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2. CONCEPÇÕES DE LINGUAGEM, TEXTO E ENSINO DA ESCRITA

2.4 Ponto de partida e de chegada: o texto

2.4.1 A linguística textual no ensino da escrita

Ao tomarmos como partida e chegada do processo de ensino de LP o texto, julgamos necessária a retomada de alguns conceitos apresentados pela Linguística Textual, doravante LT, nos estudos apresentados por Koch (2003, 2006, 2008a, 2008b) e Marcuschi (2008).

A LT toma como objeto de estudo “não mais a palavra ou a frase isolada, mas o texto, considerado a unidade básica de manifestação da linguagem, visto que o homem se comunica por meio de textos e que existem diversos fenômenos linguísticos que só podem ser explicados no interior do texto.” (KOCH, 2008a)

Consideramos o texto como unidade de sentido construído social e historicamente na interação entre os sujeitos. É o lugar próprio da interação. Para funcionar como tal, o texto é composto de mecanismos nos quais destacamos a coesão e a coerência. Tais mecanismos não são tão distintos, porém podemos descrevê-los separadamente.

A coesão é um dos mecanismos responsáveis pela tessitura do texto, visto que este não é apenas uma soma ou sequência de frases isoladas. Refere-se às relações de sentido existentes no interior do texto e que o definem como tal. Essas relações são feitas quando um elemento textual remete a outro. Devemos considerar que a coesão não é condição necessária,

nem suficiente para que exista o texto. Há aqueles que apresentam sentido sem ter elementos linguísticos expressos de coesão, o sentido se constrói no sequenciamento dos enunciados e até mesmo pelas inferências que o leitor faz. Como em: “Olhar fito no horizonte. Apenas o mar imenso. Nenhum sinal de vida humana. Tentativa desesperada de recordar alguma coisa. Nada.” (KOCH, 2008, p.18). Não há elementos coesivos explícitos, porém ao acionarmos algumas referências semânticas, o texto se efetiva como produtor de sentidos. E isso pode acontecer com um leitor em específico e não com outro. Esse fato não o torna um não texto.

Assim como pode haver textos sem coesão explícita, podem existir também os que apresentem elementos de coesão, mas que não produzem sentido, ou seja, que não configuram um texto: “O dia está bonito, pois ontem encontrei seu irmão no cinema. Não gosto de ir ao cinema. Lá passam muitos filmes divertidos.” (KOCH, 2008, p.18)

Destacamos a coesão primeiramente, visto que, mesmo sabendo que não só ela torna um enunciado um texto, a sua presença é um fator de textualidade muito importante para fazermos as relações de sentido na leitura e na escrita textual. Portanto, configura-se como um elemento importante em diversos tipos de textos, como no caso da presente intervenção que trata da Memória Literária.

Outro elemento de textualidade de suma importância tratado pela LT é a coerência que

está diretamente ligada à possibilidade de estabelecer um sentido para o texto, ou seja, ela é o que faz com que o texto faça sentido para os usuários, devendo, portanto, ser entendida como um princípio de interpretabilidade, ligada à inteligibilidade do texto numa situação de comunicação e à capacidade que o receptor tem para calcular o sentido deste texto. Este sentido, evidentemente, deve ser do todo, pois a coerência é global. (KOCH, 2008, p.21)

Para que um texto configure-se como coerente, a interação autor e leitor é de suma importância, visto que ambos participam de um jogo no qual a finalidade é a produção de sentidos, de coerência. A interlocução, a interação entre dois usuários em um momento de comunicação, seja escrito ou falado, recupera sentidos, ativa significados estabelecidos em um dado momento social e histórico no qual estejam inseridos. Além disso, o grau de conhecimento sobre os recursos linguísticos utilizados e sobre o assunto também são fatores cruciais na produção de sentidos de um texto.

A LT nos apresenta alguns tipos de coerência que elencaremos a seguir:

a) Coerência semântica, que se refere à relação entre significados dos elementos em sequência em um texto (local) ou entre os elementos do texto como um todo. [...]

b) Coerência sintática, que se refere aos meios sintáticos para expressar a coerência semântica como, por exemplo, os conectivos, o uso de pronomes, de sintagmas nominais definidos ou indefinidos, etc. [...] A coerência sintática nada mais é do que um aspecto da coesão que pode auxiliar no estabelecimento da coerência.

c) Coerência estilística, pela qual um usuário deveria usar em seu texto elementos linguísticos (léxico, tipos de estruturas, frases, etc.) pertencentes ou constitutivos do mesmo estilo ou registro linguístico. [...]

d) Coerência pragmática, que tem a ver com o texto visto como uma sequência de atos de fala. Estes são relacionados de modo que, para a sequência de atos ser percebida como apropriada, os atos de fala que a constituem devem satisfazer as mesmas condições presentes em uma dada situação comunicativa. (VAN DIJK e KINTSCH,1983 apud KOCH,2008, p.42-46)

Nessa separação apenas destacamos que os diferentes aspectos da coerência agem em conjunto para que ocorra a interpretabilidade de um texto. Mais uma vez, ressaltamos que é na interação que a mesma ocorre. Sendo assim, é necessário que o produtor de um texto coerente esteja ciente de seu interlocutor. Dessa interação, há mais alguns fatores que contribuem para a construção de sentidos como: o uso de determinados elementos linguísticos, o conhecimento de mundo e o conhecimento compartilhado, as inferências, os fatores de contextualização que determinam a situação comunicativa de um texto. Podemos destacar ainda, a situcionalidade, que considera tanto o contexto imediato de interação, quanto seu contexto sociopolítico-cultural. A informatividade, a focalização, a

intertextualidade explícita ou implícita, a intencionalidade e a aceitabilidade, a consistência e

a relevância. Todos esses elementos em conjunto, ocorrendo em maior ou menor grau, numa dada situação de comunicação, são capazes de contribuir para que o leitor construa a coerência, por meio do que o texto nos permitir. (KOCH, 2008)

Os conhecimentos da LT que elencamos não são produtores de programas de ensino, mas podem, por meio da teoria, modificar o modo como encaramos o desafio de escrita na sala de aula. Essa escrita, que é o funcionamento vivo da língua, norteará um trabalho dinâmico no qual professor e aluno tornam-se coautores da aprendizagem. Destacamos a escrita nesse processo, visto que é o foco do presente trabalho, porém não podemos deixar de ressaltar que a LT aborda tanto os textos escritos quanto os falados. Ou seja, preocupa-se tanto com o desenvolvimento da escrita, quanto da oralidade.