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A liberdade de pensamento na Educação Brasileira na segunda metade do

2 A EDUCAÇÃO PRIMÁRIA NO PARÁ: AS RELAÇÕES ENTRE O

2.2 A liberdade de pensamento na Educação Brasileira na segunda metade do

A Igreja Católica no Brasil durante todo o Império Português até a primeira metade do século XVIII foi soberana nas ações evangelizadoras e na catequese. A partir de 1549, com a chegada dos primeiros jesuítas comandados pelo Padre Manoel da Nóbrega, teve início a educação formal instituída através dos colégios e seminários pautados numa concepção tradicional, na sua especificidade religiosa. A partir da segunda metade do século XVIII, os conflitos a despeito do controle do Estado são visíveis, a Igreja, que deteve o poder por 200 anos, nesse momento passou a ser questionada, começou a perder sua soberania e poder, passando a partir de então, a enfrentar sucessivas dificuldades e em 1759, teve sérios

problemas em continuar essas ações devido à expulsão dos padres da Companhia de Jesus por Sebastião José de Carvalho e Melo, conhecido como Marquês de Pombal. A partir das reformas pombalinas ficou evidente a “circulação das ideias pedagógicas inspiradas no laicismo, que caracterizou a visão iluminista” na instrução pública brasileira (SAVIANI, 2008).

Entretanto, essas reformas não abalaram tanto a relação entre a Igreja Católica e o Estado e, décadas depois, após a independência política, a monarquia adotou o catolicismo como religião oficial, sob a forma de padroado. Dom Pedro II, seguindo a tradição portuguesa, adotou os referenciais filosóficos da escolástica tomista, que tinha como princípio o direito natural/positivo que outorgava o poder moderador e a hierarquia social, formando uma base constitutiva do Padroado Régio, onde a ordem política do estado Monárquico brasileiro era mantida por um estamento que envolvia o clero, os militares e os magistrados, ou seja, por uma teia de relacionamento que constituía as instâncias do poder instituído e os membros da sociedade civil, que representavam as outras instâncias sociais de acordo com o pensamento ideológico da corte. Nesse contexto a hegemonia católica no campo da educação não foi tão abalada, mesmo com os conflitos e com a presença de ideias iluministas a partir da reforma pombalina (CARVALHO, 1980).

Com a implantação da República em 1889, a sociedade brasileira e a igreja ainda foram surpreendidas frente às novas condições político-religiosas do país. Nesse sentido, as elites religiosas católicas ficaram na defensiva em relação às medidas oficiais que fossem contra as tradições religiosas no Brasil. A Igreja Católica e suas ordens religiosas sempre predominaram na atuação catequético-evangelizadora e educacional no Brasil, assim, os católicos estavam atentos às ações do governo provisório, que comandava o país naquele momento em relação aos problemas religiosos, inseguros quanto a que posição a igreja católica ocuparia mediante esse momento na República, temerosos quanto às mudanças, e estas, realmente aconteceram (VILLAÇA, 1975).

Logo após a proclamação da República (1889-1910), a Igreja fez de tudo para manter seus direitos, conversou, negociou, brigou, enfim, chegou a uma postura de aceitação dos fatos e partiu para sua ação pastoral em outra perspectiva. Na época, o Marechal Deodoro recebeu os apelos do arcebispo pedindo que não usasse sua espada como instrumento de destruição da fé do povo brasileiro. O bispo do Pará também buscou dialogar com Rui Barbosa, seu ex-aluno, na época ministro da fazenda do governo republicano e cérebro da política reformista. De forma que, os católicos viram que havia a necessidade de participarem

da vida política e da construção da legislação brasileira para que pudessem defender seus direitos e interesses (LUSTOSA, 1991).

Os esforços dos católicos no campo da política não foram favoráveis, o partido católico não conseguiu eleger seus representantes nas cadeiras mais significativas, com isso perdeu mais espaço. O grande marco foi a partir de 7 de janeiro de 1890 quando saiu o Decreto n. 119 A, que determinou a separação total da Igreja e do Estado; extinguiu o Padroado (art. 4º) e possibilitou a existência de diversos cultos e a liberdade de ação (art. 2º e 3º). Em seguida, impôs a obrigatoriedade do casamento civil e a tutela dos cemitérios passou para o controle dos municípios. Os católicos não visavam a união da Igreja com o Estado, mas desejavam tornar facultativo o ensino religioso nas escolas oficiais, devido ao fato de o catolicismo ser a religião da maioria dos brasileiros. Dessa forma, a tensão entre o Estado e a Igreja foi em torno da questão da laicidade. “Deve ou não ser leiga a instrução ministrada nas escolas oficiais?” (RODRIGUES, 1981, p. 170).

De acordo com Jamil Cury (1978), a crise entre a Igreja e o Estado teve suas verdadeiras origens na apostasia republicana do Estado e no laicismo. O grupo católico defendia a educação, considerando o corpo e a alma, numa relação entre ordem física e a ordem moral, porém os defensores da República pensavam de forma racionalista, como explica Cury (1978, p. 38):

O regime republicano de 1891-1930 foi, à revelia da maioria católica da nação, instaurando por uma elite cujos objetivos de “ordem e progresso” estavam calcados em princípios racionalistas, positivistas e maçônicos, alheios à tradição do povo. Debaixo deste otimismo racionalista formaram-se gerações, especialmente nas escolas públicas, que não ouviram falar de deveres morais e nem de deveres religiosos. Sem ética e religião deformou-se a nacionalidade, tradicionalmente cristã e católica. E ficou a nação carente de cidadãos competentes na estrutura política. Formaram-se dirigentes que, pela acumulação de riquezas e pelo aperfeiçoamento cultural, foram negados da presença de Deus no âmbito público e oficial. O Estado divorciou-se da Nação.

