congéneres estrangeiras ou internacionais”

2. “Obtenham a concessão de estatuto de pessoa colectiva de utilidade pública desportiva”.

Vários assuntos são abordados neste 3º capítulo para além dos já mencionados, como, por exemplo, os casos da utilidade pública desportiva39, Federações unidesportivas e federações multidesportivas40, Justiça Desportiva41, Selecções nacionais42 e apoios às federações desportivas43. É, ainda assim, no artigo 24º, “Desporto Profissional no seio das federações”, que é disposto pela primeira vez a organização deste tipo de competições: “No seio de cada federação unidesportiva cujas modalidades incluam praticantes profissionais deve existir um organismo encarregado de dirigir especificamente as actividades desportivas de carácter profissional, o qual tem de titular autonomia admnistrativa, técnica e financeira”. Como é fácil de notar o artigo é omisso em especificar se o organismo que devia tutelar as organizações profissionais seria, efetivamente, a Liga Profissional de Clubes da respetiva modalidade. Além disso, não enumera as competências deste novo organismo, limitando-se a dizer que este deve ser constituido para organizar competições profissionais no seio de cada

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Lei 1/90 capítulo III, Secção I, artigo 21º 39

Lei 1/90 capítulo III, Secção I, artigo 22º 40

Lei 1/90 capítulo III, Secção I, artigo 23º 41

Lei 1/90 capítulo III, Secção I, artigo 25º 42

Lei 1/90 capítulo III, Secção I, artigo 26º 43

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federação. A ausência deste esclarecimento foi prejudicial para a estreia das competições profissionais de basquetebol, pois continuava a não dar à Liga de Clubes de Basquetebol já criada, legitimidade na organização destas competições. Embora o Estado tenha definido este artigo a pensar no profissionalismo, esta disposição demonstra uma maior preocupação em criar um organismo autónomo que se responsabilizasse pela fiscalização dos clubes profissionais do que em contextualizar esse mesmo organismo na área do Desporto. As Ligas de Clubes eram candidatos óbvios a desempenhar esse papel, até porque já estavam criadas (Basquetebol e futebol) e já desempenhavam esse papel noutros países (como se irá ver no caso Espanhol).

O esclarecimento da identidade do organismo, assim como das suas competências perante as competições profissionais, só veio a acontecer seis anos depois com a publicação da Lei 19/96 de 25 de Junho, responsável pela revisão deste diploma de 1990. Enquanto essa revisão não aconteceu, a posição das Ligas de Clubes não estava devidamente defendida na legislação, levando a que no futebol fosse mesmo criado “um orgão clone da respetiva Liga, o famoso Organismo Autónomo (OA)” (Castelbranco, 2001). O Decreto-Lei 19/96 esclarece de forma inequívoca o papel das Ligas de Clubes substituindo o original artigo 24º de 1990, Desporto Profissional no seio das federações, pelo novo artigo intitulado Liga Profissional de Clubes, transcrito de seguida na íntegra:

“1 - No seio das federações unidesportivas em que se disputem competições desportivas de natureza profissional, como tal definidas em diploma regulamentar adequado, deverá constituir-se uma liga de clubes, integrada obrigatória e exclusivamente por todos os clubes que disputem tais competições, dotada de personalidade jurídica e autonomia administrativa, técnica e financeira.

2 - A liga será o órgão autónomo da federação para o desporto profissional, competindo-lhe nomeadamente:

a) Organizar e regulamentar as competições de natureza profissional que se disputem no âmbito da respectiva federação, respeitando as regras técnicas definidas pelos órgãos federativos competentes, nacionais e internacionais; b) Exercer, relativamente aos clubes seus associados, as funções de tutela, controlo e supervisão que forem estabelecidas legalmente ou pelos estatutos e regulamentos desportivos; c) Exercer o poder disciplinar e gerir o específico sector de arbitragem, nos termos estabelecidos nos diplomas que regulamentem a presente lei; d) Exercer as demais competências que lhes sejam atribuídas por lei ou pelos estatutos federativos.

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3 - No âmbito das restantes federações desportivas em que existam praticantes desportivos profissionais poderão ser constituídos organismos destinados a assegurar, de forma específica, a sua representatividade no seio da respectiva federação.

