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Capítulo I. Políticas Públicas Desportivas Intervenção do Estado no Profissionalismo do

6. Conclusão

O papel do Estado nas políticas públicas desportivas tem sido cada vez mais estudado nos últimos anos, englobando as suas várias vertentes. Os níveis de intervenção do governo nesta área diferem de país para país, com diferentes graus de responsabilidade e poder de decisão. No caso em estudo, o Estado Português foi um ator crucial no desenho legislativo do profissionalismo desportivo em Portugal, ainda que outros atores, nomeadamente os especializados na área, tenham também desempenhado um papel neste debate. Depois de aplicada a teoria pluralista a este tema, é importante agora elencar algumas hípóteses explicativas do todo o processo político da profissionalização do desporto em Portugal ao nível da sua legislação.

O Governo Português elaborou em 17 anos (1990 a 2007) três diferentes Leis de bases do Desporto, sendo dado neste capítulo especial enfâse à primeira de todas. Isto deve-se a três razões: desde logo porque a LBSD inclui pela primeira vez em Portugal uma abordagem do Estado à profissionalização do Desporto; em segundo porque foi alvo de diversas modificações ao longo dos anos, modificações essas que, em paralelo com outros documentos importantes como o RJFD ou o RJCPCD, contam a estória daquilo que foi o processo político do profissionalismo desportivo em Portugal; finalmente, em terceiro lugar, a LBSD demonstra, no que diz respeito ao profissionalismo, uma agenda clara do Estado Português que motiva a formulação da legislação, agenda essa que exprime a necessidade de reduzir os custos do investimento público nos clubes de futebol.

A primeira conclusão que se pode retirar deste capítulo é a de que o Estado seguiu a sua agenda política e cedeu pouco às pressões dos atores desportivos. O Entrevistado 1 afirma claramente que para o Governo português o objetivo principal era o de reduzir custos no futebol, e que esse foi expresso na legislação sem especial atenção à contextualização no subsistema a que se destinava. A proposta de trabalho do CND de 2007 e o artigo de Manuel Castelbranco em 2001 demonstram esta mesma ideia, como são disso exemplo as afirmações

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sobre as Ligas de Clubes serem “imposições do Estado” e as soluções encontradas serem “futebolizadas” com pouca adaptabilidade a outras modalidades. Dois exemplos práticos disso são dados pelo entrevistado 4 que enumera a “questão da obrigação de colocar torniquetes: os clubes não estavam na altura com possibilidade de os cumprir. E quando não os cumprimos estamos a descredibilizar a Liga”, e os “salários muito superiores (a treinadores e jogadores) aos que os clubes podiam pagar”. Continua o mesmo entrevistado: “A própria legislação não foi amiga da competição profissional porque não foi realista com as possibilidades da modalidade. Deviam ter sido desenhados objetivos a médio e a longo prazo que nos dessem tempo e condições para ser bem sucedidos. Mais que os legisladores, esta responsabilidade devia ter sido assumida pelos representantes da modalidade, porque em caso de insucesso era o basquetebol que pagava com a morte”98.

Mais do que abrir uma página no desporto profissional Português, o Estado utilizou este novo paradigma para servir os seus próprios interesses, procurando uma solução para o problema que os clubes de futebol profissional representavam para a despesa pública. Tendo em conta a perspetiva pluralista, existiram sem dúvida intervenções, debate, e pressão política da parte das entidades ligadas ao basquetebol, embora não conseguindo afetar o principal objetivo do governo. Do ponto de vista do início da legislação, e olhando apenas para aquela que foi a primeira versão da LBSD, é difícil de vislumbrar qualquer tipo de intervenção exterior na aplicação da agenda do Estado. No entanto, se analisarmos todo o processo político que levou a várias modificações da LBSD, então a ideia defendida pela Teoria Pluralista parece fazer todo o sentido e ajuda a explicar o que aconteceu.

