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3. PERCURSOS METODOLÓGICOS

4.2 Análise dos resultados alcançados na turma 1

4.2.5 Análise da Memória Literária 4 da turma 1 – ML4T1

Nos textos analisados anteriormente, procurei atentar-me para a progressão textual. Nesse momento, gostaria de analisar o dizer da aluna e as consequências desse dizer. A digitalização do texto está no anexo A, mas como está muito rasurado, pois a aluna no momento de reescrever, foi riscado as partes, digitei o texto abaixo, sem as inadequações de ortografia.

10 Como o texto está rasurado, foi digitado para as análises. Entretanto, a imagem do original está no anexo B. e

Quadro 4 - ML4T1 - Escrita Inicial

O dia mais importante da minha vida

Foi numa linda quarta feira, eu acordei e tomei um banho, na hora que acabei de tomar banho, recebi uma ligação. Era o João, amigo do meu ex-ficante. Eu atendi e nós dois ficamos conversando. Ele disse:

– Queria te ver.

E eu com raiva do Deivid, meu ex-ficante, falei para o João: – Vem em minha casa.

Ele disse:

– Daqui 30 minutos estou aí.

Passou o tempo e ele chegou. Quando ele chegou, nós ficamos. Foi o momento que mudou minha vida por completo.

Foram passando os dias, eu fiquei pensando que já tinha cinco meses que não tomava injeção e fazia um mês que acontecera aquela cena. E eu fui sentindo minha barriga crescer, sentia enjoo, cheguei até a desmaiar.

No dia que desmaiei, fui ao hospital, tomar soro. Mas os médicos não fizeram nenhum exame, por isso, não descobriram minha gravidez.

Mas eu não parava de passar mal. Minhas amigas, Amanda e Iara, ficavam me falando que eu estava grávida.

Passaram mais alguns dias, e eu ainda sentindo os mesmos sintomas. Fui ao médico de novo. Ele mandou fazer exames.

No dia de retornar no médico, ele deu uma olhada nos exames e olhou na cara da minha mãe e disse:

–Parabéns, você vai ser vovó!

E eu, vendo aquela cena, saí correndo na rua, sem saber pra onde ir.

Passaram uns minutos, minha prima me viu e correu atrás de mim. Me pegou pelo braço e nós começamos a andar na rua. Fomos até o cemitério para ver meu irmão.

Enquanto eu estava lá, minha prima ligou para o meu outro irmão e ele veio também e ajudou minha prima a me segurar. E veio a minha mãe, chegou e falo para mim:

– Minha filha, estou contigo!

E nisso ela chamou a ambulância e eu fui para o hospital tomar soro. Passou um tempo, meu pai aceitou e hoje já estou com três meses de gravidez.

A aluna havia me contado o fato e dito que não queria que o texto dela fosse lido para os colegas, somente compartilharia o momento com a amiga com a qual fizera dupla para a atividade. Tanto que não foi exposto no Varal de Memórias na biblioteca da escola como os demais.

O tema do qual o texto trata é muito delicado e deveria ter sido base para outros momentos. Porém, logo após a realização dessa intervenção, a aluna parou de estudar e mesmo a família tendo sido procurada e até mesmo encaminhada para o conselho tutelar, a aluna não retomou os estudos.

Sobre o que escreveu, podemos destacar algumas considerações:

a) pelo título, podemos perceber que a gravidez foi considerada um momento de alegria, comemoração, visto que o título tem um tom de realização, como se ela fosse contar a realização de um sonho;

b) o início do texto, reafirma esse tom de comemoração visto que “ foi numa linda quarta feira”;

c) as palavras ficar, ficante, ex-ficante, representam algo comum na vida da adolescente, visto que é repetida várias vezes como se fosse algo natural. Porém esse ficar representa algo que não deveria ser uma ação presente tão comumente na vida de uma adolescente de seus 13 anos: o sexo. Ficar, nesse contexto, não é somente paquerar, mas realizar o ato sexual, como podemos ver em: “Quando ele chegou, nós ficamos. Foi o momento que mudou minha vida por completo.”; d) a atividade sexual já está presente na vida da garota, pois ela narra que tomava