Nota: O artigo 24.º foi alterado pelo artigo 1.º da Lei n.º 19/96, de 25 de Junho. Nos termos do artigo 3.º da Lei n.º 19/96, de 25 de Junho, a liga a que se refere este artigo assume todas as competências, direitos e obrigações que pela lei ou pelos estatutos federativos estejam atribuídos ao organismo autónomo referido no Decreto-Lei n.º 144/93, de 26 de Abril (também conhecido pelo Regime Jurídico das Federações Desportivas), bem como todos os direitos e obrigações já assumidos, à data da entrada em vigor do presente diploma, pela liga profissional constituída no âmbito da respectiva modalidade desportiva.”

Passados seis anos da LBSD, era finalmente especificado pelo Estado que as competições profissionais teriam de ser organizadas pelas Ligas Profissionais de Clubes, afirmando claramente que estas são o organismo autónomo anteriormente mencionado. No Basquetebol, com a Liga de Clubes já formada, ficou assim legitimada a sua agenda política de organizar a principal competição de Basquetebol. Dois pontos importantes devem ser sublinhados neste reconhecimento das Ligas de Clubes e na definição das suas competências:

1. Tanto o Basquetebol como o Futebol iniciaram a época de 1995/1996 com as suas competições profissionais (uma estreia no Basquetebol) a serem organizadas respetivamente pela Liga de Clubes de Basquetebol (LCB) e pelo Organismo Autónomo. Mesmo no caso do organismo autónomo, este era na altura uma “entidade considerada pela Federação Portuguesa de Futebol como autónoma da Liga com sede no mesmo local e suportada pela mesma estrutura administrativa que foi posteriormente oficializado como fazendo parte da estrutura da Liga de Clubes”44

. Já o Basquetebol sempre assumiu que o organismo autónomo seria a LCB, e foi essa entidade que assinou o protocolo (previsto no RJFD, analisado de seguida) com a FPB para a organização do campeonato profissional. Visto ter sido esta época imediatamente antes da revisão da LBSD de 1996, parece ser possível ter existido alguma influência do setor desportivo na legitimização das Ligas de Clubes como organizadores de competições de caráter profissional.

2. O artigo dedicado às Ligas de Clubes é muito claro na forma como, entre outras competências dirigidas à organização das competições profissionais, define esta entidade como responsável pela “tutela, controlo e supervisão” dos clubes seus

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associados. Se o objetivo do Estado era a redução de gastos com os clubes de futebol e o controlo das suas contabilidades, a Liga de Clubes foi a organização escolhida para fiscalizá-los, como é afirmado pelo Entrevistado 1. No fundo, esta entidade serviria como orgão de garantia de aplicação da legislação aos clubes inseridos nas competições profissionais de futebol. Embora esta não tenha sido feita a pensar na modalidade, o basquetebol iria estar sujeito a essa mesma legislação, o que se irá notar na fiscalização da mesma nos clubes participantes na sua competição profissional.

O DL nº 1/90 continua na sua definição da legislação desportiva, determinando no artigo 33º seis pontos de apoio ao associativismo desportivo: “Concessão de comparticipação financeira; Incentivos à implantação de infra-estruturas e equipamentos; Acções de formação de praticantes, dirigentes, técnicos desportivos e demais participantes nas actividades desportivas; Fornecimento de elementos informativos e documentais; Fomento de estudos técnico-desportivos; Estabelecimento de relações com organismos internacionais”. Todos estes pontos foram mantidos em 1996, aquando da revisão do Diploma.

O Estado define ainda o papel do CSD como “orgão consultivo” a quem competia “a execução da política desportiva definida pelo governo” e ainda “acompanhar a evolução do desenvolvimento desportivo, bem como estudar e dar parecer sobre as linhas orientadoras da Administração Pública na área da política desportiva”. O CSD ficou responsável pela observação e análise dos temas relacionados com o desporto Português, sendo que os seus pareceres refletiram também a sua opinião sobre o profissionalismo desportivo.

3.2 Decreto-Lei n.º 144/93, de 26 de Abril- Regime Jurídico das Federações Desportivas