Seguindo a ideia deixada no final do parágrafo anterior, e mesmo admitindo a tese apresentada, parece muito provável que tenha, ainda assim, existido interferência de outros atores políticos que não apenas o Estado, nas alterações fomentadas à versão inicial da LBSD sobre o profissionalismo em Portugal. O documento sofreu transformações que demonstram um maior cuidado em contextualizar a legislação às diversas modalidades, mesmo que essas soluções possam ser discutíveis do ponto de vista da eficácia da aplicação do profissionalismo em modalidades como o Basquetebol. Retomando o artigo de Manuel Castelbranco (2001), o autor, que naquela data era diretor da LCB, reconhece o esforço da Ligas de Basquetebol e de Futebol em reunir com os atores governamentais responsáveis pelo desenho da legislação, sublinhando, da parte da LCB, a “serenidade e capacidade de diálogo suficiente para não se atrasar na organização do seu edifício jurídico”. Ainda que se admita que o Estado tenha

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pensado a LBSD para resolver os seus próprios problemas, é notória a intervenção de outros atores no restante processo político ao longo dos anos, com alterações fundamentais para a área do desporto.

Voltemos um pouco atrás para recordar a definição de nível Macro no contexto desportivo que nos é dada por Lipicer e Lajh (2013), onde é defendido que este nível é também analisado percebendo se os atores desportivos seguem, ou não, as diretivas do Estado, e se estão muito longe ou perto das mesmas. Do ponto de vista da organização estrutural do desporto profissional, é possível afirmar que as modalidades que seguiram a via profissional procuraram responder às indicações do Estado, principalmente no que diz respeito à criação das Ligas de Clubes respetivas. Olhando para os casos mais importantes, tanto o futebol como o basquetebol, seguiram a legislação e, do ponto de vista da estrutura das organizações, agiram de acordo com o que estava estabelecido. O problema surge na fiscalização que essas Ligas deveriam fazer aos clubes profissionais na gestão das suas contas, algo que não aconteceu como estava estipulado. No caso do futebol, e tendo em conta que estava aqui o grande objetivo do Estado, a LPFP nunca conseguiu garantir que os clubes cumpriam as regras estabelecidas para as suas contabilidades (entrevistado 1). No Basquetebol, a falta de fiscalização da LCB a várias questões relacionadas com salários e cumprimento das regras financeiras acordadas, é várias vezes apontada como uma das principais razões para o insucesso do modelo profissional da modalidade.

As políticas públicas vão além do desenho das mesmas, sendo a fase de aplicação crucial no seu sucesso. Esta incapacidade do Estado conseguir ver cumprida a sua agenda na fase de aplicação da legislação é bastante sintomática do poder político de outros atores, demonstrando aqui a influência que os agentes ligados ao futebol conseguiram ter. Confirma- se mais uma vez a ideia que qualquer ator político pode ter influência na definição das políticas públicas, dependendo esse grau de influência do poder que esses atores têm no caso em questão.

A análise Macro permite apontar duas falhas no processo político iniciado pelo Estado: em primeiro lugar o seu objetivo inicial nunca foi cumprido, o de controlar e supervisionar as contas dos principais clubes de futebol; em segundo não conseguiu que a sua legislação fosse adaptada às várias modalidades desportivas numa fase inicial. Isto pode ajudar a explicar o falhanço que foi a incursão do Basquetebol no desporto profissional (e também do andebol), com o Estado a ausentar-se da procura de melhores soluções no inicio da legislação que servissem outras modalidades que não o futebol.

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Seguindo este raciocínio, e percebendo que o nível meso poderá ter uma maior influência no sucesso de um modalidade desportiva, não parece correta a ideia defendida pelo modelo de De Bosscher (2006), onde o autor afirma que “é ao nível meso que existe influência política no desenvolvimento da performance desportiva que pode ter um peso determinante no sucesso ou insucesso desportivo internacional”. É verdade que no nível meso existem decisões que são determinantes para o sucesso, isto é inegável, no entanto essa responsabilidade não é exclusiva deste nível, como aliás se verifica no caso do Basquetebol Profissional em Portugal. A legislação “futebolizada”, pouco adaptada à realidade do basquetebol Português, formulada a pensar na agenda do Estado, e com ausência de uma fiscalização eficaz, contribuiu para o insucesso do modelo profissional, a par de outras razões encontradas na análise política de nível meso. O insucesso deste modelo é a razão principal para a falta de qualidade das equipas e jogadores portugueses quando comparados com outros países da Europa, porque, para além de não permitir melhores condições de trabalho, impede os clubes nacionais de competir nas principais competições Europeias onde a inclusão numa liga profissional é requisito indispensável.

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