Após o decreto de separação entre a Igreja e o Estado, no ano seguinte, em fevereiro de 1891, a nova Constituição brasileira (art. 72, §3º) dizia que todos os indivíduos e confissões religiosas podiam exercer pública e livremente o seu culto, associando-se para esse fim adquirindo bens, observadas as disposições de direito comum. Dessa maneira, excluía o nome de Deus do seu texto em razão do laicismo e da instituição do ensino leigo nos estabelecimentos públicos. A Constituição dizia que a partir desta, o ensino ministrado nos estabelecimentos públicos devia ser leigo (art. cit., § 6º). Diante disso, duas escolas se formaram: a religiosa ou confessional e a leiga, porém, num “[...] país onde domina uma

religião, aceita e professada por todos, o poder social não tem direito de pretender que esta religião seja proscrita das escolas.” (RODRIGUES, 1981, p. 171).

Rui Barbosa, como um exemplo da personalidade liberal brasileira, já vinha tratando em seus pareceres a preocupação sobre a reforma do ensino primário, defendia o desenvolvimento e prosperidade da nação aliada ao trabalho. Assim como Rui Barbosa, muitos acreditavam no poder da educação como forma de superar o atraso cultural através da instrução popular. Dessa maneira, a escola pública foi elevada à condição de redentora da nação e de instrumento de modernização social, essa foi a lógica da inovação educacional pensada politicamente.

A proposta de reforma de Rui Barbosa era pensada numa forma da instrução pública preparar para vida, assim o ensino não poderia ter os mesmos conteúdos, seria preciso estudar ginástica, música, canto, ciências, a arte, em que seria muito importante para essa aprendizagem a observação e a experimentação. Essa perspectiva de ensino poderia trazer melhoramentos para a sociedade, porque estava voltada à vida, pautada em conteúdos científicos, formando ao mesmo tempo o trabalhador e o cidadão. Um ensino que não fosse pautado na ciência era notoriamente inferior, como era o caso do ensino retórico e livresco, assim, Rui Barbosa criticou o ensino ministrado nos colégios e liceus por ser exclusivamente literários, lutou para romper esse quadro e mudar a instrução no Brasil. No século XIX em outros países, o ensino das ciências tinha prioridade, a revolução tecnológica, que possibilitou a descoberta da automação, colocava a ciência como pré-requisito da modernização. Nessa lógica, “Rui Barbosa propunha a restauração de um programa científico e literário que se utilizasse amplamente do método experimental, sem relações com a religião oficial.” (MACHADO 2002, p. 140).

Inspirado no modelo americano de ensino, que compreendia a cultura da alma humana como o principal elemento da vida de um Estado, a instrução desempenhava uma função importante para o desenvolvimento da sociedade, que, na época, vivia o primeiro surto industrial brasileiro (1885-1895), cuja relação entre a educação e o trabalho teve como foco a ênfase ao ensino do desenho, a partir das propagadas ideias de Rui Barbosa e de “O Novo Mundo” com a colaboração de André Rebouças. Esse interesse foi expresso nos pareceres como exigência para o ensino primário e secundário por Rui Barbosa, visto que o valor do desenho estava em pauta como princípio para o desenvolvimento do trabalho reconhecido por diversos países como Inglaterra, Áustria e os EUA. O desenho era visto como elemento fundante para um bom arquiteto, mecânico e desenhista, porque educava a mão e o olho,

qualidades imprescindíveis na arte aplicada especificamente para o desenho voltado para o trabalho industrial, assim:

O assombroso progresso industrial dos EUA foi atribuído à precoce iniciação da juventude americana no estudo do desenho e á boa organização naquele país do ensino da Arte aplicada á indústria, o qual passou a ser divulgado no Brasil através de O Novo Mundo, que já vinha dando especial destaque à atuação de Walter Smith para o progresso do Estado de Massachusetts e que publicou um número especial sobre Centenial Exhibiton, e como frequência veiculava notícias sobre o progresso do ensino artístico nos EUA e em países europeus. [...] Além das entusiastas informações sobre os progressos do ensino de Desenho nos países estrangeiros, O Novo Mundo também incentivou grandemente o Liceu de Artes e Oficios de Bethencourt da Silva, a única entidade educacional brasileira que na época tentava ensinar o Desenho com aplicações à Arte e à indústria. (BARBOSA, 1995, p. 39- 40).

O desenho defendido por Rui Barbosa no ensino não tinha o caráter de formação artística, mais de exercitar o olho, a mão e usar essa habilidade na indústria, ou seja, de adestramento. Em seguida, ele percebeu que o desenho e a educação não dariam conta da questão da indústria nacional. Mesmo assim, Rui Barbosa defendia uma educação técnica, científica, como contribuição para o trabalhador brasileiro, para o trabalho agrícola e industrial. De maneira que os liberais como Rui Barbosa, Caetano de Campos e Rangel Pestana, dentre outros, lutaram para que a República estabelecesse a liberdade de culto, o casamento civil, a laicização plena dos cemitérios, a inelegibilidade dos clérigos para cargos públicos, a negação do direito ao voto aos padres e a proibição do ensino religioso nas escolas. No embate entre os conservadores católicos e os liberais após a instituição da República, a igreja Católica perdeu parcelas do poder, quando da separação do Estado. Entretanto, a Igreja continuou representando uma ameaça devido às relações de poder estabelecidas a nível simbólico e imaginário com o seu rebanho. Por outro lado, a “República foi, assim, a liberdade para o catolicismo. [...] O decreto de separação assegura à igreja Católica no Brasil certa soma de liberdade que nunca logrou no tempo da monarquia.” (VILLAÇA, 1975, p. 57).