injeção anticoncepcional. Tal dizer poderia comprovar que isso deveria ser de conhecimento da família, pois não é permitido nas farmácias aplicação do medicamento em menores de idade sem a permissão de um adulto. São duas hipóteses graves: ou a família estava ciente de que a menina já tinha vida sexual ativa ou ela fazia o uso do medicamento de forma clandestina;

e) outro fato que chama a atenção e é algo que acontece muito nas casas de nossos alunos: ficar sozinhos em casa, porque os pais precisam trabalhar. Mesmo não explicitando isso, podemos formular a hipótese de que a aluna estava em casa sozinha, porque os pais estariam trabalhando. Era de manhã e ela não estava na escola, porque estudava à tarde;

f) no nono parágrafo, temos uma informação que poderia ser considerada uma denúncia sobre a saúde pública: ela passara mal, já estava grávida, porém não fizeram exames e não descobriram a gravidez. O fato de não haver um protesto sobre a questão pode ser visto também como uma banalização desse fato: a saúde pública não investigar uma doença e somente remediar a situação, oferecendo o soro, ou um alívio, pois se fossem feitos exames, a gravidez teria sido descoberta e isso traria consequências;

g) o uso da palavra “descobrir” mostra que a aluna sabia que estava escondendo algo grave;

h) a presença das amigas ficarem falando que ela estava grávida, demonstra que se não fosse pela fala das amigas ou pelo fato de ela continuar a passar mal, a adolescente ainda continuaria escondendo dela mesma e da família a real situação: a gravidez. Ela ainda não conseguia assumir a consequência de seu ato; i) porém o fato de continuar a passar mal, o retorno ao médico, o pedido dos

exames e a constatação do fato não demorou a ocorrer e sua reação foi fugir; j) no trecho em que ela vai com a prima ao cemitério para ver o irmão, há uma

k) podemos ressaltar outra contradição em seu texto, será que o dia mais importante da vida dela foi o dia em que transou ou o dia em que descobriu que estava grávida? Pois pela cena do cemitério, a relação com a morte, com o desespero pela constatação da gravidez, fica a impressão de que descobrir de fato a gravidez não foi o momento marcante;

l) o apoio da família, na figura da prima que foi acudi-la, do irmão e da mãe, mostrou que, apesar de ter problemas (a hipótese de um irmão morto, sabe se lá em que condições), essa família parece ser uma família unida;

m) a presença da prima na consulta também pode mostrar que a família estava preocupada com o retorno ao médico, ou seja, suspeitavam da gravidez;

n) enfim, toda a história nos mostra que o fato da gravidez na adolescência tem consequências em toda a família, e pelo seu final, a adolescente não demonstra preocupação com o filho, ela estava preocupada com a aceitação da família, mas ao concluir, não demonstra a noção de que essa gravidez gerará um filho.

Ao corrigir o texto, fui motivada pelo título e tentei acrescentar alguns trechos de emoção que não expressavam a intencionalidade da aluna. Como no final em que acrescento: “e muito feliz pois daqui a pouco estarei com meu filho nos braços.” Talvez essa minha resolutiva foi uma forma que encontrei de mostrar para essa aluna que a principal consequência do ato dela não era a aceitação da família, mas o filho que estava gerando, consequência de seu ato.

Sobre a construção da narrativa, posso destacar que a aluna, autora do texto, diferentemente dos anteriores, demonstrou ter um bom domínio da sequenciação do texto narrativo. Isso pode ser visto em: “E eu vendo aquela cena, saí correndo.” O gerúndio pode ser destacado nesse trecho como uma marcação temporal. No trecho: “enquanto estava lá, minha prima ligou para meu irmão e ele veio também...”, também há a demarcação temporal feita com propriedade.